tag:blogger.com,1999:blog-28743867900239257182024-03-13T12:03:19.437+02:00Travessa do Fala-SóVítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.comBlogger681125tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-53166728085654837122024-02-22T18:22:00.001+02:002024-02-22T18:53:40.028+02:00Mangas e tangas: mais uma conversa sobre a origem de termos de calão<p> </p><p><b>Mangas…</b></p>No português que eu falo (no meu dialeto e no meu socioleto, se assim o preferirem), <b>mangas</b>, nome masculino de dois números, significa «malandro», «atrevido», «pinta(s)», «moinante». É natural que, a partir deste significado inicial, tenha evoluído para significar apenas «indivíduo, fulano, sujeito», sem mais, <a href="https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/mangas" target="_blank">como o propõe o dicionário Porto Editora em linha</a>. É pena que falte à entrada o outro significado que eu referi; e surpreende-me que se considere a palavra de dois géneros, a não ser que seja coisa recente: nunca na minha vida ouvi nada como «A Fernanda é uma ganda mangas!» ou «A Paula? Ui, essa mangas…». Mas é louvável que a entrada <b>mangas </b>exista, já que os outros dicionários a que tenho acesso simplesmente não registam o termo. <p>O Porto Editora propõe como etimologia a palavra portuguesa <b>manga</b>, simplesmente, acrescentada de um S. Não é que seja etimologia mal pensada, já que o aparente plural de nomes é construção prolífica, no registo a que <b>mangas </b>pertence, para designar pessoas específicas ou tipos de pessoas. E as partes do vestuário ou do corpo são, precisamente. material comum para essas construções. Além do sinistro ditador que todos conhecem como «o Botas», muitos de vocês deverão ter topado, ao longo da vida, com alcunhas como «o Pantufas» ou «o Calcinhas», ou «o Vidrinhos», (para alguém que usasse óculos), «o Mãozinhas», «o Pezinhos», «o Orelhas» ou «o Monas» (se se achasse que sobressaíam na pessoa algumas partes do corpo) ou «o Barbas», «o Bigodes» ou «o Patilhas» (para referir quem não rapasse o pelo em toda a face ou parte dela). Quanto a nomes genéricos, diz-se, por exemplo, «um conas» ou «um coninhas» de alguém com pouco expediente — atado, como também se diz —, que facilmente se deixe embaraçar, enganar ou amedrontar, ou «um tretas» de alguém que cultive a mentira ou o exagero. Talvez uma alcunha «o Mangas», devida a qualquer particularidade do vestuário de um determinado moinante, tenha tido tanta fortuna que, de designar um indivíduo, tenha passado a designar o seu tipo. </p><p>Mas há outra hipótese etimológica que me parece possível, e talvez até mais lógica, embora não me atreva a dá-la como quase certa — que é o mais que se pode fazer quando se fala destas coisas —, por falta de informação sobre as datas de primeiras atestações de <b>mangas </b>com este significado em português e por desconhecer por que vias possa ter chegado a Portugal o termo que proponho: o grego <b><i>μάγκας</i></b>, pronunciado [máŋgas].</p><p>A <a href="https://www.greek-language.gr/greekLang/modern_greek/tools/lexica/triantafyllides/search.html?lq=%CE%BC%CE%AC%CE%B3%CE%BA%CE%B1%CF%82&dq=" target="_blank">definição de um dicionário grego</a> coincide em grande parte com a definição que eu gostaria de ver nos dicionário portugueses. (Notem que a palavra <b><i>mangas</i></b>, na definição que se segue, é a palavra <b><i>mangas </i></b>em grego, não em português. A tradução é do senhor Google, eu apenas a tentei tornar mais elegante.) </p><p></p><blockquote><b><i>Mangas</i></b>: pessoa do povo caracterizada por excesso de autoconfiança ou arrogância, e com uma aparência ou um comportamento (vestuário, movimentos, vocabulário, tom de voz, etc.) diferente do habitual: <i>Stavrakas, o tipo que representa o malandro nas histórias de <a href="https://es.wikipedia.org/wiki/Karaguiosis" target="_blank">Karagiozis</a></i><a href="https://es.wikipedia.org/wiki/Karaguiosis" target="_blank"> </a>[teatro de sombras]<i>, é um mangas e um vadio</i>. || (por extensão) tipo de homem comum que se porta como um rapazola e se arma em forte: <i>Aqueles estão armados em <b>mangas </b>e viajam sem cinto de segurança.</i><b><span style="font-size: x-small;">[1] </span></b></blockquote><p></p><p>Mas o mais interessante é que, na origem, <b><i>mangas </i></b>é um tipo histórico específico, <a href="https://memoriesoftheinnocentage.blogspot.com/2016/06/magkes-koutsavakia-rebetes-and-midwifes.html" target="_blank">o tal que Stavrakas representa</a> no teatro de sombras. E é essa designação dos membros de um grupo social de finais do séc. XIX e inícios do séc. XX que está na origem das aceções posteriores; e é essa aceção primeira que eu penso que pode ter chegado a Portugal no princípio do século XX, como chegou a outros países. Os <b>mangas </b>estão intimamente ligados à cultura do <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Rebetiko" target="_blank">rebético</a>, a canção urbana grega surgida na segunda metade do século XIX e eram facilmente reconhecíveis pela sua indumentária: chapéu de feltro, casaco vestido só numa manga, longa faixa à cintura, calça riscada e sapato de bico<b><span style="font-size: x-small;">[2]</span></b>. Se aceitarmos que o rebético está para Atenas ou Salónica como o fado para Lisboa, o tango para Buenos Aires, ou a <i>valse musette </i>para Paris, então o <b>mangas </b>é o faia, o <i>tanguero </i>e o <i>marlou</i>.</p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7wvjld9nF6kvrp96JepGAnupGrckG0h1ekvqN0-K2iBj9Pd5DwgYRiGGT8-BulWvicV9xD8PuoaoiyhRyLuEaM0oSWjhfU8VJseaLNzwL9JLsHNCApwNTAb4QnAV37ewhm1LLDnJ24SmJxZesV16IU34w7yk0lmwzNcgZWMGlj1LrllABpM0nN29PN10/s2104/Le%20Petit%20Journa%20Apache.jpg" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="2104" data-original-width="1500" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7wvjld9nF6kvrp96JepGAnupGrckG0h1ekvqN0-K2iBj9Pd5DwgYRiGGT8-BulWvicV9xD8PuoaoiyhRyLuEaM0oSWjhfU8VJseaLNzwL9JLsHNCApwNTAb4QnAV37ewhm1LLDnJ24SmJxZesV16IU34w7yk0lmwzNcgZWMGlj1LrllABpM0nN29PN10/w285-h400/Le%20Petit%20Journa%20Apache.jpg" width="285" /></a></div>No fundo, o que eu proponho é que se tenha passado com o grego <b><i>mangas </i></b>o mesmo que, por exemplo, se passou na mesma altura com o francês <a href="https://fr.wikipedia.org/wiki/Apaches_(voyous)" target="_blank"><b><i>apache</i></b>,</a> que, começando por designar um grupo social específico da ralé parisiense, ganhou depois um sentido genérico e extravasou do francês para outras línguas, entre as quais o português (conheci o termo pela minha avó, nascida em 1919, e há até <a href="https://youtu.be/BYiLas6dunI?si=KinJt5STxneweEGv" target="_blank">uma valsa portuguesa de 1915</a> com esse nome <b><span style="font-size: x-small;">[3]</span></b>). Como já disse, não sei como é que a designação pode ter chegado a Portugal (através de marinheiros?), mas parece-me certo que a fama dos <b>mangas </b>não se ficou pela Grécia.<p></p><p>Deixo-vos, para terminar as páginas sobre <b>mangas </b>na Wikipédia <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Mangas" target="_blank">em inglês</a> e <a href="https://es.wikipedia.org/wiki/Mangas_(grupo_social)" target="_blank">em espanhol</a> e um bonito rebético sobre os mangas de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Votanikos" target="_blank">Votanikós</a>, um bairro de Atenas.</p><div><p>Ζαχαριασ Κασιματησ: Ο Μαγκασ του Βοτανικου, 1934, (Zaharias Kasimatis, “Mangas de Votanikós”)</p><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/KuyIPixP3gg?si=r_GSj5XQ3XPlYoMS" title="YouTube video player" width="560"></iframe><p><br /></p><b>… e tangas</b><p>O dicionário Porto Editora em linha regista a expressão «coloquial» <b>dar tanga a (alguém)</b> com o significado de «divertir-se à custa de (alguém)» e o verbo «popular» <b>tanguear </b>com o significado de «troçar de (alguém) com aparente seriedade; dar tanga a». É uma definição que não me satisfaz, porque a <b>tanga (</b>de conversa) não existe só na expressão <b>dar tanga</b>, mas é antes um nome relativamente livre que se pode usar em frases como «Ele está na tanga, não vás nisso.», «Ena, aquele gajo é só tangas», «Grande tanga que ela te pregou!», etc. E, em vez de «troça», significa também (ou sobretudo) «patranha, ardil, intrujice» ou «conversa de chacha». <b>Tanguear </b>é «enganar, aldrabar, baratinar» — <b>dar tanga</b>, sim, senhor, mas com este significado. Já o dicionário da Academia de Ciência de Lisboa acrescenta este significado de «mentira» na expressão <b>dar uma tanga</b>, mas, como o Porto Editora, não tem para esta tanga uma entrada separada, nem lhe encontra uma etimologia diferente da palavra que eu creio apenas convergente e que refere uma diminuta peça de roupa<span style="font-size: x-small;"><b>[4]</b></span>.</p>Melhor está o Priberam, que separa a <b>tanga</b>-mentira da <b>tanga</b>-calção e a define como termo «informal» que significa «história fictícia e enganosa (ex.:<i> isso é tudo uma grande tanga)</i>. = aldrabice, mentira, peta, treta.» Tenho muitas dúvidas, porém, que se deva juntar, como o Priberam o faz, esta <b>tanga </b>com a <b>tanga </b>que refere uma «moeda asiática de pequeno valor, usada na antiga Índia Portuguesa» e que vem de uma língua indiana (o sânscrito <i>tangka</i>, <a href="https://dicionario.priberam.org/tanga" target="_blank">segundo o Priberam</a> <a href="https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/tanga" target="_blank">e o Porto Editora</a>, ou o concani <i>tang</i>, <a href="https://dicionario.acad-ciencias.pt/pesquisa/?word=tanga" target="_blank">segundo o dicionário da Academia de Ciências de Lisboa</a>). <p>Parece-me muito difícil explicar como se passa da peça de vestuário a mentira (mas percebe-se bem <b>estar/ficar/deixar alguém <u>de tanga</u></b> no sentido de «miserável, sem vintém»). Já a deriva semântica da moeda para a converseta parece fazer mais sentido (<b>dar tanga</b> como «dar algo [conversa, neste caso] sem valor»), mas há pelo menos uma coisa fundamental que fica por explicar com esta etimologia: a coincidência com o calão de Buenos Aires, o lunfardo. Acho provável (mais uma vez, sem ter certeza nenhuma) que esta <b>tanga </b>tenha uma origem diferente da <b>tanga</b>-peça de vestuário e da <b>tanga</b>-moeda indiana.
