01/09/12

E quem é que fala connosco?

Há uns meses, a minha mulher explicou à mãe dela o que faz no emprego que agora tem:
«Em 2020, haverá, na Dinamarca, mais 200.000 idosos que agora e menos 200.000 trabalhadores a prestar assistência direta a idosos e portadores de deficiência. Temos de começar a fazer alguma coisa. E então, nós promovemos o que se chama “tecnologia do bem-estar”, que é tudo, desde máquinas a sistemas de comunicação, o que contribua para que as pessoas idosas, sobretudo, possam ter uma vida melhor e mais independente em casa, sem terem tantas pessoas a ajudá-las. Pode ser desde sistemas que detetem automaticamente quedas ou outras situações de emergência até robôs que as ajudem a tomar duche ou lhes aspirem a casa. Os robôs-aspiradores são, precisamente, um bom exemplo de um melhoramento com redução de pessoal, porque fazem o trabalho que é agora feito por um trabalhador da assistência social, mas, enquanto esse trabalho só é feito atualmente de duas em duas ou três em três semanas, depois poderá passar a ser feito quando a pessoa quiser... »
«Mas então», interrompeu a minha sogra, que recebe, precisamente, assistência domiciliária, «e quem é que fala connosco?»


6 comentários:

Helena Araújo disse...

Grande resposta.
Já há tempos me ocorrera algo do género, ao ver um robot que lê os pensamentos das pessoas e faz o que elas querem (talvez até tenha visto o filme no teu mural do facebook, aquele da senhora que queria beber água). Era tão mais humano a senhora estar acompanhada por outra pessoa, a quem ela pudesse pedir alguma coisa para beber!

Vítor Lindegaard disse...

Pois...

Helena Araújo disse...

Mas daqui a nada estamos outra vez na discussão do serviço social e da solidariedade dos vizinhos.
Ia contar-te algo que comoveu muito o pessoal de um hospital alemão: os vizinhos (gregos) de um velhote, que tinha sido arrumado no hospital pela sua família, pediram autorização para o levar para casa deles, para ele passar o Natal com uma família.

Vítor Lindegaard disse...

É o ideal, não é?: haver pessoas que nos convidem para passarmos o Natal com elas, quando nós queremos passar o Natal com outras pessoas. O velhote também era grego?

Helena Araújo disse...

Tendo em conta que o velhinho foi "arrumado" pelos filhos no hospital, este convite dos gregos é, de algum modo, o ideal: haver pessoas que se interessam por nós, apesar de não nos deverem nada.
A alternativa escolhida pelos seus filhos era passar o Natal sozinho, arrumado no hospital.
Ou numa festinha organizada pelos assistente social do bairro...
(Não, acho que não era grego, era alemão. A história já se passou há vários anos - hoje teria uma carga simbólica muito interessante.)

Vítor Lindegaard disse...

É certo, mas pode muitas vezes substitir-se a relação adversativa por uma relaçao causal: às vezes tem-se uma atitude simpática com alguém apesar de não se ter uma relação forte com essa pessoa PORQUE não se tem uma relação forte com essa pessoa. Que terá feito essa pessoa para os filhos não quererem que ela passasse o Natal com eles? Se calhar, nada... Ou apenas lhes transmitiu uma predisposição para o egoísmo e a falta de solidariedade... Seja como for, estas histórias são complexas e é melhor, penso eu, não partir do princípio de que os idosos são sistematicamente vítimas do desprezo e da ingratidão dos filhos, como muitas vezes se faz. Nota que o discurso é o mesmo nas sociedades menos modernas (digo assim para simplificar). Por exemplo, sempre ouvi falar muito de maus tratos a idosos em Moçambique ou na Bolívia, onde os idosos não são postos em instituições e ficam sempre com a família até morrer.