25/05/20

Lentilhas

Livro da Génese, XXV 29-34:
Hendrick ter Brugghen: Esaú vende o direito de primogenitura, ca. 1627
Thyssen-Bornemisza Museum, Madrid
Um dia, quando Jacob preparava uma sopa de lentilhas, chegou Esaú do campo. Vinha muito cansado.
E disse a Jacob: «Dá-me dessa sopa vermelha, porque me sinto derreado de cansaço.» Por esta razão é que lhe foi posto o nome de Edom – ou seja, o vermelho. 
Respondeu-lhe Jacob: «Vende-me ainda hoje o teu direito de primogenitura.»
Continuou Esaú: «Sinto-me morrer: de que me servirá o meu direito de primogenitura?»
«Pois jura-mo», disse-lhe Jacob. «Hoje mesmo.»
E Esaú jurou e vendeu a Jacob o seu direito de primogenitura.
E este deu-lhe pão e sopa de lentilhas. Esaú comeu, e bebeu, e depois foi-se embora, dando-se-lhe bem pouco ter vendido o seu direito de primogenitura.
Que bem entendo Esaú! Eu teria feito a mesma coisa. Mais: mesmo que não estivesse cheiínho de fome. O direito de primogenitura não me serve de nada e gosto muito lentilhas. Vocês não?

As lentilhas são dos primeiros produtos agrícolas: foram domesticadas há cerca de 9.000 anos, ou talvez antes Não sei se em Portugal alguma vez foram populares, mas, pelo menos no Portugal que eu conheço e no meu tempo de vida, comem-se muito pouco. Creio que comi lentilhas pela primeira vez em Espanha, onde são tradicionais as lentilhas guisadas com morcela e/ou com chouriço. Em França, as lentilhas com carne de porco de salmoura são também um prato muito tradicional. Aqui em casa, comem-se muito, a malta gosta.

As lentilhas guisadas à minha maneira levam sempre cenoura e talo de aipo, ambos às rodelas, que refogo em azeite, juntamente com cebola e alho. Junto depois as lentilhas lavadas, molho com um bocadinho de vinho branco e, em desaparecendo o cheiro a vinho, junto tomate picado. Quando começa a secar, ponho líquido (um caldo, de preferência, mas, se não houver, água também serve, paciência...) e deixo cozinhar até estarem as lentilhas cozidas, juntando mais líquido quando necessário. O tempo de cozedura varia muito, conforme a qualidade das lentilhas.

Sopa de lentilhas vermelhas. Foto de nchenga, daqui (Creative Commons)
Tempero sempre as lentilhas com muitos cominhos e muita semente de coentro em pó. Dizem que se deve pôr o sal só no fim, porque senão as lentilhas demoram mais tempo a cozer, não sei se é verdade ou se é mais um mito culinário... O que não é mito é que há que lavar sempre as lentilhas bem lavadinhas e ter cuidado com as pedrinhas que nelas possam vir misturadas.

Acho que as lentilhas ficam muito bem com borrego, não sei se são da mesma opinião. Aqui têm uma sugestão para aproveitar bocados menos nobres do borrego (costelas, pescoço, coisas assim): cozinhem-nos com uns quantos legumes que tenham à mão, para lhes dar mais sabor, numa panela de pressão ou num tacho coberto de ir ao forno, até a carne se separar bem dos ossos; depois, tirem a carne toda, o mais possível sem gordura, juntem-na às lentilhas guisadas e deixem apurar um bocadinho.

Já agora: a mesma coisa – ou parecida, seja – mas com mais água, dá uma rica sopa magrebina. Bom proveito!


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