<a href="https://llindegaard.blogspot.com/2018/01/dancar-bolcar-axandrar.html" target="_blank">Como já aqui referi uma vez</a>, «o calão português partilha com o calão espanhol vários termos, nomeadamente os oriundos do caló (que dá a palavra <i>calão</i>, aliás) e tem também vários termos em comum com o lunfardo rioplatense». Não encontro referência a <b>tanga </b>no sentido de «mentira» nem de «troça» no dicionário da Real Academia Espanhola, mas encontro-a em dicionários <i>online </i>de lunfardo, entre os quais <a href="https://www.todotango.com/comunidad/lunfardo/" target="_blank">o do site Todo Tango</a>. Eis as várias aceções de <b>tanga </b>em lunfardo (escuso-me aqui de traduzir):</p><blockquote><i><b><a href="https://www.todotango.com/comunidad/lunfardo/termino.aspx?p=tanga ir de tanga" target="_blank">Tanga</a></b> (lunf.) Arreglo de un asunto; artilugio para obtener ventajas; componenda; negociado; estratagema // empleado de parque de diversiones que simula ser público y participa de los juegos acertando, para animar a otros a también hacerlo// (pop.) bíkini muy reducida en la pieza inferior// (delinc.) ayudante de un estafador o de un ladrón carterista// estafa, fraude; ventaja que se obtiene mediante ardid o engaño. <a href="https://www.todotango.com/comunidad/lunfardo/termino.aspx?p=ir+de+tanga" target="_blank"><b>ir de tanga</b></a> (delinc.) Acompañar a un punguista en el momento que comete sustraccíones. </i></blockquote><p>Como se vê, a definição de <b>tanga </b>coincide com a que proponho em português e acrescenta-lhe ainda outros significados que tanto podem derivar da aceção de «engano, ardil» como, pelo contrário, estar na sua origem: os de «falso membro do público dos parques de diversões» e de «ajudante de vigarista ou carteirista». </p>Agora, tendo em conta a maior riqueza semântica de tanga no calão de Buenos Aires que no calão português<b><span style="font-size: x-small;">[5]</span></b>, não será de supor que o termo é originário do lunfardo e que está antes diretamente relacionado com <b>tango</b>, que é, na origem, música dos bairros populares, e com os tangueros, que são — ou foram — a <i><a href="https://dle.rae.es/malevo" target="_blank">malevaje </a></i>(malandragem) de Buenos Aires? Não é por acaso que <b>lunfardo</b>, o nome do calão local, significa «ladrão». Note-se que, em português, <b>tanguista </b>tanto significa «mentiroso» como «bailarino de tango» e <b>tanguear </b>tanto quer dizer «dançar o tango» como «endrominar».<p>________________</p><p>Notas</p><b><span style="font-size: x-small;">[1]</span></b> O dicionário grego acrescenta uma segunda aceção, que corresponde ao português <b>barra</b>, e que mangas não tem em português: «uma pessoa experiente com competências reconhecidas e aplaudidas»: <i>Ele é <b>mangas </b>no seu trabalho.</i></div><div><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiX0arFkawlKzAoRiYl_vpbkZUwSBfHnNsJtCre6pSB_IClj4QNZTqMJ56AFQoguhqgcbWs1AplEKWJVJZDS6nMVMXCUe8dHzOUwbm8AEq-vIHZw2Pw_yl3mWPG-aZrnp2xM3Zad_36MJO1QSsntwWLRZr66XoKcMN6s5pqtVjmD4z2Fz3_hVGSybCsHXA/s1000/Koutsavaki%201880.jpg" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="1000" data-original-width="934" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiX0arFkawlKzAoRiYl_vpbkZUwSBfHnNsJtCre6pSB_IClj4QNZTqMJ56AFQoguhqgcbWs1AplEKWJVJZDS6nMVMXCUe8dHzOUwbm8AEq-vIHZw2Pw_yl3mWPG-aZrnp2xM3Zad_36MJO1QSsntwWLRZr66XoKcMN6s5pqtVjmD4z2Fz3_hVGSybCsHXA/w374-h400/Koutsavaki%201880.jpg" width="374" /></a></div><b><span style="font-size: x-small;">[2]</span></b> É importante referir aqui um outro grupo de rufias gregos, os <b><i>koutsavakia</i> </b>(singular <i><b>koutsavaki</b></i>). Embora muitas vezes se apresente <i><b>mangas </b></i>como sinónimo de <b><i>koutsavaki</i></b>, há quem distinga os dois grupos e afirme que, com rigor, a descrição da estranha indumentária da malandragem urbana acima descrita é dos <b><i>koutsavakia</i></b>, que são imediatamente anteriores aos <b><i>mangas </i></b>e estão na sua origem. Ver por exemplo <a href="https://mpouzoukimpouzouksides.blogspot.com/2016/12/koutsavaki.html" target="_blank">este artigo</a>, ilustrado com «talvez a única foto de um autêntico <b>koutsavaki </b>[em 1880]» (em grego, terão de usar um tradutor automático) ou <a href="https://www.dapperdanmagazine.com/blog/1130/a-study-of-the-mangas/" target="_blank">este </a>(em inglês). A verdade é que, nas fotos de ambientes de rebético dos anos 1930, os <b>mangas </b>parecem antes… faias!<p></p><p><b><span style="font-size: x-small;">[3]</span></b> Esta valsa foi suficientemente conhecida para ter sido regravada e reeditada nos anos 70 ou 80, num disco da série Melodias de Sempre, pelo qual a conheci. Não deixa de ser curioso que a pessoa que carregou a música para o YouTube confunda os apaches, rufiões da época, com os índios apaches (embora o nome da tribo esteja, ao que parece, na origem do nome do gangue). Obviamente, o termo depressa foi esquecido em português.</p><p><b><span style="font-size: x-small;">[4]</span></b> Curiosamente, os dicionários não se entendem sobre a origem da <b>tanga</b>-vestuário: o Porto Editora, o dicionário da Academia de Ciências de Lisboa, o Priberam, o Michaelis e o Aulete (ou seja, os dicionários portugueses) dão como étimo o quimbundo <i>(n)ganga</i>, «pano», mas outros dicionários propõem antes o tupi <i>tanga</i>, «tanga» — é o caso do Dicionário da Real Academia Espanhola e do alemão Duden.</p><p style="text-align: left;"><span style="font-size: x-small;"><b>[5]</b></span> Alguns acusar-me-ão de estar a aplicar às línguas um princípio da genética evolutiva, segundo o qual a diversidade genética é maior na zona de origem de uma espécie, mas juro que não era essa a minha ideia. Se bem que, agora que falam nisso, não deixa de ser uma ideia a explorar… (Mais uma tanga, dizem vocês e provavelmente com toda a razão…)</p><p style="text-align: right;">[<span style="font-size: x-small;">Ambas as imagens da Wikipedia, autores desconhecidos e domínio público.</span>]</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p>
</div>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-48052341061418715612024-02-09T17:11:00.008+02:002024-02-09T17:18:37.454+02:00 Phrasal verbs, uma coisa inglesa (?)<p> </p>
<p style="text-align: right;"><span style="color: #660000;">[Este texto não faz sentido para quem não tenha conhecimentos mínimos de inglês, posto que é, precisamente, sobre algum vocabulário dessa língua. Ponho, no entanto, os significados em português das várias expressões e frases, para o caso de o leitor não as conhecer todas.]</span></p>
<p>Dizia-me há pouco tempo um amigo que uma das coisas que achava mais difíceis em inglês — e que acreditava ser uma das riquezas da língua — eram os chamados <i><b>phrasal verbs</b></i>, as combinações de verbos com preposições ou advérbios cujo significado não se pode deduzir do significado dos elementos que as compõem, como <b><i>put out</i></b> («apagar», «incomodar», «disponibilizar», «editar», «emitir», «produzir» e mais), <b><i>put up with</i></b> («suportar», «aguentar», «aturar») ou <b><i>put off</i></b> («adiar», «desencorajar», «desagradar» e mais) — que não se podem deduzir do significado de <b><i>put</i></b>, que basicamente significa «pôr». Mas serão os <i>phrasal verbs</i> algo assim tão especial e algo tão idiossincraticamente inglês? </p>
<p>Quero notar, antes de mais, que <i>phrasal verbs</i> é uma designação muito típica da tradição de ensino de inglês como língua segunda e não tanto da literatura científica, embora haja trabalhos de linguística que abordem o conceito. O dicionário Cambridge <a href="https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/phrasal-verb" target="_blank">define <i>phrasal verb</i></a> como «um sintagma composto por um verbo com uma preposição ou advérbio ou ambos, cujo significado é diferente do significado das partes separadamente» e dá como exemplos <b><i>pay for</i><span style="font-size: x-small;">[1]</span></b> («pagar (por)»), <b><i>work out</i></b> («calcular», «resolver», «elaborar», «esgotar», «fazer exercício» e mais) e <b><i>make up</i></b> («inventar», «formar», «constituir», «maquilhar», «recuperar», «fazer as pazes» e mais). </p>
<p>Na secção de gramática que se segue à definição, no entanto, o Cambridge desdiz-se e explica mais em pormenor que (como na sua própria definição acima) a designação se usa muitas vezes para três tipos diferentes de «verbos polilexicais», mas que, com rigor, apenas devia referir um desses tipos, os verbos polilexicais compostos de um verbo principal e uma partícula adverbial, as mais comuns das quais são <i><b>around</b></i>, <i><b>away</b></i>, <i><b>down</b></i>, <i><b>in</b></i>, <i><b>off</b></i>, <i><b>on</b></i>, <b><i>out</i></b>, <i><b>over</b></i>, <b><i>round</i></b> e <b><i>up</i><span style="font-size: x-small;">[2]</span></b>. Os verbos preposicionais que selecionam obrigatoriamente uma preposição que os ligue a um objeto não seriam, pois, <i>phrasal verbs</i> em sentido estrito<b><span style="font-size: x-small;">[3]</span></b>. Exemplos destes «falsos» <i>phrasal verbs</i> são (verbos <b><i>a itálico e negrito</i></b>; preposições <b><u><i>a itálico e negrito e sublinhadas</i></u></b>; e objetos <i>só em itálico</i>) <b><i>break <u>into</u></i></b> (<i>a house</i>), «assaltar (uma casa)»; <b><i>cope <u>with</u></i></b> (<i>a difficult situation</i>), «enfrentar/lidar com (uma situação difícil)»; <b><i>deal <u>with</u></i></b> (<i>a problem</i>), «lidar com (um problema)»; <b><i>depend <u>on</u></i></b>, «depender de», <b><i>do <u>without</u></i></b>, «passar sem», <b><i>look <u>after</u></i></b> (<i>a child</i>), «tomar conta de (uma criança»); <b><i>look <u>at</u></i></b>, «olhar para», <b><i>look <u>for</u></i></b>, «procurar»; <b><i>look <u>forward to</u></i></b>, «ansiar por, aguardar com expetativa», etc. Nestes casos, a preposição vem forçosamente antes do objeto e nunca depois. Tem de se dizer </p>
<blockquote>
<p>Could you <i><b>look <u>after</u></b> my bag</i> while I go and buy the tickets? («Pode tomar-me conta da mala enquanto eu vou ali comprar os bilhetes?»)</p>
</blockquote>
<p>e nunca</p>
<blockquote>
*Could you <b><i>look</i></b> <i>my bag <b><u>after</u></b></i> …,
</blockquote>
<p>ao passo que os «verdadeiros» <i>phrasal verbs</i> podem ter ou não um objeto e a partícula não verbal do verbo polilexical pode vir antes ou depois do objeto<b><span style="font-size: x-small;">[3]</span></b>. Eis alguns exemplos, também do Dicionário Cambridge:</p>
<blockquote>
She <i><b>brought <u>up</u></b> three kids</i> all alone («Criou três filhos sozinha»)
</blockquote>
<p>ou </p>
<blockquote>
I <b><i>brought</i></b> my children <b><i><u>up</u></i></b> to be polite («Ensinei os meus filhos a serem bem-educados»).
</blockquote>
<p>Normalmente, quando o objeto é longo, vem depois da partícula não verbal:</p>
<blockquote>
Many couples do not want to <i><b>take <u>on</u></b> the responsibility of bringing up a large family of three or four children</i>. («Muitos casais não querem assumir a responsabilidade de criar uma grande família de três ou quatro filhos»)
</blockquote>
<p>Há outras propostas que, seguindo esta ideia, dão definições mais completas e mais restritas de <i>phrasal verb</i>, algumas delas tão completas e tão restritas que excluem da definição uma grande parte das expressões verbais que costumam figurar nas listas comuns destas expressões<b><span style="font-size: x-small;">[4]</span></b>. A questão não é, pois, nada simples e não tenho vontade nem competência para a desenvolver aqui. Muitas listas de <i>phrasal verbs</i> que por aí circulam, porém, misturam os legítimos e os bastardos sem grande problema — e aceitemos que está muito bem assim…</p>
<p>Agora, o que me parece interessante nas definições mais rigorosas aqui referidas é que são essencialmente morfossintáticas e não semânticas — exceto a definição inicial de que o significado de um <i>phrasal verb</i> «é diferente do significado das partes separadamente». Esta questão interessa-me e quero analisá-la aqui um pouco mais em pormenor, até porque muitos dos exemplos que o Cambridge dá de <i>phrasal verbs</i> não encaixam bem nesta definição. </p>
<p>Antes de mais quero constatar que o significado de muitos <i>phrasal verbs</i> em sentido estrito decorre muito diretamente do significado do verbo ou do verbo e da preposição ou advérbio que o constitui — mesmo quando isso não possibilita que se os compreenda sem os ter aprendido antes. Mas mesmo esta compreensão é muitas vezes possível. É certo que <b><i>give up</i></b> não decorre do sentido de <b><i>give</i></b> nem de <b><i>up</i></b>, que <b><i>make out</i></b> não decorre de <b><i>make</i></b> nem de <b><i>out</i></b>, mas <b><i>come out</i></b>, em qualquer um dos seus sentidos, decorre dos significados de <b><i>come</i></b> e de <b><i>out</i></b>. O mesmo em relação a <b><i>go ahead</i></b>, <i><b>go after</b> (something)</i>, <i><b>go against</b> (somebody)</i>, por exemplo. <b><i>Take off</i></b>, no sentido de «despir» decorre também muito naturalmente dos significados dos dois constituintes da expressão – e até no sentido de «descolar» se pode ver uma relação clara do significado da expressão com o significado dos seus elementos constitutivos. Também é duvidoso que o significado de <b><i>break down</i></b>, tanto na aceção de «avariar-se» como na aceção de «decompor(-se)», não se possa deduzir do significado dos seus elementos. Na expressão <i><b>look forward to</b></i>, embora não se possa deduzir o seu significado dos constituintes, como a definição acima apresentada prescreve, pode claramente ver-se como o seu significado se forma a partir dos seus constituintes. E há muitos mais exemplos. </p>
<p>A questão é também, obviamente, definir o significado de maneira suficientemente abstrata. Os <i>phrasal verbs</i> nasceram muito provavelmente de um significado inicial abstrato dos elementos que os compõem. Isto, aplica-se, aliás, a todos os sentidos «desviantes» de qualquer verbo: uma definição de <b>comer</b> como «ingerir alimentos sólidos» não explica os muitos usos da palavra, mas uma definição mais abstrata como «ser recipiente de» já pode explicar alguns deles. Se se usar antes uma ideia ainda mais abstrata de incorporação, que implique a posse daquilo de que se é recipiente, mais significados podem ainda ser explicados. Mas isto também não é questão que queira tratar de passagem aqui no meio de um texto sobre <i>phrasal verbs</i>… Voltemos a estes.</p>
<p>Muitas vezes, as partículas não verbais dos <i>phrasal verbs</i> parecem funcionar como marcadores de aspeto e modo de processo: não é o significado que muda, é a «temporalidade» (em sentido lato) que se altera<b><span style="font-size: x-small;">[5]</span></b>. Alguns deles, sobretudo muitos com <b><i>up</i></b>, marcam uma conclusão da ação (perfetividade) e outros, com <b><i>on</i></b>, marcam a sua continuação (imperfetividade). Poder-se-ia até argumentar que, em certas situações, certas posposições/advérbios parecem funcionar antes como partícula aspetuais/temporais independentes, livres de se aplicar a certos verbos: como se diz <i><b>go on </b></i>ou <i><b>move on</b></i><i>,</i> «continuar, prosseguir», também se pode construir livremente <i><b>jam on</b></i>, «continuar a improvisar [música]» ou <b><i>dream on</i></b>, «continuar a sonhar» e muito mais seguindo este modelo. Também a partícula <b><i>around</i></b> pode ser uma marca iterativa que parece ser independente, usando-se para significar que a ação se repete muitas vezes, normalmente com muitas pessoas, como em <b><i>call around</i></b>, «telefonar a um grupo de amigos, clientes, etc., (conforme a situação)», ou <b><i>sleep around</i></b>, «ir para a cama com muita gente». É certo que estas palavras não se podem usar livremente com todos os verbos e haveria que definir com rigor quando podem ser usadas desta forma, mas isso é trabalho para especialistas da língua inglesa — uma coisa que eu não sou. </p>
<p>Até agora, falei só do inglês. Mas é importante notar que, com algumas diferenças estruturais e sem um nome específico, existem também <i>phrasal verbs</i> nas outras línguas germânicas. O dinamarquês, que é a única destas línguas que conheço bem, tem muitos, provavelmente mais que o inglês. Não me vou aqui, porém, adiantar na comparação dos <i>phrasal verbs</i> do inglês com os do dinamarquês ou de outras línguas germânicas que a grande maioria dos leitores do blogue não conhece, por interessante que essa comparação possa ser. Mas podemos assentar nisto: por muito que normalmente só se fale de <i>phrasal verbs</i> quando se fala do inglês, eles estão longe de existir só nesta língua.</p>
<p>Nas línguas latinas, tudo é um bocado diferente. As preposições colaram-se aos verbos ainda em latim e nem nos damos conta de que <b>apreender</b> (e <b>aprender</b>), <b>compreender</b>, <b>depreender</b> e <b>empreender<span style="font-size: x-small;">[6]</span></b> são, originalmente, um mesmo verbo com várias preposições, como <b>admitir</b>, <b>cometer</b>, <b>demitir</b> e <b>permitir</b>, ou <b>consistir</b>, <b>desistir</b>, <b>existir</b>, <b>insistir</b> ou <b>persistir</b> — e dezenas de outros casos. Note-se que o mesmo processo de formação existe nas línguas germânicas, em que a preposição se colou ao verbo que a segue. Nalguns casos, como no inglês <b><i>outbargain</i></b> («ficar a ganhar numa negociação ou num contrato») parecerá óbvio aos falantes da língua que se trata de <i style="font-weight: bold;">bargain</i> («negociar») antecedido de <b>out</b>, mas ninguém pensa em <b><i>understand</i></b> («compreender»)<b> </b>como o verbo <i style="font-weight: bold;">stand</i> (preposicionado — até porque <i><b>stand under</b></i> tem outro significado («erguer-se, estar situado debaixo de») — e, evidentemente, estes verbos não são considerados <i>phrasal verbs</i><b><span style="font-size: x-small;">[7]</span></b>. </p>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjHGI7jvsUGhwbNtSAf9E9wP1aq5R13cI24BhrxJl871UyXt2RFMRX22lSY9kIb78fQJwHjG_owBaALD2O-j6OR2aukpnuZ7w61HP9vTPKitPf1E8teRcWfOI_H6I_W8nN1yaf4lEbv7oqJHw3M_AJexxgYbCqor2C2OP6bp8W8DZbU9eGdwENO_ODvsPY/s1536/Feeding%20the%20multitude.jpg" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="Feeding%20the%20multitude" border="0" data-original-height="1060" data-original-width="1536" height="442" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjHGI7jvsUGhwbNtSAf9E9wP1aq5R13cI24BhrxJl871UyXt2RFMRX22lSY9kIb78fQJwHjG_owBaALD2O-j6OR2aukpnuZ7w61HP9vTPKitPf1E8teRcWfOI_H6I_W8nN1yaf4lEbv7oqJHw3M_AJexxgYbCqor2C2OP6bp8W8DZbU9eGdwENO_ODvsPY/w640-h442/Feeding%20the%20multitude.jpg" width="640" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">
«Comer fora»<br />
James Tissot: La multiplication des pains («A multiplicação dos pães»), 1886-1896. Brooklyn Museum, d<a href="https://www.brooklynmuseum.org/opencollection/objects/13423" target="_blank">aqui</a>.
