28/08/18

Verosimilhança a duas dimensões

Quando se olha para o desenho acima, além de se notar logo que não foi feito pelo melhor ilustrador do mundo (este desenho o desenho abaixo são meus e foram feitos propositadamente para este texto de blogue), há algo que nos parece errado: tronco e pernas parecem-nos desproporcionados, a perna esquerda dos calções é-nos incompreensível, e a perna e o pé esquerdos parecem estar num aposição completamente impossível. No desenho abaixo, esses «erros» foram «corrigidos» e tudo nos parece mais normal.
Henri Cartier-Bresson (1908-2004) Rue Mouffetard, 1954.
P
onho uma versão pequena da foto, para fins didáticos, digamos
assim, porque a fotografia não é do domínio público, mas podem
vê-la com maior definição por exemplo neste site de leilões.
No entanto, o primeiro desenho está correto e o segundo é que tem erros. Os desenhos foram tirados da fotografia de Henri Cartier-Bresson que podem ver aqui à esquerda e as «correções» do segundo desenho foram inventadas por mim . Provavelmente, não há nenhum ângulo de que o rapaz se possa ver como eu o desenhei na segunda foto e as sombras que inventei são impossíveis. Mas não chocam o olho.

É curioso. Quando se fixa a duas dimensões um pedaço de realidade, há representações imediatas (no sentido original de «sem mediação») da perspetiva com que lidamos mal, ao passo que aceitamos sem problema perspetivas que não correspondem a nada no mundo real. Os ilustradores sabem isto – banem conscientemente certas perspetivas reais e usam outras que parecem bem, mas são irreais.

Notem que não se pode inferir daqui nenhuma desadequação geral dos sentidos à realidade, mas apenas uma esporádica desadequação dos sentidos à representação bidimensional. Mesmo que seja em fotografia. A fotografia de Henri Cartier-Bresson de que aqui falo é estranha. É claro, o realismo inerente à fotografia faz-nos aceitar como real a perspetiva que nos apresenta, ao contrário do que acontece com o desenho nela baseado – mas não deixa de ser estranha... Se estivéssemos onde ela foi tirada e víssemos a cena precisamente daquele ângulo mas a três dimensões, já nada nos pareceria estranho, não é verdade?

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