</td>
</tr>
</tbody>
</table>Há, porém, casos de verbos nas línguas latinas que parecem ter as mesmas características que alguns dos ditos <i>phrasal verbs</i> ingleses, na sua definição mais alargada e essencialmente semântica: verbo + partícula => significado não inferível dos dois elementos. Alguns têm até uma construção exatamente igual. <b><i>Eat out</i></b>, «comer fora», por exemplo, é igual em inglês, português, castelhano e italiano<b><span style="font-size: x-small;">[8]</span></b> e <i><b>count on</b></i> <i>(something or someone)</i>, «contar com (alguma coisa ou alguém)», tem exatamente a mesma forma em francês, <i><b>compter sur</b> (quelque chose ou quelqu'un)</i>, e italiano, <i><b>contare su</b> (qualcosa ou qualcuno)</i>, e formas muito semelhantes em português e castelhano. É claro, pode considerar-se exagerado incluir verbos como <b>eat out</b> nas listas dos <i>phrasal verbs</i>, por muito que ele lá se encontre. A definição de <i>phrasal verb</i> é, como se viu, algo vaga, mas trata-se aqui de mais um exemplo de um verbo com um advérbio cujo sentido decorre bastante diretamente do sentido individual dos elementos que o compõem. É certo que <b>eat out</b> não se refere normalmente a jantar no quintal ou na rua (embora em certas situações até possa referir isso, situações em que, presumo, os dois elementos não são já considerados um <i>phrasal verb</i>…), mas é de comer fora do espaço definido como seu ou como habitual. Se considerarmos <b>eat out</b> um <i>phrasal verb</i>, então <b>comer fora</b> também o é.
<p>Mas há outros casos mais curiosos, a que parece poder aplicar-se uma definição mais restrita de <i>phrasal verb</i> — desde que não se a limite à presença de um advérbio: <b>estar para</b> («ter vontade de», <b>passar por</b> («ser tomado por»), <b>levar com</b> («ser atingido por; ser alvo/vítima de; ter de aturar, aguentar»), <b>olhar por</b> («vigiar, tomar conta de») ou <b>sair a</b> («herdar características dos progenitores»), para dar alguns exemplos óbvios, mas há mais. Vejamos o caso de <b>dar</b>, que é, creio, o mais prolífico em português. Assim, <b>(ir/vir) dar a</b> é «conduzir a», <b>dar com</b> é «encontrar, descobrir», <b>dar em</b> é «tornar-se» (restrito a predicações de caráter negativo), <b>dar para</b> pode significar «servir para», «ser suficiente para» ou «ser possível», <b>dar + dativo + para</b> indica o surgimento de uma vontade, estado de espírito ou hábito e <b>dar por</b> significa «notar, aperceber-se de» ou «considerar». </p>
<p>Mas, mesmo que nos atenhamos à definição restrita de <i>phrasal verb</i> com uma partícula adverbial, ainda somos capazes de encontrar casos em português, além do já referido <b>comer fora</b>: por exemplo (mas há mais), <b>deitar/mandar abaixo</b>, «derrubar» ou «dizer mal de»; <b>ir atrás de</b>, «acreditar em alguém; obedecer a alguém», <b>andar atrás de</b>, «tentar seduzir»; <b>ficar atrás de</b>, «ser de qualidade inferior»; <b>andar em cima de</b>, «vigiar de perto» ou «perseguir, controlar insistente e abusivamente», <b>estar/ficar por dentro</b>, «ficar a saber/saber de algo»; <b>ir dentro</b>, «ser preso», <b>botar/deitar/mandar fora</b>, «desfazer-se de», <b>ir/chegar longe</b>, «ter sucesso»; e <b>ir-se abaixo</b>, «perder forças, físicas ou psíquicas», «deixar de trabalhar (um motor)».</p>
<p>Conclusões? Não há. Isto era mais a gente a conversar como quem conversa à mesa do café, sem preocupações de chegar a algo de muito definitivo… A não ser que os tais <i>phrasal verbs</i> ingleses não parecem ser, afinal, nada de tão idiossincrático como os querem, às vezes, fazer parecer…</p>
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<p><br />
Eis um link para <a href="https://www.gingersoftware.com/content/grammar-rules/verbs/list-of-phrasal-verbs/" target="_blank">uma lista abrangente de <i>phrasal verbs</i></a>, uma das muitas que se encontram na Internet.: </p>
<p>___________________________________________</p>
<p> </p>
<p><b><span style="font-size: x-small;">[1]</span></b> Se vos parece estranho que <b><i>pay for</i></b> seja exemplo de <i>phrasal verb</i>, agradar-vos-á saber que <b><i>pay for</i></b> não faz parte da lista de <i>phrasal verbs</i> da entrada <b>pay </b>do dicionário Cambridge. Note-se que a minha intenção não é de modo algum apontar as incoerências deste dicionário, que escolhi ao acaso, mas antes apontar as naturais incoerências de um conceito vago como <i>phrasal verb</i>. </p>
<p><span style="font-size: x-small;"><b>[2]</b></span> A categoria <b>advérbio</b> é difícil de definir. De facto, não conheço nenhuma definição abrangente, a não ser talvez «palavra invariável que não introduza um sintagma» e, mesmo essa, é pouco clara. Alguns dos advérbios que formam <i>phrasal verbs</i> têm as mesma forma que preposições: <i><b>around</b></i>, <i><b>away</b></i>, <i><b>down</b></i>, <i><b>in</b></i>, <i><b>off</b></i>, <i><b>on</b></i>, <i><b>out</b></i>, <i><b>over</b></i>, <i><b>round</b></i> e <i><b>up</b> (</i>embora a designação de <b><i>down</i></b>, <b><i>off</i></b> e <b><i>up</i></b> como preposições seja muito discutível). </p>
<p>Outra questão é como definir verbos polilexicais. Se se considerar polilexical um verbo quando seleciona como complemento um sintagma preposicional, o mundo está cheio de verbos polilexicais… Por exemplo: <b>olhar</b>, ao contrário de <b>ver</b>, seleciona sempre um complemento introduzido por uma preposição — embora às vezes ele não seja expresso. Há alguma diferença fundamental das sequências <b><i>look after a bag</i></b> e <b><i>look at a bag</i></b>, por exemplo, relativamente às sequências correspondentes em português, <b>olhar por uma mala</b> e <b>olhar para uma mala</b>? Devem considerar-se <b><i>look at</i></b>/<b>olhar para</b> e <b><i>look after</i></b>/<b>olhar por</b> verbos polilexicais? </p>
<p><b><span style="font-size: x-small;">[3]</span></b> Quando o objeto é pronominalizado, porém, vem sempre depois do verbo e antes da preposição/advérbio.</p>
<blockquote>
I’ve made some copies. Would you like me <i><b>to hand</b> them <b><u>out</u></b></i>? («Tirei cópias. Quer que as distribua?»)
</blockquote>
<p>e não </p>
<blockquote>
*Would you like me to <i><b>hand <u>out</u></b> them</i>?
</blockquote>
<p><span style="font-size: x-small;"><b>[4]</b></span> Numa tese de mestrado de 2004, em que analisa os <i>phrasal verbs</i> em inglês, dinamarquês e alemão, Elisabeth Ingeborg Kaalund lista «as características definidoras de um phrasal verb que se aplicam aos três idiomas», que incluem, entre outras, a possibilidade de <b>nominalização</b>, de <b>passivização</b> e de <b>mobilidade da partícula adverbial</b>, podendo esta ser colocada à direita do verbo (uma questão também referida, como indiquei, na definição mais estrita do dicionário Cambridge). É uma definição de muito maior rigor e que reduz muito o número de <i>phrasal verbs</i>. Redu-lo tanto que, segundo esta definição, algumas combinações normalmente consideradas <i>phrasal verbs</i> não o seriam de facto. </p>
<p>Vejamos a questão da <b>nominalização</b>. Se analisarmos alguns exemplos de <i>phrasal verbs</i> referidos neste texto, é certo que de <b><i>bring up</i></b> se pode fazer <i><b>upbringing</b> </i>e de <b><i>put out</i></b> se pode fazer <b><i>output</i></b> apenas num dos muitos sentidos da expressão, tal como <b>make-up</b> só se refere a maquilhagem e nunca a invenção. De <b><i>make up</i></b> não se faz *<b><i>upmaking</i></b>, nem de <b><i>take on</i></b> se faz *<b>ontaking</b> (embora existam <b>intake</b> e <b>outtake</b>). </p>
<p>Além disso, a possibilidade de <b>passivização</b> não parece ser um bom teste do facto de o <i>phrasal verb</i> ter as mesmas propriedades que um verbo simples, pelo menos em inglês: há verbos, como <b><i>look after</i></b>, que embora não sendo, como vimos, «verdadeiros» <i>phrasal verbs</i>, admitem passivização (frase d<a href="https://www.citizensadvice.org.uk/scotland/family/children-and-young-people/children-who-are-looked-after-by-the-local-authority-s/#h-why-are-children-looked-after-by-the-local-authority" target="_blank">aqui</a>): </p>
<blockquote>
There are a number of reasons why a child may be looked after by the local authority.
</blockquote>
<p>A tese de Kaalund pode ser consultada em linha: <a href="https://www.ucviden.dk/ws/portalfiles/portal/124227773/Speciale_Elisabeth_I_Kaalund_2004_Phrasal_Verbs_in_English_German_Danish.pdf" target="_blank">Kaalund, E. I. (2004). Phrasal Verbs in English: a comparison with German and Danish</a>. [Candidatus, Copenhagen Business School]. </p>
<p><b><span style="font-size: x-small;">[5]</span></b> Uma vez, li num fórum da internet um comentário de alguém que considerava que os chamados prefixos aspetuais das línguas eslavas eram como alguns <i>phrasal verbs</i>. Para explicar de uma forma muito simplificada o que são estes prefixos, dou-vos um exemplo do russo: há dois verbos <b>читать</b> e <b>прочитать</b>, pronunciados [tchitat] e [pratchitat], para dizer «ler» (muitas vezes, trata-se da mesma forma sem prefixo e com prefixo, como neste exemplo, mas nem sempre), conforme se fale de ocorrência de leitura sem referir o seu completamento («ontem, li/estive a ler depois do jantar») ou completamente de leitura («ontem, li um texto sobre Amelia Earhart»). Ora, de facto, muitas vezes a partícula <b>up</b> do inglês funciona como uma marca de perfectividade, ou seja, completamento: <b><i>he didn’t eat</i></b> entende-se como «ele não comeu», ao passo que <b>he didn’t eat up</b> não significa que não tenha comido, mas que não acabou de comer.</p>
<p><b><span style="font-size: x-small;">[6]</span></b> Em surpreender, o <b>sur</b>- é o <b>sobre</b> francês, língua de que nos vem a palavra. </p>
<p><b><span style="font-size: x-small;">[7]</span></b> Em dinamarquês, embora um verbo com uma preposição fixa muitas vezes signifique uma coisa completamente diferente do mesmo verbo com uma posposição solta (<b><i>påtage</i></b>, «assumir, comprometer-se» <i>vs</i> <b><i>tage på</i></b>, «engordar», ou <b><i>opstå</i></b>, «surgir» <i>vs</i> <b><i>stå op</i></b>, «levantar-se»), há também muitos verbos que podem ter uma preposição anteposta ao verbo e colada a ele ou a mesma preposição solta depois do verbo sem mudar de significado: <b><i>underskrive</i></b> ou <b><i>skrive under</i></b> significam ambos «assinar», <b><i>medtage</i></b> ou <b><i>tage med</i></b> signficam ambos «levar», etc. — podia aqui dar muitos mais exemplos. O único caso de que agora me consigo lembrar nas línguas latinas é o de <b>sobrevoar</b> em português (ou de <b><i>survoler</i></b> em francês, igual), que também pode ocorrer como <b>voar sobre</b>: </p>
<blockquote>
Estamos a sobrevoar Paris
</blockquote>
<p>ou</p>
<blockquote>
Estamos a voar sobre Paris
</blockquote>
<p>significam a mesma coisa. </p>
<p><b><span style="font-size: x-small;">[8]</span></b> Já em francês não se pode dizer *<i><b>manger dehors</b></i> com o mesmo significado.</p>
<div>
<br />
</div>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-57301219717323354052024-02-05T21:47:00.002+02:002024-02-05T21:49:29.273+02:00Canções que referem outras canções #5: “Baykoca Destanı” e “Cirrus Minor” <p>Esta referência de uma canção a outra canção é um bocado diferente das anteriores, porque não é feita em palavras de pessoas, mas sim em canto de pássaro. O tema de um dos álbuns mais famosos do chamado rock anatoliano, <i>2023</i>, de Barış Manço (1975), remete, a 1'02'', para um tema de tema de Roger Waters, “Cirrus Minor”, do álbum <i>Soundtrack From The Film "More", </i>dos Pink Floyd (1968): são os mesmos passarinhos. Parece que as gravações usadas foram tiradas de <a href="https://www.discogs.com/release/1405607-No-Artist-Sound-Effects-Birds" target="_blank">um disco de efeitos sonoros</a>.</p><p>Tirando os passarinhos, que servem para afirmar a linhagem psicadélica de Manço, as duas canções não têm nada em comum, nem musical nem liricamente. “Cirrus Minor” é claramente uma canção bucólica. Nem o psicadelismo sideral do último terceto lhe consegue arranhar o bucolismo. </p><p></p><blockquote><p><span style="color: #660000;">In a churchyard by a river</span></p><p><span style="color: #660000;">Lazing in the haze of midday </span></p><p><span style="color: #660000;">Laughing in the grasses and the graze </span></p><p><span style="color: #660000;"><br /></span></p><p><span style="color: #660000;">Yellow bird you are not long in </span></p><p><span style="color: #660000;">Singing and in flying on </span></p><p><span style="color: #660000;">Laughing and in leaving </span></p><p><span style="color: #660000;"><br /></span></p><p><span style="color: #660000;">Willow weeping in the water </span></p><p><span style="color: #660000;">Waving to the river daughters </span></p><p><span style="color: #660000;">Swaying in the ripples and the reeds</span></p><p><span style="color: #660000;"> </span></p><p><span style="color: #660000;">On a trip to Cirrus Minor </span></p><p><span style="color: #660000;">Saw a crater in the sun </span></p><p><span style="color: #660000;">A thousand miles of moonlight later</span></p></blockquote><p></p><p><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/GfPVM5dFlp8?si=J9hmqHrzO-KcNbgu" title="YouTube video player" width="560"></iframe> </p><p>“Baykoca Destanı” é claramente uma canção épica. Aliás, <i>destanı </i>significa «epopeia», precisamente. É “A Saga de Baykoca”, algo assim. É claro, eu não falo turco e os programas de tradução automática veem-se aflitos para traduzir coisas destas. Não se fiem na minha tradução de um excerto da letra, que aparece no fim deste texto. </p><p>Vejo que a canção fala de Bayoca e de Banu Çiçek, talvez princesa, que espera por ele, mas ele não volta. Baykoca poderia ser Bayhoca Bey, sobrinho do fundador do império otomano, Osmã I. Bayoca Bey morreu aos 16 anos na batalha de Hamzabey, a primeira grande batalha otomana, ainda antes da fundação do império. Banu Çiçek poderia ser uma personagem lendária do épico <i>Livro de Dede Korkut</i>. Se assim for, são personagens de mundos diferentes. pelo que não faço ideia de como se juntam — se se juntam — nesta canção. Mas talvez não, talvez seja eu a delirar. O que são, com certeza, é personagens de mundos que desconheço completamente. O que não importa muito ou mesmo nada para desfrutar da canção. </p><p></p><blockquote><p><span style="color: #660000;">Pensavas que o rufar dos também era a música de uma boda? </span></p><p><span style="color: #660000;">A bandeira a esvoaçar, pensaste que era a noiva? </span></p><p><span style="color: #660000;">Pensavas que o combate com rifles e canhões era só festa, diversão? (…) </span></p><p><span style="color: #660000;"><br /></span></p><p><span style="color: #660000;">Navios no Mar Negro. </span></p><p><span style="color: #660000;">A artilharia ribomba nas montanhas, gemem a terra e o céu (…) </span></p><p><span style="color: #660000;"><br /></span></p><p><span style="color: #660000;">Tanto tempo esperou Banu Çiçek pelo regresso de Baykoca. </span></p><p><span style="color: #660000;">A chuva é um choro fino. </span></p><p><span style="color: #660000;">E cada gota que cai destroça-me o coração.</span></p></blockquote><p></p><p> <iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/Da1g4KhryA0?si=nG_a_hy3YJzLWo0u" title="YouTube video player" width="560"></iframe></p>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-82418391694062581322024-02-02T23:06:00.005+02:002024-02-09T13:44:54.621+02:00Falsas etimologias, tascas e pancadarias<p><br /></p><p>A expressão <b>etimologia popular </b>cobre dois fenómenos diferentes: um é uma reinterpretação de uma palavra, com base no que se intui ser a sua origem, devido à semelhança sonora com outras palavras; outro é a proposta de uma etimologia com base apenas na semelhança da forma atual de duas palavras. Um exemplo do primeiro fenómeno é <b>praiamar</b>: <b>pre(i)a</b>, que significava «cheia»<b><span style="font-size: medium;">*</span></b>, caiu em desuso e essa parte da palavra foi reinterpretada como <b>praia</b>, que, ainda por cima tem uma relação semântica com <b>mar</b>. Um exemplo do segundo é propor que <b>alçapão </b>vem de <b>alçar </b>o <b>pão</b> (explicando, por exemplo, que o pão se guardava nas caves ou algo do estilo…), quando de facto vem de <b>alça</b>-<b>põe</b>, «sobe-desce», com o verbo <b>pôr </b>no sentido de «descer», como em «O sol põe-se hoje às 16:53». </p><p>Há gente que, sem conhecimentos nenhuns de língua nem da sua história, se entretém a atribuir origens comuns a palavras sem nenhuma relação etimológica entre elas e dar grandes significados a essas relações. Há quem diga, por exemplo, que, com rigor, só se pode falar de <b>indígenas</b> quando se fala das pessoas ou coisas originárias da <b>Índia</b>, quando a origem de <b>indígena </b>não tem nada a ver com <b>Índia</b>. OU que diz que lei marcial vem do nome de um general, Marshall, que foi quem primeiro a instituiu. E eu pergunto sempre a esses pessoas porque é que, em vez de se porem a inventar, não vão antes ver o que dizem as pessoas que, ao contrário delas, passaram a vida a estudar estas coisas. </p><p>Até porque, mesmo não tendo tendência para o delírio e sabendo alguma coisa de língua, é preciso ter sempre muito cuidado com as intuições sobre etimologia. Qualquer pessoa de bom senso pode supor, por exemplo, que os verbos derivados do verbo latino <b><i>habere</i></b>, como o <b>haver </b>português, o <b><i>haber </i></b>espanhol, o <b><i>avoir </i></b>francês e o <b><i>avere </i></b>italiano, entre muitos outros, teriam o mesmo étimo indo-europeu que os verbos germânicos como <b><i>have </i></b>em inglês e dinamarquês, <b><i>hebben </i></b>em neerlandês e <b><i>haben </i></b>em alemão, que significam basicamente o mesmo. Mas não: o verbo latino com a mesma origem destes verbos germânicos é <b><i>capere</i></b>, que deu o nosso <b>caber</b>; o <b><i>habere </i></b>latino tem outra origem.</p><p>Tudo isto para introduzir mais um caso curioso de etimologia, que acabo de descobrir, e, a reboque desse caso, a origem da palavra <b>tasca</b>.</p><p></p><table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisrpXhZTc9vME204oKkeb7iW8B6vqmr1ARZVjBt0C4-BuHAQMSHqGDUEcs7jQe1KGdaOM-yCjfDV4epUVsj-KGSOkkVPGiks4rFUCG5T31eoAnE7Ku90s9X-ytZJsP0nXCpocyTMZf-dJUmLEzFuwxeyg79sZv3lcdaE-7OxhQvL3aWTv05CYHFIIAQog/s1280/Threshing_harvest_Sangrur_Punjab_India.jpg" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="853" data-original-width="1280" height="426" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisrpXhZTc9vME204oKkeb7iW8B6vqmr1ARZVjBt0C4-BuHAQMSHqGDUEcs7jQe1KGdaOM-yCjfDV4epUVsj-KGSOkkVPGiks4rFUCG5T31eoAnE7Ku90s9X-ytZJsP0nXCpocyTMZf-dJUmLEzFuwxeyg79sZv3lcdaE-7OxhQvL3aWTv05CYHFIIAQog/w640-h426/Threshing_harvest_Sangrur_Punjab_India.jpg" width="640" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Foto: Neil Palmer, Debulha, perto de Sangrur, no Punjab, Índia. Novembro de 2011<br />Wikimedia Commons, d<a href="https://ha.m.wikipedia.org/wiki/File:Threshing_harvest_Sangrur_Punjab_India.jpg" target="_blank">aqui</a>.</td></tr></tbody></table>Em dinamarquês, «tareia» diz-se<b><i> tæsk</i></b> ou <b><i>tærsk </i></b>e «dar uma tareia» é <b><i>tæske </i></b>ou <b><i>tærske </i></b>— com R ou sem R, mas a forma mais antiga parece ser a forma com R. A palavra também quer dizer «malhar, debulhar (os cereais)» e é obviamente esse o significado primeiro do qual decorre o de «dar uma tareia», porque os cereais debulham-se à pancada. No fundo, <i style="font-weight: bold;">tærske </i>é como <b>malhar </b>em português, que também tem os dois significados. O termo é cognato das palavras inglesas <b><i>thresh </i></b>e <b><i>thrash</i></b>. Em inglês moderno, <b><i>t</i></b><b style="font-style: italic;">hresh </b>significa «debulhar» e <i style="font-weight: bold;">thrash</i>, embora também possa significar o mesmo, usa-se mais para «dar uma tareia». Houve ali uma vogal que se dividiu em duas para distinguir dois significados. <p></p><p>Ora em português e castelhano existem também <b>tascar </b>para bater o linho ou o cânhamo e <b>tasca</b>/<b>tasco</b>, para referir a espadela que se usa para esse fim. Convenhamos que tanto as formas das palavras como o significado são muito próximos dos termos germânicos referidos no parágrafo anterior. Mas não será só uma coincidência? É bem capaz. A etimologia é discutida: Coromines propõe uma origem celta, <i style="font-weight: bold;">taskós, </i>«estaca, pau»<b><span style="font-size: medium;">*</span></b><b><span style="font-size: medium;">*</span></b>; a Real Academia propõe uma possível origem gótica, um hipotético <i style="font-weight: bold;">taskōn</i>. Evidentemente, uma eventual origem gótica poderia levar-nos a supor uma origem comum com os verbos germânicos para «malhar, debulhar». Mas, nunca destes, e por muitos que gastássemos que fosse verdadeira esta relação, o mais prudente é dar a origem por incerta <b><i> </i></b>— ou obscura, como o fazem o <i><a href="https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/tascar" target="_blank">Porto Editora</a> </i>e o <i><a href="https://dicionario.acad-ciencias.pt/pesquisa/?word=tascar" target="_blank">ACL</a></i>.</p><p>Não surpreende que o significado das palavras da família do <b>tascar </b>ibérico também tenha evoluído para «pancadaria»: Corominas refere <b><i>tasquera</i></b>, atestado em 1626,«alteração, disputa, rixa» e <b>tasca</b>, atestado ainda antes, em 1609, também com esse significado e que evoluiu para «taberna» de uma forma perfeitamente compreensível: primeiro significava o banzé, depois passou a significar o sítio onde se armava o banzé<b><span style="font-size: medium;">*</span></b><b><span style="font-size: medium;">*</span></b>. </p><p><br /><br />__________________`</p><p><b><span style="font-size: medium;">* </span>Prea/preia </b>vem de <b>plena-</b>, tal como <b>cheia</b>. O antigo género feminino de <b>mar </b>pode surpreender, mas ainda assim pode ser em castelhano e é assim em francês. Esta divergência de uma palavra com pl- inicial é a mesma que encontramos em <b>prato </b>e <b>chato</b>, ambos de <b>plattu</b>-. </p><p><span style="font-size: medium;"><b>*</b><b><span>*</span></b></span>Para as referências a Coromines, ver a entrada <i style="font-weight: bold;">tascar </i>no<b> </b><i>Breve Diccionário Etimológico de la Lingua Castelhana</i>, que se pode encontra <a href="http://habilis.udg.edu/~info/webs/Corpus%20i%20diccionaris/Corominas&PascualDCECH/ZBREVE-Joan-Corominas-Diccionario-Etimologico-de-la-lengua-castellana.pdf" target="_blank">aqui</a>. (De nada!)</p><p><b style="font-size: large;"></b></p><div><br /></div>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-34868852621648084142024-01-26T22:11:00.002+02:002024-01-26T22:11:34.768+02:00Pequena divagação sobre pseudónimos e mercado<p><br /></p><p>No artigo «<a href="https://setentaequatro.pt/ensaio/o-deus-mercado-rejeitou-o-homem-branco" target="_blank">O deus mercado rejeitou o homem branco</a>» (um artigo por sinal bem interessante), João Zamith explica as considerações de ordem económica que determinam as escolhas e as imposições — algumas delas surpreendentes — das editoras de livros. Uma das histórias curiosas que conta é a do nome literário (não sei se se lhe pode chamar pseudónimo…) de Joanne Rowling:</p><p></p><blockquote><p>Quando Rowling tentou publicar Potter originalmente no Reino Unido, o primeiro livro da série, que viria a vender 120 milhões de exemplares, foi rejeitada não por uma mas por 12 editoras antes de ser aceite provisoriamente pela Bloomsbury Publishing. Digo provisoriamente porque a editora tinha uma imposição para Rowling: não podia usar o seu nome, Joanne.</p><p>Ninguém compra livros de fantasia escritos por mulheres. Doze editoras antes da Bloomsbury sabiam isso muito bem, e a Bloomsbury também não tinha qualquer dúvida. Se Harry Potter alguma vez chegasse às livrarias, a sua autora nunca poderia ser Joanne. O público leitor tinha de ser enganado, ou ao menos distraído. E assim surgiu JK. Um nome ambíguo, neutro, sem o estigma da feminilidade.</p></blockquote><p style="text-align: center;"><span style="color: #660000; font-size: large;">*** </span></p><p></p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJIICRI9XYKoggTTo3gw_fd9HH73Mt7wF6FN59bxluF7Acnsy4nmU4d74sL2YE1PbyNdwzK7poXVY996prRQPpt_05d8uYUKm8SRTSQSzetpU8_1cXLOlJCpER1us06DbUCPaaXXRyOwrbwighRRWvNvjq2ppfoWq5YabjxiCepGmUvxMNDdtVgTsAl0c/s1009/Ross%20Pynn.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="1009" data-original-width="595" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJIICRI9XYKoggTTo3gw_fd9HH73Mt7wF6FN59bxluF7Acnsy4nmU4d74sL2YE1PbyNdwzK7poXVY996prRQPpt_05d8uYUKm8SRTSQSzetpU8_1cXLOlJCpER1us06DbUCPaaXXRyOwrbwighRRWvNvjq2ppfoWq5YabjxiCepGmUvxMNDdtVgTsAl0c/w236-h400/Ross%20Pynn.jpg" width="236" /></a></div>Veio-me no outro dia à memória um nome da minha infância e juventude: Roussado Pinto, que conheci como comentador e argumentista de banda desenhada, e diretor de revistas de BD. Eu lembro-me dele como diretor do <i>Jornal do Cuto</i>, que colecionei, mas sei que dirigiu mais uma meia dúzia de revistas antes dessa. Além das suas atividades na BD, Roussado Pinto foi também jornalista, novelista e diretor do célebre Jornal do Incrível... Lembrei-me de Roussado Pinto e lembrei-me de que descobri um dia que, como autor de novelas policiais, usava os pseudónimos Ross Pynn e Edgar Caygill. <p></p><p>Num artigo publicado no blogue <i><a href="https://ovoodomosquito.wordpress.com/tag/ross-pynn/" target="_blank">O voo do Mosquito</a></i>, escreve Jorge Magalhães:</p><p></p><blockquote>Evocar o [nome de Roussado Pinto] significa, inevitavelmente, recordar também os pseudónimos que o celebrizaram, como os de Edgar Caygill e Ross Pynn. Usou-os em muitas obras, de maior ou menor importância e simbolismo na sua carreira, não porque quisesse passar, à força, por um escritor estrangeiro — imitando outros autores de novelas de aventuras —, mas porque sabia, com a sua profunda intuição literária, que esses nomes possuíam uma carga onírica que não se desvaneceria com o tempo, dando-lhe assim uma espécie de passaporte para a imortalidade.</blockquote><p></p><p>Curiosamente, nesse mesmo artigo há uma referência a Luís Campos («outro notável escritor policial português»), que usava o pseudónimo Frank Gold… Roussado Pinto não era o único a usar pseudónimos ingleses e a romântica explicação de Jorge Magalhães não me convence muito... Parece-me que, nestes casos, a chã explicação economicista de João Zamith funciona muito melhor. Talvez não tivesse sido imposição das editoras, mas antes uma decisão dos próprios Roussado Pinto e Luís Campos, perfeitamente conscientes de que as novelas policiais de autores portugueses estavam condenadas a ter pouca ou nenhuma saída. Isso não se sabe. Mas um nome inglês era, é claro, muito mais comercial. E é também o que se depreende <a href="https://viriatoteles.com/dispersos/revista-autores/418-gosto-de-leitores-exigentes.html " target="_blank">do que conta Dinis Machado</a>: </p><p></p><blockquote>Um dia, a minha filha estava para nascer, e eu precisava de vinte contos, fui falar com o Roussado Pinto. E ele disse: «Está bem, ganhas vinte contos, mas fazes três romances policiais com um nome americano, como eu faço». E fiz três romances policiais num ano [com o pseudónimo de Dennis McShade]. </blockquote><p></p><p style="text-align: center;"><span style="color: #660000; font-size: large;">***</span></p><p>Isto os pseudónimos são como as cerejas, vêm todos agarrados uns aos outros. Lembrei-me de uma obra de Boris Vian, <i><a href="https://cdn.custojusto.pt/api/v1/adimgs/images/9973691491-boris-vian-irei-cuspir-vos-nos-tumulos.jpg?rule=play" target="_blank">Irei cuspir-vos nos túmulos</a></i>, cujo enredo pseudonímico, se se pode dizer assim, é mais complicado: Vian apresenta-se como tradutor da obra de Vernon Sullivan, um escritor afro-americano. Fui tentar averiguar a razão desta opção. Diz-me o artigo da <i>Wikipédia</i> sobre a obra que «os críticos divergem na sua apreciação da escolha de um pseudónimo». Um deles, porém, Michel Rybalka, acha que o fez por precisar de dinheiro. Quando me informo de como a obra surgiu, sou tentado a dar-lhe razão. A descrição que se segue, traduzida do artigo da <i>Wikipédia</i>, baseia-se n<a href="https://www.jstor.org/stable/40836941 " target="_blank">um trabalho sobre a obra publicado por Mounia Benalil em 2001</a>.</p><p></p><blockquote>No início do verão de 1946, Vian conheceu um jovem editor, Jean d'Halluin, que queria publicar obras de grande difusão para lançar as edições Le Scorpion, que acabara de criar – em particular imitações dos romances americanos que estavam na moda naquela altura. D'Halluin pediu a Vian [...] que lhe escrevesse um livro no estilo de <i>Trópico de Câncer</i> de Henry Miller, que era um grande êxito. O projeto foi então concebido pelo autor e pela editora como a «aposta de fabricar» um best-seller em duas semanas, ou seja, um romance que fosse ao mesmo tempo um sucesso comercial e um «exercício» na tradição do romance negro americano.</blockquote><p></p><p>Philippe Boggio, n<a href="https://media.s-bol.com/RoB5L5j8KLzY/729x1200.jpg" target="_blank">a sua biografia de Vian</a>, corrobora a ideia da perspetiva comercial: </p><p></p><blockquote>A ideia de <i>Irei cuspir-vos nos túmulos</i> nasceu em dez minutos no meio da rua. Michelle [Léglise, esposa de Vian] e Boris conversaram sobre o projeto. Boris não tinha ganho o prémio literário da Pléiade e estavam desesperadamente necessitados de dinheiro. Boris já não aguentava o trabalho de engenheiro. A publicação dos seus romances estava demorada e, de qualquer forma, poucas possibilidades tinham de virem a pagar as despesas quotidianas e o carro que Boris sonhava comprar.</blockquote><p></p><p>A moral da história é que os autores de policiais e afins, já sabem, têm de ter um nome inglês. Senão, não se vende. Vocês compravam um policial de um Vítor Santos? Claro que não. Mas se fosse um Victor Lindegaard? Ah, aí já eram capazes de comprar. Ou as coisas mudaram muito desde essa altura e agora são só os autores de fantasia que não podem ser mulheres?</p><p><br /></p>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-80689140153552995222024-01-12T01:24:00.000+02:002024-01-12T01:24:17.031+02:00 Uma aldeia no Cáucaso<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<br />
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaZH5F4N1CQWKkTRpoE8RX0Pw2P-CBpChtGLfvUW47yyIdT2FrhglXIlclTNynX2ji79tlnlDICSDwchyphenhyphenNi0NF76cAKkJdUdMKfcoj6Mr72hA5bLK6NUSzK6I3GQf8rMNBUCs0LAsk8as5JhTgUReS04m_GIkS0SEYaUyREhoNBsNRZ5uusb1j1UQjBHA/s2048/IMG_1078.JPG" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img alt="IMG_1078" border="0" data-original-height="1536" data-original-width="2048" height="480" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaZH5F4N1CQWKkTRpoE8RX0Pw2P-CBpChtGLfvUW47yyIdT2FrhglXIlclTNynX2ji79tlnlDICSDwchyphenhyphenNi0NF76cAKkJdUdMKfcoj6Mr72hA5bLK6NUSzK6I3GQf8rMNBUCs0LAsk8as5JhTgUReS04m_GIkS0SEYaUyREhoNBsNRZ5uusb1j1UQjBHA/w640-h480/IMG_1078.JPG" width="640" /></a>
</div>
Quando publiquei no Facebook umas quantas fotos da região do Samegrelo-Alto
Svaneti, na Geórgia, alguém comentou numa foto de Adishi: «Deram um saltinho a
San Gimignano?» Bom, nunca estive em
<a href="https://www.sangimignano.com/en/" target="_blank">San Gimignano</a>,
mas não creio que seja muito parecido com
<a href="https://georgia.travel/villages/adishi" target="_blank">Adishi</a>. O
que têm de semelhante é só serem ambas localidades muito antigas (<a href="https://en.wikipedia.org/wiki/San_Gimignano" target="_blank">San Gimignano</a>
um pouco mais antiga que
<a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Adishi_(village)" target="_blank">Adishi</a>) e terem ambas muitas torres.
<p>
Adishi é, infelizmente, uma aldeia que se está a desmoronar. Não tenho
fotografias que cheguem para documentar satisfatoriamente a minha afirmação,
pelo que terão de me acreditar sem evidências, se não é pedir-vos demais: mais
de metade das casas da aldeia de Adishi, estão em ruínas; a outra metade são
<i>guesthouses</i> para turistas a caminho de Ushguli. </p><p>É sempre triste ver uma aldeia
assim, não é? Lembro-me de aldeias cheias de ruínas em Portugal e em França — nas
Beiras, na Ardèche, na Lozère, na Drôme, em tanto lado —, desertas ou quase
desertas, habitadas só por alguns anciãos sem maneira de lá sair ou sem
energia já para o fazer. Terras sem perspetivas de futuro, onde ninguém quer
ficar. </p>
<p>
Em França, ouvi dizer várias vezes que as mulheres partem primeiro. François
Béranger tem até
<a href="https://youtu.be/ejfuFYZLhKM?si=7_qZpV8QnzDIscTb" target="_blank">uma canção</a>
sobre esse fenómeno do êxodo rural feminino no departamento da Drôme e
<a href="https://l-hit.com/fr/43900" target="_blank">sobre a tentativa falhada de importação de mulheres</a>. Ouvi muitas vezes o mesmo sobre zonas rurais do norte da Suécia.
Contavam-me que também lá os homens tentavam importar mulheres do estrangeiro. </p><p>São coisas que se dizem, mas será mesmo assim? Uma breve pesquisa na internet
mostra-me que, um pouco por toda a Europa, se tem observado um maior êxodo
rural de mulheres jovens, que se pode explicar sobretudo por terem, nas zonas
rurais, menos opções de emprego que os homens e por cada vez mais procurarem
um nível de educação a que nem sempre aí têm acesso. É claro, as coisas nem
sempre se passam exatamente assim em todas as regiões, mas parece haver alguma
justificação para o que se ouve dizer.
</p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqRmXNHoIKCG3z6oWGsfB30itVe0ku41dUerBk9eVxgO0vGmMGIT7MyI6NgwGsYMA_Kzuzf7u3zO6C6L_tU-RpqmlXH1sE4rwoM2gkQjylZYXYahllFb7LSdkTk0Rf7iwP9213v2zjbp11rmBZugkBKKkxzvB_vK3FYhv8L5WbQA34tHY8GC5893k2IX8/s2048/IMG_1077.jpg" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img alt="IMG_1077" border="0" data-original-height="1536" data-original-width="2048" height="480" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqRmXNHoIKCG3z6oWGsfB30itVe0ku41dUerBk9eVxgO0vGmMGIT7MyI6NgwGsYMA_Kzuzf7u3zO6C6L_tU-RpqmlXH1sE4rwoM2gkQjylZYXYahllFb7LSdkTk0Rf7iwP9213v2zjbp11rmBZugkBKKkxzvB_vK3FYhv8L5WbQA34tHY8GC5893k2IX8/w640-h480/IMG_1077.jpg" width="640" /></a>
</div>
Em Adishi, há o turismo, valha-lhe isso. Quando se chega à aldeia vindo de
Zhabeshi*, uma placa anuncia que há ali «Market, Taxi, Wi-Fi, Fast
Food».
<p>
A povoação deve ter uma quinzena de <i>guesthouses</i>, talvez mais. Ao que vimos
e ao que se pode ver nas avaliações nos sites agregadores de ofertas de
alojamento, a quase totalidade de <i>guesthouses</i> e pensões familiares, em
Adishi e nas zonas rurais da Geórgia em geral, são geridas por mulheres. Não
sei nada sobre as suas expetativas em termos de educação, mas o turismo
dá-lhes seguramente algum rendimento.
</p>
<p>
Quando é que, de meia em ruínas, a milenária Adishi passará a aldeia fantasma?
</p><p><br /></p>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjXjN_2U9ObJHprHcGwf6k1V95KnH0AqoJzhMyDbjeLcYcdLunbgzEfsjah-xLF1fZAcr_BXIzdsflpoLhADgmmduicsPMlADhHR0NI71R8x2yffkgIWrqty-09N4wOx4cmc59W0Am1jZRUxxgKAUhHwcT9seokH08mo5gI9foENxODC8ChskOVY9ZEdik/s4032/IMG_1080.JPG" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="IMG_1080" border="0" data-original-height="3024" data-original-width="4032" height="480" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjXjN_2U9ObJHprHcGwf6k1V95KnH0AqoJzhMyDbjeLcYcdLunbgzEfsjah-xLF1fZAcr_BXIzdsflpoLhADgmmduicsPMlADhHR0NI71R8x2yffkgIWrqty-09N4wOx4cmc59W0Am1jZRUxxgKAUhHwcT9seokH08mo5gI9foENxODC8ChskOVY9ZEdik/w400-h300/IMG_1080.JPG" width="640" /></a>
</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9elpGpb5yeTND9p3rg4xRJqLoRgwSHjeBgyQnHxL6vEfqm62lOzaLX4T40z6n_AVxhYwWH_VZU8DTNJK8SlZ7f8rI3qJv81dLb54_SskowvZdI1K5oK2FM98RO3DcTf5i3ReTb9KuhSFqkrSXXUH440ePSwrqEBIh59gAUSkK0FU8tBBAc9Z5KQs9gYs/s4032/IMG_1081.JPG" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="IMG_1081" border="0" data-original-height="3024" data-original-width="4032" height="480" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg9elpGpb5yeTND9p3rg4xRJqLoRgwSHjeBgyQnHxL6vEfqm62lOzaLX4T40z6n_AVxhYwWH_VZU8DTNJK8SlZ7f8rI3qJv81dLb54_SskowvZdI1K5oK2FM98RO3DcTf5i3ReTb9KuhSFqkrSXXUH440ePSwrqEBIh59gAUSkK0FU8tBBAc9Z5KQs9gYs/w640-h480/IMG_1081.JPG" width="640" /></a>
</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWoiXc5nLC_sA0aDGQdiXiIOqX_Z3Ktc12GXgnr24UMa7ZtnCYo7jqR8D-Qaflt4MKWuL0xy_9C_3lBUeIqROGoLO8FsS1TDQx8ECIlgNWLGLWM9EifPFeodQr7nVw8X8gLbOxiIlb2YSYXFPqoV_7wNB8X0kOjXEDzp5YNSA8yHPssl82iVJV-Vylnj0/s3920/IMG_1082.JPG" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="IMG_1082" border="0" data-original-height="2940" data-original-width="3920" height="480" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWoiXc5nLC_sA0aDGQdiXiIOqX_Z3Ktc12GXgnr24UMa7ZtnCYo7jqR8D-Qaflt4MKWuL0xy_9C_3lBUeIqROGoLO8FsS1TDQx8ECIlgNWLGLWM9EifPFeodQr7nVw8X8gLbOxiIlb2YSYXFPqoV_7wNB8X0kOjXEDzp5YNSA8yHPssl82iVJV-Vylnj0/w640-h480/IMG_1082.JPG" width="640" /></a>
</div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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<p><br /></p>
<p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>________________</p>
<p>
* Normalmente, é o segundo dia de
<a href="https://www.caucasus-trekking.com/treks/trek-mestia-to-ushguli" target="_blank">uma magnífica caminhada de quatro dias no Cáucaso</a>: cerca de 57 km de Mestia a Ushguli, pernoitando em Zhabeshi,
Adishi e Iprali. O ponto mais baixo da caminhada é a cerca de 1400 m de altitude e o mais
elevado a cerca de 2730 m. No total, sobem-se 3100 m e descem-se 2100.
Aconselha-se.</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZxHRgKxF-jung-ICJ4WtOoViadCvaWviYz-KDLoNw30rgObuNGfCd2El8eCKvTwqXEFIMWPZ6BUGhw73rRG2xnL1rWTWHy0OrL0GPGVc5mycVw4En3IYywUSi1Mbl2Jg9LtaaRhkuALRxbnTcWJ0RTyrD6BP_X91ixt_8a5FDyL5zCXCD_YAwoU920fo/s1100/IMG_E1060%20BLOGUE.jpg" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="429" data-original-width="1100" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgZxHRgKxF-jung-ICJ4WtOoViadCvaWviYz-KDLoNw30rgObuNGfCd2El8eCKvTwqXEFIMWPZ6BUGhw73rRG2xnL1rWTWHy0OrL0GPGVc5mycVw4En3IYywUSi1Mbl2Jg9LtaaRhkuALRxbnTcWJ0RTyrD6BP_X91ixt_8a5FDyL5zCXCD_YAwoU920fo/s16000/IMG_E1060%20BLOGUE.jpg" /></a></div><br /><p><br /></p><br /><p><br /></p>
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Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-57050769063045371242024-01-07T16:27:00.001+02:002024-01-07T16:42:32.714+02:00Canções que referem outras canções #4: “Keep it on a Burner” e “Lodi” <p> Em "Keep it on a Burner" (2023), Margo Cilker refere “Lodi”, dos Creedence Clearwater Revival: também ela ficou «outra vez encalhada em Lodi», como John Fogerty na sua famosa canção, de que há pelo menos 80 versões, algumas delas de nomes importantes da música popular. </p>
<p>A canção de Fogerty fala de um músico que vai parar a Lodi, na Califórnia, e por lá fica, sem dinheiro sequer para voltar a casa. Não se trata de nada efetivamente vivido por Fogerty, até porque ele diz que não conhecia a cidade quando escreveu a canção. </p>
<blockquote>
<p><span style="color: #660000;"> If I only had a dollar </span></p>
<p><span style="color: #660000;">For ev'ry song I've sung </span></p>
<p><span style="color: #660000;">Ev'ry time I've had to play </span></p>
<p><span style="color: #660000;">While people sat there drunk </span></p>
<p><span style="color: #660000;">You know, I'd catch the next train </span></p>
<p><span style="color: #660000;">Back to where I live </span></p>
<p><span style="color: #660000;">Oh Lord, I'm stuck in Lodi again</span></p>
</blockquote>
<p> <iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/YpozyJk-ttc?si=dyw_TqylI3ZuF2b_" title="YouTube video player" width="560"></iframe> </p>
<p>A canção de Margo Cilker é muito diferente. A letra da canção assenta nas anáforas «I’ve got» e «I got», duas formas verbais que muitas vezes não se distinguem na oralidade, porque se elide na fala o «’ve» de «I’ve got». «I’ve got» tem um sentido de «posse» (dito assim para simplificar), que corresponde normalmente a um «tenho» português: </p>
<blockquote>
<p><span style="color: #660000;">I've got people, I've got places, </span></p>
<p><span style="color: #660000;">I've got things, I've got friends </span></p>
<p><span style="color: #660000;">I've got something when there's nothing </span></p>
<p><span style="color: #660000;">Coming up from within </span></p>
<p><span style="color: #660000;">I've got postcards, I've got music, </span></p>
<p><span style="color: #660000;">I've got someone's hand to hold </span></p>
<p><span style="color: #660000;">I got whiskey, I've got brandy, </span></p>
<p><span style="color: #660000;">I've got use for this old soul </span></p>
</blockquote>
<p>E «I got» indica uma «mudança de estado» (dito assim para simplificar, mais uma vez), que corresponde normalmente a um «fui» ou «fiquei» em português: </p>
<blockquote>
<p><span style="color: #660000;">I got wasted, I got waylaid, </span></p>
<p><span style="color: #660000;">I got stuck in Lodi again</span></p>
</blockquote>
<p> <iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/sztwIUYf8vA?si=Pae2qHatEzuDLSov" title="YouTube video player" width="560"></iframe> </p>
<p>Se, ao contrário de Fogerty, Cilker encalhou mesmo em Lodi, é coisa que não sabemos, nem tem interesse nenhum... Seja como for, Lodi é capaz de não ser mau sítio onde encalhar. Não sei quase nada da terra, mas sei que é terra de vinho tinto, uma grande parte dele de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Zinfandel" target="_blank">uma cepa parece que originalmente croata que se chama Zinfandel nos EUA e Primitivo em Itália</a>. À vossa!</p>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-70357887678895265962024-01-06T17:43:00.000+02:002024-01-06T17:43:39.398+02:00Memes, escalas de temperatura e pormenores de tradução<p> Circula agora na internet a seguinte piada — ou meme, como agora se diz (traduzo eu do inglês): </p><p></p><blockquote>O astrónomo sueco Anders Celsius morreu em 1744 aos 42, mas o seu rival Fahrenheit insistia que ele tinha 107.</blockquote><p></p><p>Independentemente da graça que possa ou não ter, este meme desinforma um bocado, porque <a href="https://www.britannica.com/biography/Daniel-Gabriel-Fahrenheit" target="_blank">Daniel Gabriel Fahrenheit morreu a 16 de setembro de 1736</a>, quando <a href="https://www.britannica.com/biography/Anders-Celsius" target="_blank">Anders Celsius tinha 34 anos</a>, cerca de seis anos antes de inventar a escala centígrada de temperatura. </p><p>Aqui fica então uma versão corrigida do meme:</p><p></p><blockquote>Em 1742, quando soube que Fahrenheit falecera seis anos antes, aos 50, Celsius pensou que ele tinha morrido com apenas 10. «Pobre criança!»</blockquote><p></p><p>O problema é que, se o meme original ainda tinha alguma possibilidade de fazer sorrir o leitor, a versão corrigida não tem mesmo graça nenhuma…</p><p>[Uma dúvida que tenho em relação à tradução é se soa natural, em português, dizer a idade sem usar a palavra «anos». Mas escrever «anos» desfaz um bocado a brincadeira, não faz?] </p><div><br /></div>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-9165420580531701082023-12-29T16:39:00.000+02:002023-12-29T16:39:19.527+02:00Breve divagação à entrada em nova (?) fase da vida<p>Quando Alfred Sauvy cunhou a expressão Terceiro Mundo, usou <i>Tiers Monde</i> e não <i>Troisième Monde</i>, que seria a maneira normal de referir os países nessa altura ditos «subdesenvolvidos», se a ideia fosse apenas afirmar uma qualquer hierarquia dos mundos. Na mente de um falante do francês, o ordinal antigo <i>tiers</i> remete muito provavelmente para <i>Tiers État</i>, o Terceiro Estado do Antigo Regime (originalmente a burguesia, e, posteriormente, o povo em sentido lato), e essa referência é explícita na frase de Sauvy em que a expressão <i>Tiers Monde</i> aparece pela primeira vez – em <i>L'Observateur</i>, a 14.8.1952: «Porque, enfim, esse Terceiro Mundo ignorado, explorado, desprezado, como o Terceiro Estado, também quer ser algo»*. </p><p>Já a expressão <b>terceira idade</b>, essa, não tem nenhuma conotação de classe oprimida que há de fazer a revolução. Terceiro é, aqui, um ordinal simples: é a última das tradicionais três idades da vida (se bem que agora já se fale às vezes de quarta idade...). Para muito efeitos práticos, como, por exemplo, organização de dados estatísticos, ofertas de vacinas e rastreio de certas doenças, ou descontos em transportes, museus, etc., em muitos países a terceira idade começa oficialmente aos 65 anos. </p><p>A entrada na terceira idade pode também ser benéfica para a saúde. Isto depende um bocado de como se organizam os valores normais em cada país, é claro, mas, nalguns países, uma pressão arterial de 145/92, por exemplo, que, aos 64 anos estaria «um bocadinho alta», aos 65 passa a «normal para a sua idade, não se preocupe»; ou um IMC de 27, que aos 64 anos era «um pouco elevado», aos 65 já é perfeitamente normal.</p><p>De maneira que é assim.</p><p>________________</p><p>* Há aqui também uma referência à célebre afirmação de Emmanuel-Joseph Sieyès em 1789: </p><p></p><blockquote><p>O que é o Terceiro Estado? Tudo.<br>O que tem sido até agora na ordem política? Nada.<br>O que exige? Ser algo.</p></blockquote><p> </p><p></p>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-44166750984370715192023-12-27T23:30:00.001+02:002023-12-27T23:32:03.209+02:00Canções que referem outras canções #3: “Stereoscope” e “Lady with a braid”<p><br /></p><p>Em "Stereoscope" (2023), Lucy Kruger (& The Lost Boys) refere a canção "Lady with the braid" (1971) de Dory Previn de uma maneira muito original: encaixa um verso da canção de Previn na sua canção, melodia e tudo (quando o resto da melodia é muito diferente da canção de Previn), mas muda os versos "Would you mind if I leave on the light? / Would you mind if it isn't too bright?" para "Do you mind if I leave on the light / Do you mind THE THEFT OF A LINE?", ou seja, atribui abusivamente à sua própria referência o caráter de plágio. Um piscar de olho com um sorriso brincalhão.</p><p>Evidentemente, isto funciona apenas para quem, como eu, conheça a canção de Previn, mas é o mesmo com todas as referências: quem não conhecer as obras referidas não dá por elas. Disse noutro texto desta série que uma referência a outra obra é sempre uma espécie de manifesto, o dar conta de uma linhagem artística, mas é também uma forma de criar alguma intimidade ou cumplicidade com um subgrupo dos ouvintes ou espetadores, aqueles que conhecem a obra referida. </p><p>A canção de Dory Previn que Lucy Kruger refere é mais do que apenas uma bonita canção, é uma grande, grande canção. Vale mesmo a pena ouvi-la com a atenção, <a href="https://genius.com/Dory-previn-the-lady-with-the-braid-lyrics" target="_blank">seguindo a letra</a>. <a href="https://www.theguardian.com/music/2012/feb/08/dory-previn-lady-braid" target="_blank">Como diz Amy Fleming, é uma canção tão triste, mas tão boa</a>. Dory Previn, <a href="https://llindegaard.blogspot.com/2011/10/dory-previn-vida-em-cancoes-recuperado.html " target="_blank">de quem já aqui falei</a>, não é talvez uma cantautora muito conhecida, mas é uma cantautora de culto e Lucy Kruger é provavelmente uma das suas cultoras. </p><p>Em muitas canções de Dory Previn é o seu caráter confessional, às vezes extremo, que lhes dá uma intensidade fora de vulgar. Nesta canção, não sabemos — e não importa — o que há de confessional, se há alguma coisa confessional. Mas podia haver. A emoção é palpável e tem um caráter quase patético. A conversa banal vem-se meter pelo meio da súplica amorosa, e tudo é nervosismo, hesitação, desespero. </p><p><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/Lhk0uKRIg5g?si=YprENd1uY_IKqaNY" title="YouTube video player" width="560"></iframe></p><p><a href="https://www.discogs.com/artist/5518986-Lucy-Kruger?superFilter=Credits" target="_blank">Lucy Kruger vem da cena neopsicadélica de Cape Town</a>, que produziu muitas coisas interessantes. Agora vive em Berlim e começa a afastar-se cada vez mais do som das suas primeiras bandas. Não há maneira de saber se as canções de Lucy Kruger são também confessionais. Às vezes, há pequenos indícios de que bem o podiam ser, mas, para saber se é mesmo assim, falta-nos uma chave que ele não nos quer dar: o seu universo lírico é mais fechado, mais difuso, mais saltitante, mais colagem, muito diferente da contundente literalidade de Dory Previn.</p><p><span style="color: #660000;"></span></p><blockquote><p><span style="color: #660000;">«Your blue eyes</span></p><p><span style="color: #660000;">Pressed against the portal</span></p><p><span style="color: #660000;">Past present</span></p><p><span style="color: #660000;">Dim dazzling</span></p><p><span style="color: #660000;">Do you mind if I leave on the light</span></p><p><span style="color: #660000;">Do you mind the theft of a line</span></p><p><span style="color: #660000;">My my my my morning</span></p><p><span style="color: #660000;">My my my my mourning</span></p><p><span style="color: #660000;"><br /></span></p><p><span style="color: #660000;">Weight in my hands</span></p><p><span style="color: #660000;">To stop me from the calling</span></p><p><span style="color: #660000;">Tick tock full stop</span></p><p><span style="color: #660000;">Words of wonder</span></p><p><span style="color: #660000;">Words to right</span></p><p><span style="color: #660000;">Words of royal beauty bright</span></p><p><span style="color: #660000;">Write write write write</span></p><p><span style="color: #660000;">Right right right right right» </span></p></blockquote><div><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/YUy7K00BGX4?si=QaDCRXFT5VRriWW6" title="YouTube video player" width="560"></iframe></div>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-70092486320574844472023-12-26T17:15:00.002+02:002023-12-26T17:16:47.969+02:00 De revisão de narrativas e cantigas, e de indignação<p><br></p>
<p>Há muita gente que se indigna agora com a prática de revisão e atualização de textos, com a alteração de meia dúzia de palavras em meia dúzia de obras, porque os editores querem «modernizar» algumas obras ou adaptá-las ao que creem que o público-alvo considera aceitável. Tenho notado a falta, nesta discussão, de uma definição clara de que alterações a um texto são permissíveis, de quem tem o direito de as fazer, em que condições e para que fins. Talvez alguns achem que, na pequena digressão informal que se segue, se misturam coisas diferentes. Mas as questões primeiras são as mesmas em todos os casos: um produto artístico de autor identificado é alterado — é legítimo alterá-lo? Independentemente da resposta que tenhamos para cada uma destas questões, é sensato assentar que a questão é mais complexa do que nos querem fazer crer as exclamações simples de indignação. </p>
<p>Também tenho reparado que, ao exprimir a sua indignação com estas revisões, há quem alargue de forma surpreendente o conceito de censura. De facto, para que a alteração de algumas palavras num texto, a supressão de pedaços de texto ou a reescrita de um texto sejam de facto censura é preciso que o que é eliminado, de forma mais ou menos direta, ponha em causa quem tem o poder decisório sobre a sua publicação ou inclua informação que possa contribuir para pôr em causa esse poder — o que não é obviamente o caso dos casos que têm causado tanta indignação. </p>
<p>E por fim, surpreende-me que esta indignação surja agora, porque, ao contrário do que alguns parecem crer, trata-se de uma prática que já existia muito antes de Georgia Anne Muldrow compor e cantar «<a href="https://youtu.be/Dieo6bp4zQw?si=szeN5ggZR7DVvcG4" target="_blank">I stay woke!</a>» em «Master teacher» de Eryka Badu em 2007. Provavelmente, sempre existiu, e ainda antes de haver livros impressos... </p>
<p>Mas isso eram outros tempos, dirão, e outras maneiras de conceber a autoria e o respeito de uma obra. Não vamos longe demais no tempo. E também não é preciso. Dou-vos só um exemplo famoso: Em 1808, Thomas Bowdler, primeiro em conjunto com a sua irmã Henrietta e depois sozinho, publicou <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/The_Family_Shakespeare" target="_blank">uma versão «para a família» de várias peças de Shakespeare</a> «em que nada é acrescentado ao original, mas se omitem palavras e expressões que não podem com propriedade ser lidas em voz alta numa família». Censura será, segundo alguns, mas a intenção de Bowdler não era com certeza fazer desaparecer as peças de Shakespeare, mas antes divulgá-las, duma forma aceitável para certas pessoas. E ganhar com isso algum dinheiro também? </p>
<p>E isto é muito importante, provavelmente o mais importante. A pretensa pressão das supostas elites <i>woke</i> interessa pouco às editoras, o que lhes interessa são os números de vendas, e, por isso, as criticadas alterações fazem-se em obras que se teme que, em versões mais antigas, deixem de se vender. Nalguns casos, é de muito dinheiro que se trata. </p>
<p>Tanto um autor como um editor têm sempre um leitor em mente, mas não é sempre o mesmo para os dois — nem para uma determinada obra, nem para as diferentes edições dessa obra. Quando se trata de edições sobre as quais o autor não tem controlo nenhum, porque já morreu, porque são em línguas e contextos distantes ou porque simplesmente as desconhece, são só o editor e/ou os detentores dos direitos do autor que decidem da edição. Decidem muitas vezes de formas que nos podem parecer muito estranhas e, insisto, não há nada de novo nisto. </p>
<p>Quando li pela primeira vez <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Eg%C3%ADpcio" target="_blank"><i>Sinuhe, o Egípcio</i>, de Mika Waltari</a>, numa edição inglesa, dei-me conta de que a edição portuguesa que eu conhecia (Bertrand, 1961, com tradução de Bruno da Ponte) era uma versão truncada — faltava um bocado do texto, simplesmente. Soube depois que era prática corrente, nessa época. As editoras encarregavam a editores de texto ou mesmo aos tradutores um determinado número de páginas, de maneira que havia que desbastar as obras para se manter dentro desse limite. Evidentemente, a palavra censura aplica-se aqui mal, já que não há nada específico que se queira cortar, mas o motivo do corte é sempre o mesmo: económico. E não é um desrespeito menor da obra original, pois não? Sobretudo, se não se mencionar claramente, como não se mencionava, que se tratava de uma versão «resumida» (que de facto também não era, pelo menos no sentido mais clássico da palavra). </p>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;">
<tbody>
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<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhR-WuYjr6jG4EPbLPr0kky3kAqiW8YjfAaOaG8OhjiU7GoLOrJBFQZh3urDm0Z8FNn_4J3dZySZWBPQSOXieFwyEIJ5aIjF0ruqG5b8jBpB1IYecyw3dqgFxnHQn39WtcBodzBs9Dcz2sxFTYjRmuStpQD6BehHQZcxzrh4btHSqmPhLsX60o0e-nzR0o/s1076/Benito_Albi_Bachini._Illustrazione_per_l'edizione_del_1944_(Libreria_editrice_Paci__La_Tifernate_)._Pinocchio_impiccato_alla_quercia_grande.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" data-original-height="1076" data-original-width="731" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhR-WuYjr6jG4EPbLPr0kky3kAqiW8YjfAaOaG8OhjiU7GoLOrJBFQZh3urDm0Z8FNn_4J3dZySZWBPQSOXieFwyEIJ5aIjF0ruqG5b8jBpB1IYecyw3dqgFxnHQn39WtcBodzBs9Dcz2sxFTYjRmuStpQD6BehHQZcxzrh4btHSqmPhLsX60o0e-nzR0o/w271-h400/Benito_Albi_Bachini._Illustrazione_per_l'edizione_del_1944_(Libreria_editrice_Paci__La_Tifernate_)._Pinocchio_impiccato_alla_quercia_grande.jpg" width="271" alt="Benito_Albi_Bachini"></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">
Benito Albi Bachini, ilustração para um edição<br>
de Pinóquio de 1944. Wikimedia Commons, <a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Benito_Albi_Bachini._Illustrazione_per_l%27edizione_del_1944_%28Libreria_editrice_Paci_%22La_Tifernate%22%29._Pinocchio_impiccato_alla_quercia_grande.jpg" target="_blank">daqui</a>.
</td>
</tr>
</tbody>
</table>Já agora, a já muito antiga prática de resumir obras (sem autorização dos autores, ademais) é aceitável ou deve ser vista também como uma grave adulteração da obra? Só já muito adulto é que descobri que a cegonha do início do conto do patinho feio de H. C. Andersen «falava egípcio, porque tinha sido essa a língua que a sua mãe lhe tinha ensinado». Também descobri, por essa mesma altura, que se discute se os contos de H. C. Andersen são de facto para crianças, uma coisa que passa com certeza despercebida a quem, como eu em criança, nunca tenha lido senão versões para crianças, precisamente, que não seguem de muito perto — às vezes nem de longe — o texto original.
<p>E não é só H. C. Andersen. Nunca li as versões mais antigas de outras narrativas infantis clássicas, como <i>Peter Pan</i> de J. M. Barrie ou <i>Pinocchio</i> de Carlo Collodi (em que Pinóquio é enforcado no fim), mas sei que há — e já há muito tempo — quem considere, nas suas versões originais, estas histórias são impróprios para crianças. E houve então de as mudar, de as limpar de crueldade várias. A ideia é a mesma de hoje, note-se: ajustá-los ao que se considera aceitável para o/pelo público alvo. Seja por razões ideológicas ou por razões económicas, abundam versões adaptadas dessas narrativas, sem nenhuma indicação de serem versões trabalhadas e reduzidas. Não me lembro de ter ouvido alguém protestar contra esse «desrespeito»… Sei também que as tão discutidas alterações às obras de Enid Blyton para as adaptar ao «espírito dos tempos» <a href="https://www.enidblytonsociety.co.uk/forums/viewtopic.php?t=8656" target="_blank">começaram já nos anos sessenta e setent</a>a. O que há de novo no fenómeno é, pelos vistos, a indignação. </p>
<p><br></p>
<p><br></p>
<p style="text-align: center;"><span style="color: #660000; font-size: x-large;">***</span></p>
<p><br></p>
<p>Mudemos agora de objeto artístico. É parte mais original deste texto, porque, quando se discutem as alterações de textos literários, nunca vi discutirem-se canções<i> </i>— e não é, seguramente, porque os textos das canções não se vão alterando de edição para edição. Aliás, se compararmos as alterações que vão sendo feitas aos textos de canções com as que se fazem a contos ou romances, são com certeza muito mais. É, aliás, a alteração desses textos que resulta nas dezenas de versões que há de canções «populares» ou «tradicionais», que é como quem diz, de autor original tão desconhecido como os alteradores do seu texto. Talvez se tome isso como um efeito lateral da transmissão oral e, portanto, aceitável. Não sei. Mas sei que há também canções propositadamente alteradas para as livrar de conteúdo considerado indesejável — ou para reagir a esse conteúdo. E aqui, curiosamente, parece ser mesmo só isso e não a procura de lucro. Não conheço nenhum caso em que essas alterações resultem da iniciativa das editoras discográficas para continuar a vender canções que doutra forma as pessoas já não quereriam ouvir. Talvez os haja, não sei, simplesmente não os conheço. Aliás, na realidade, não conheço muitos casos de canções atualizadas para esse fim. Mas as que eu conheço são mesmo casos <i>avant la lettre</i> do que alguns hoje chamariam <i>wokismo</i> — e ainda bem que o são. </p>
<table cellpadding="0" cellspacing="5" class="tr-caption-container" style="float: right;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDTX8E7Kff68rKIcIRtuBe3BcOcLHVk9CUxdQTjlrY4b6n0m1X-MAC6xxK1O6a_hxasMOl3bxvCexu3TheTmdBSoHhIDL5hRJZo5bdYPOa4z9xX4MSzAKV3GKdJylmcI1e90yAmw_C6u2GgMIWcrQ3pVaIKToHqIWk_kQGq83l8CUmoi7AyqFZtgzAZzk/s943/MIssissipi%201905.jpg" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="MIssissipi%201905" border="0" data-original-height="726" data-original-width="943" height="492" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDTX8E7Kff68rKIcIRtuBe3BcOcLHVk9CUxdQTjlrY4b6n0m1X-MAC6xxK1O6a_hxasMOl3bxvCexu3TheTmdBSoHhIDL5hRJZo5bdYPOa4z9xX4MSzAKV3GKdJylmcI1e90yAmw_C6u2GgMIWcrQ3pVaIKToHqIWk_kQGq83l8CUmoi7AyqFZtgzAZzk/w640-h492/MIssissipi%201905.jpg" width="640"></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">
Afro-americanos carregando um barco em Vicksburg, Mississippi. <br>
Detroit Publishing Co., sem direitos de autor. Fotógrafo desconhecido, 1906, <a href="https://www.loc.gov/item/2017658696/" target="_blank">daqui</a>.
</td>
</tr>
</tbody>
</table>
<p>Um caso conhecido é o de “Ol’ Man River”, uma das canções da peça de teatro musical <i>Show Boat</i> (1927), com música de Jerome Kern e letra de Oscar Hammerstein II, baseada num romance de Edna Ferber. Uma interpretação famosa da canção, se não mesmo a mais famosa, é a de <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Robeson" target="_blank">Paul Robeson</a>, na adaptação cinematográfica do musical realizada por James Whale em 1936. Na versão do filme, a letra original de Oscar Hammerstein II de 1927 já tinha sido modificada (não sei se por Robeson): Em vez de «<i>Niggers all work on de Mississippi</i> / <i>Niggers all work while de white folks play</i>» <a href="https://welcome93.tripod.com/id488.htm" target="_blank">da versão original</a>, Paul Robeson canta «<i>DARKIES all work on the Mississippi</i> / <i>DARKIES all work while the white folks play</i>». Em versões posteriores da canção, porém, Robeson usa uma pronúncia mais standard e faz as seguintes alterações na letra: «<i>Dere’s an ol’ man called de Mississippi,</i> / <i>Dat’s de ol’ man that I’d like to be...</i>», passa a «<i>There’s an ol’ man called the Mississippi,</i> / <i>That’s the ol’ man I DON’T LIKE to be...</i>»; «<i>Tote that barge!</i> / <i>Lift that bale!</i> / <i>Git a little drunk, / An’ you land in jail...</i>» passa a «<i>Tote that barge and lift that bale!</i>/ <i>YOU SHOW A LITTLE GRIT </i>/ <i>And you lands in jail…</i>», e, alteração mais famosa, a expressão de resignação em «<i>Ah gits weary</i> / <i>An’ sick of tryin’;</i> / <i>Ah’m tired of livin’</i> / <i>An skeered of dyin’,</i> / <i>But Ol’ Man River,</i> / <i>He jes’ keeps rollin’ along!</i>» passa a apelo à ação: «<i>BUT I KEEPS LAFFIN’/ INSTEAD OF CRYIN’ / I MUST KEEP FIGHTIN’ / UNTIL I’M DYIN’,</i> / <i>And Ol’ Man River,</i> / <i>He’ll just keep rollin’ along!</i>». É aceitável, isto, ou é censura <i>woke</i> ao texto de Hammerstein? Tem um negro direito a modificar a imagem dos negros que o autor transmite na letra? </p>
<p>Só mais um exemplo. É difícil saber se foi mesmo Billy Roberts que compôs a famosa canção “<a href="https://youtu.be/PziiNzFWZog?si=Hyom364HF1cU0DnI" target="_blank">Hey Joe</a>” , mas foi ele que a registou como sendo da sua autoria em 1962. Para todos os efeitos práticos, é ele o autor. O site <i>Second Hand Songs</i> regista 440 versões gravadas da canção. A mais famosa é muito provavelmente <a href="https://youtu.be/rXwMrBb2x1Q?si=0FyY6Hwf4NWnMGrq" target="_blank">a de Jimi Hendrix</a> (1966). <a href="https://www.goldradiouk.com/features/song-facts/hey-joe-jimi-hendrix-facts-meaning-lyrics/" target="_blank">A letra da canção</a> pode facilmente ser lida como extraordinariamente misógina, já que o acontecimento central do diálogo que a constitui, o assassinato de uma mulher por infidelidade ao protagonista, não é explicitamente condenado, nem nada na canção dá uma imagem claramente negativa do assassino, como se a infidelidade justificasse de facto o crime. </p>
<p>Quando a canção foi feita, não se reparava nestas coisas. Mas fui tentar descobrir como é que, com o passar do tempo, os muitos artistas que fizeram versões da canção lidaram com esta óbvia possibilidade de leitura. <a href="https://youtu.be/nkNxwN27hd0?si=7HX5JhvQInO97xjZ" target="_blank">A primeira versão de “Hey Joe” por uma mulher é de Cher</a>, logo em 1967 — e ela não muda nada à letra original. Em 2019, <a href="https://youtu.be/og3C65pcF88?si=mTvEK0t1qQGIh0Oz" target="_blank">Carolyn Gaines faz uma versão inversa em termos de género</a> (Joe é uma mulher), mas a letra mantém-se inalterada. </p>
<p>Mathilde Santing já tinha feito, em 1994, uma versão de voz feminina da canção, chamada “<a href="https://youtu.be/BdSBo3w8pII?si=8T0o6AYshHJ-v8Sq" target="_blank">Hey Joan</a>”. Santing, porém, <a href="https://genius.com/Mathilde-santing-hey-joan-lyrics" target="_blank">altera consideravelmente a letra</a>: se Joan leva com ela uma arma é porque já não aguenta a violência quotidiana do seu homem. O crime tem agora uma justificação: a legítima defesa (<i>Yes I did, I shot him, he's been takin' it out on me long enough now</i> / <i>I put a hole in his heart so I can breathe and live to see another day</i>). Ao contrário do Joe da canção original, Joan não vai fugir para o México nem para lado nenhum: ela vai ficar, porque agora é finalmente livre, porque se livrou enfim do seu pesadelo. Apologia da resistência armada à violência de género? A mim, parece-me mais um relato dramático do desespero das vítimas de violência. Pode-se fazer isto a uma canção, mudar-lhe a letra desta maneira? </p>
<p><br></p>
<p>_____________________</p>
<p>[Dois apartes sobre “Hey Joe”: <a href="https://youtu.be/HH9KozepiFU?si=v714YZpL-6uEAEHT" target="_blank">Patti Smith tem também uma versão de “Hey Joe</a>” (1974), que foi, aliás, o seu primeiro single. <a href="https://songmeanings.com/songs/view/3530822107858767009/" target="_blank">Smith transforma de tal a canção</a>, colando-a à <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Patty_Hearst" target="_blank">história de Patty Hearst</a>, do seu rapto pelo Exército Simbiótico de Libertação e da adesão de Hearst ao grupo que a raptara, que não faz sentido analisá-la neste contexto de reescrita do original. Da mesma forma, não faz sentido falar aqui de outras adaptações que se afastam totalmente da temática original, como <a href="https://youtu.be/fT-t0p79YTY?si=dWTCRK_dn7Ijm6s2" target="_blank">“Hey Brother”, de Billy Preston</a> ou <a href="https://youtu.be/KoVpJDZPvms?si=uayDmxsarwgpCc3M" target="_blank">“Flower Punk”, de Frank Zappa</a>. </p>
<p>Finalmente, uma ideia engraçada que me veio à cabeça: se a música de “Hey Joe” foi de facto copiada por Billy Roberts da canção <a href="https://youtu.be/BEK2EDqxpcY?si=00b-uq9DysRJGDtc" target="_blank">“Baby Don't Go to Town”, de Niela Miller</a>, sua namorada da altura (e ela diz que foi), não se pode então estabelecer uma relação direta entre as duas canções, ou melhor, entre o feminicida Joe da canção de Billy e a personagem feminina da canção de Niela, que diz que vai sair, para ir a um bar onde se vai fartar de beber cerveja, uísque e gin, que vai ficar a olhar para os rapazes que por ali param e vai conversar com eles toda a noite e lhes vai dizer que o homem dela a trata mal?] </p>
<p><br></p>
<p><br></p>
<p><br></p>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-23810845632313130682023-12-25T18:06:00.000+02:002023-12-25T18:06:16.371+02:00 Um Natal amazónico<p><br /></p>
<table cellpadding="3" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right;">
<tbody>
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<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqikOSkRC1hEVKiEMLP-qyaAfh9vxG0aa2HpPkyBjBflmrB1cDCfFuKuCqxOo26ndIRSU2JWiD5itPTJmMFCWJbJde796a3iV3g9uD5IjqvGGjsY6OZMATuM6gv_pkVWoUmUd_WnGNlWR2CjDqgFMEp7mQw5rresqxa9eu3IZo9f6ckl2EavhX-nOOssk/s2750/Jungle%2006.jpg" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="Jungle%2006" border="0" data-original-height="1356" data-original-width="2750" height="316" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqikOSkRC1hEVKiEMLP-qyaAfh9vxG0aa2HpPkyBjBflmrB1cDCfFuKuCqxOo26ndIRSU2JWiD5itPTJmMFCWJbJde796a3iV3g9uD5IjqvGGjsY6OZMATuM6gv_pkVWoUmUd_WnGNlWR2CjDqgFMEp7mQw5rresqxa9eu3IZo9f6ckl2EavhX-nOOssk/w640-h316/Jungle%2006.jpg" width="640" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">O Beni. Dizem que a parte boliviana da Amazónia é das mais bem preservadas, mas não sei se é verdade.</td>
</tr>
</tbody>
</table><i>[Do que me fui ontem lembrar!... Um texto de abril de 2001, agora revisto e aumentado, em que descrevo muito sucintamente uma pequena aventura passada quatro meses antes e que se prolongou dois meses (acho que se pode dizer assim...). Vivia nessa altura em Camargo, no sul da Bolívia.] </i>
<p><br />
Fomos passar as férias de Natal a uma vilazinha chamada Rurrenabaque, a cerca de uma hora de avião de La Paz. A vila tem uma situação privilegiada, à beira de um dos maiores rios da região, o Beni, e ali mesmo onde acabam os Andes e começa a mata amazónica. </p>
<p>Como não podia deixar de ser, fomos fazer uma pequena excursão pela selva. É o chamado turismo de aventura: mochilas, catanas, latas de conserva e um guia, e seja o que Deus quiser. Uma lancha leva-nos até à entrada da selva, andamos por ali dois dias, depois fazemos uma jangada e descemos um rio mais dois dias, e, ao quinto dia, vem a lancha buscar-nos outra vez. Não vos vou contar agora aqui a história toda, mas apenas as curiosidades: </p>
<table cellpadding="3" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right;">
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<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjbDphTK8R7FwuTdoje42RnmFG2rVCSPY9Yg7A1KbekqP4kl76h_8-MpAQ4a3NFmirDbHQd62GLEOGhBIzNXuAfyP6hanMKT3ZF9Q1yDqGtLTthzdCO5BS21_XLT1wNG6vt_wTiwID2Z8rrpK6Kq3daxPh4qeQ4tRKeiN4l6QrJHEclpMKGn0LkcvsL7p8/s7015/Jungle%2005.jpg" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="Jungle%2005" border="0" data-original-height="7015" data-original-width="4960" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjbDphTK8R7FwuTdoje42RnmFG2rVCSPY9Yg7A1KbekqP4kl76h_8-MpAQ4a3NFmirDbHQd62GLEOGhBIzNXuAfyP6hanMKT3ZF9Q1yDqGtLTthzdCO5BS21_XLT1wNG6vt_wTiwID2Z8rrpK6Kq3daxPh4qeQ4tRKeiN4l6QrJHEclpMKGn0LkcvsL7p8/w452-h640/Jungle%2005.jpg" width="452" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">A mata amazónica: uma colagem de fotos</td>
</tr>
</tbody>
</table>Passámos a noite de Natal no meio da selva. Árvores de Natal, ena!, eram às centenas, aos milhares, aos milhões, eu sei lá!... A ceia de Natal consistiu numa mistura de várias latas de conservas – uma mixórdia, mas ainda assim não no pior sentido do termo, valha-nos o menino Jesus! –, com arrozinho de tacho a acompanhar! Ah, mas tivemos direito a macedónia de fruta (de conserva...) para a sobremesa, por ser Natal! Foi pena que a consoada tivesse sido curta, mas o facto é que já não aguentávamos os insetos, que eram tantos como as árvores de Natal, e por essas oito e meia da noite já estávamos metidos debaixo dos mosquiteiros, a ver se conseguíamos dormir.
<p>Dizem que cada Natal é um milagre, seja na selva ou no aconchego do lar, e este não foi exceção – os macacos uivadores entoavam a várias vozes o Green Christmas do King Brosby, se não com a mesma sensualidade, pelo menos com a mesma devoção; e, lá ao longe, jaguares, tapires e porcos do mato tinham-se juntado para, num concerto único, nos oferecerem a sua versão do célebre hino natalício Jungle Bells! E nem um pinguinha de rum para beber... </p>
<p>No meio da selva, tive uma revelação. Muitas vezes me tinha perguntado a mim próprio porque é que haveria, à chegada dos Europeus, muito mais gente nas terras altas do que nas zonas tropicais da América Latina, sobretudo quando a vida nas terras alta é tão difícil. Descobri nessa altura. É por causa dos malvados dos bichos! Não pensem que chamar à selva «o inferno verde» é alguma imagem literária. Nada, é tão literal que faz confusão. Confusão, comichão, dores, tudo! São milhares de insetos em cima de uma pessoa de manhã à noite – moscas, mosquitos, moscardos, abelhas, vespas abelhudas, formiguinhas, formigas encarnadas, formigas gigantes, ai!!! </p>
<p>E o <i>marigüí</i>. O <i>marigüí</i>, pica aqui e pica ali, é uma espécie de vampiro em miniatura da família dos mosquitos. Quando o minúsculo safado morde, não se sente nada. Só se vê um ponto de sangue, mas não se sente nada. Nem passadas umas horas, nem passado um dia. Ao segundo dia, começa a comichão. As picadas são tantas dezenas que o veneno é mais do que o corpo aguenta sem refilar: as mãos incham, as pernas incham, começam a aparecer manchas vermelhas aqui e ali. Por curiosidade, a Karen contou, ao sairmos da selva, as picadas só da minha mão direita: 147! </p>
<table align="center" cellpadding="3" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZfuuLX7cJL3BvJ1cXdKOZ9jJDrGhAf0g8CgRZ3XLuGEazJVAYCoi0QBRep7wqCUvEn2BtcqTwM-A7i7tf0PjKmNfxsV2GmUTqd3RO5VmX7RVWmerzuQRwGOiarW8t02AwxBBzW5yT7lDl-MnIjYBGhEyT6zteV_rdY3DcLHbJ4BDXALownlEAJzx7RJ4/s1030/Jungle%2004%20BLOG.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="Jungle%2004%20BLOG" border="0" data-original-height="566" data-original-width="1030" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZfuuLX7cJL3BvJ1cXdKOZ9jJDrGhAf0g8CgRZ3XLuGEazJVAYCoi0QBRep7wqCUvEn2BtcqTwM-A7i7tf0PjKmNfxsV2GmUTqd3RO5VmX7RVWmerzuQRwGOiarW8t02AwxBBzW5yT7lDl-MnIjYBGhEyT6zteV_rdY3DcLHbJ4BDXALownlEAJzx7RJ4/s16000/Jungle%2004%20BLOG.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">
À esquerda, a Karen e o nosso guia. Na imagem seguinte, eu e um pacu que pescámos e que nos soube muito bem. O pacu é um peixe estranho, porque <a href="https://static.independent.co.uk/s3fs-public/thumbnails/image/2013/09/04/13/Scary-Animal-Mouths-Pacu-Fi.jpg" target="_blank">tem dentes de pessoa</a>. À direita, picadas e inchaços.
</td>
</tr>
</tbody>
</table>Trouxemos dois <i>recuerdos</i> da mata amazónica. Nem macacos, nem araras, nada disso: <i>puchichis</i>. <i>Puchichi</i> significa apenas «furúnculo», mas era assim que os colegas da Karen chamavam às larvas que trazíamos no corpo. Eram muito provavelmente larvas de <i>Dermatobia hominis</i>, um tipo de mosca que se entretém a pôr ovos nas pessoas. Dos ovos, é claro, saem párvulas lárvulas, a quem, de acordo com as kafkianas leis da metamorfose, não resta senão transformarem-se outra vez em moscas. As nossas alarves larvas não chegaram à última fase, mas ainda nos moeram bastante o juízo durante dois mesitos.
<table cellpadding="4" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjduwEVIz5SmeP6W2CKDKZiLMixGcVtLl4EkJsPI_6RFksAv90NtzdgaDYE50u6B3XTRrulYxPd-LUFjpJNKOKVUHgcCJMK0ihx1Mtjz1nF2qpOG1C3QpXYYWZ4m697i3ciK7ZVBm2oxStMJSCF_NRUmFPVY-n5-NoZnAAYGIbgIqSVPjJTSTH1F24__9w/s2467/Jungle%2002.jpg" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="Jungle%2002" border="0" data-original-height="1741" data-original-width="2467" height="283" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjduwEVIz5SmeP6W2CKDKZiLMixGcVtLl4EkJsPI_6RFksAv90NtzdgaDYE50u6B3XTRrulYxPd-LUFjpJNKOKVUHgcCJMK0ihx1Mtjz1nF2qpOG1C3QpXYYWZ4m697i3ciK7ZVBm2oxStMJSCF_NRUmFPVY-n5-NoZnAAYGIbgIqSVPjJTSTH1F24__9w/w400-h283/Jungle%2002.jpg" width="400" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">A larva que estava nas costas da Karen</td>
</tr>
</tbody>
</table>Eu tinha o meu bicho no dedo pequenino do pé direito, e a Karen o dela nas costas, do lado direito, à altura da omoplata. O meu saiu primeiro, a 11 de Fevereiro, morto e pequenino, depois de inúmeros banhos de pés com água muito quente e muito sabão. Teria um centímetro, se tanto, e parecia um bicho da fruta.
<p>O da Karen foi mais difícil. Todas as noites, antes de nos deitarmos, eu via-o vir espreitar cá fora, mas nunca o consegui agarrar. Tentava com uma pinça, mas nada, era mais rápido que eu. Era grande e forte, o velhaco. Fizemos então como nos aconselharam os colegas da Karen que tinham vivido na parte tropical da Bolívia e conheciam o parasita. Pusemos beatas de cigarros num bocadinho de água e, com um algodão, deitámos daquela água com nicotina para dentro do buraco do parasita. Deve ter ficado entorpecido, porque depois foi fácil apanhá-lo com a pinça. Tinha cerca de três centímetros de comprimento por meio centímetro de espessura – uma coisa bastante repulsiva!... </p>
<p>O que é interessante é que as feridas fecham imediatamente depois de o bicho sair – no dia seguinte, já não estava lá nada. Pensámos que o parasita deve ter algum tipo de desinfetante que vai limpando a carne onde está alojado, porque não deve querer viver no meio de uma ferida infetada…<br />
<br />
<span style="color: #660000;">P.S.: As entradas <i>Dermatobia hominis </i> da Wikipédia <a href="https://es.wikipedia.org/wiki/Dermatobia_hominis" target="_blank">em espanhol</a> e <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Dermatobia_hominis" target="_blank">em português</a> dizem também que, no estado larvar, o animal produz um antibiótico que previne infeções no hóspede enquanto se alimenta. Mas não citam fontes, de maneira que é capaz de ser alguém a<br />
especular apenas como nós especulámos na altura, sem ter prova nenhuma do que está a dizer. </span></p>
<p><br /></p>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-80919872292395725272023-12-22T13:37:00.000+02:002023-12-22T13:37:05.041+02:00 É guichê com ê ou é guiché com é? <p style="text-align: right;"><span style="color: #660000;">[Neste texto, para facilitar a leitura a quem não esteja habituado ao alfabeto fonético, transcrevo os sons [e] e [ɛ] (de <b>lê</b> e <b>pé</b>, respetivamente) e com a sua escrita em português standard, mas entre parênteses retos, [ê] e [é].] </span></p><p>Em português europeu, tirando algumas raras exceções dialetais, estes dois sons não se confundem nunca em final absoluto de palavra: [ê] é [ê] e [é] é [é]. Em francês, existe também, em princípio, uma distinção entre estes dois sons. e também em final de palavra: em francês moderno standard — na pronúncia apresentada nos dicionários, por exemplo — o som [ê] em final de palavra pode escrever-se com -ai, -é, -ée, -er ou -ez e o som [é] pode escrever-se com -et (excetuando a palavra et), -ais e -ait. Há, porém, uma grande variação dialetal na pronúncia destes sons e, como tem frequentemente sido notado, a distinção entre os dois sons é, em geral, cada vez mais anulada, também em posição final. Sobretudo nos falares meridionais — mas não só — os dois sons são reduzidos a [ê]. </p><p>Achei que seria engraçado ver como é que passaram ao português as palavras francesas tomadas ao francês que terminam nestes dois sons. </p><p>Pelo que constato à minha volta e pelo que vi em dois dicionários em linha, o da Porto Editora e o da Academia de Ciências de Lisboa, não há sempre uma pronúncia standardizada de todos estes empréstimos, nem quando «naturalizados» (a <b>bold </b>neste texto), nem quando usados em português como palavras estrangeiras<b><span style="font-size: x-small;">[1]</span></b>(a <b><i>bold e itálico</i></b>). Para já, constata-se que estas palavras nem sempre se escrevem e dizem em português com o som standard do francês original.</p><p>Das palavras pronunciadas com [é] final em francês standard, há algumas que mantêm esse som em português: <b>balé</b>, <b>bidé</b>, <b>boné</b>, <b>cabaré</b>, <b>cabriolé </b>ou <b><i>cabriolet</i></b>, <b>caché</b>, <b>carné</b>, <b>chalé</b>, <b>croché </b>ou <b><i>crochet</i></b>, <b>estaminé</b>, <b>gilé</b>, <b>gobelé </b>ou <b><i>gobelet</i></b>, <b>godé</b>, <b>guiché </b>e <b>relé</b>; e outras que passaram a [ê]: <b>brevê</b>, <b>buquê</b>, <b>bufê</b>, <b><i>gourmet e</i></b> <b>parquê </b>ou <b><i>parquet</i><span style="font-size: x-small;">[2]</span></b>. É de notar que os dicionários acolhem também as alternativas <b>cachê</b>, <b>godê</b> e <b>guichê</b> e que a formas brasileiras de <b>bidé</b>, <b>carné </b>e <b>gilé </b>são <b>bidê</b>, <b>carnê </b>e <b>gilê</b>.</p><p>Quanto às outras, que têm originalmente um [ê] final em francês, mantêm em português esse som as palavras <b>ateliê </b>ou <b><i>atelier</i></b>; <b><i>attaché</i></b>, <b><i>blasé</i></b>, <b><i>cloisonné</i></b>, <b>cuchê </b>ou <b><i>couché</i></b>, <b>crupiê </b>ou <b><i>croupier</i></b>, <b>degradê </b>ou <b><i>dégradé</i></b>, <b><i>démodé</i></b>, <b>dossiê </b>ou <b><i>dossier</i></b>, <b>ecartê</b>, <b>evasê </b>ou <b><i>évasé</i></b>, <b><i>foyer</i></b>, <b><i>habitué(e)</i></b>, <b>lamê</b>, <b><i>mêlée</i></b>, <b><i>négligé</i></b>, <b>palmiê </b>ou <b><i>palmier</i></b>, <b>panachê </b>ou <b><i>panaché</i></b>, <b>patê</b>, <b>pincenê </b>ou <b><i>pince-nez</i></b>, <b><i>rentrée</i></b>, <b>tabliê </b>ou <b><i>tablier</i></b>— e <b>clichê</b>, <b>consomê</b>, <b>cupê</b>, <b>rosê </b>e <b>suflê</b>, de que estão também registadas as formas escritas e pronunciadas com [é], <b>cliché</b>, <b>consomé</b>, <b>cupé</b>, <b>rosé </b>e <b>suflé; </b>e passaram a [é]: <b>cachené<span style="font-size: x-small;">[3]</span></b>, <b>canapé</b>, <b>fricassé</b>, <b>galé</b>, <b>glacé</b>, <b>ié-ié</b>, <b>libré</b>, <b>maré</b>, <b>matiné </b>ou <b><i>matinée</i></b>, <b>pilé</b>, <b>puré</b>, <b><i>soirée </i></b>e <b>turné </b>ou <i>tournée</i>. De notar que as formas brasileiras de <b>cachené</b>, <b>fricassé</b>, <b>glacé</b>, <b>matiné</b> e <b>turné </b>conservam o som francês: <b>cachenê</b>, <b>fricassê</b>, <b>glacê</b>, <b>matinê</b> e <b>turnê</b>. </p><p>Devo ter esquecido umas quantas palavras. Outras, como <b>boldrié </b>ou <b>oboé</b>, prefiro não as incluir nestas listas, porque vêm de formas francesas já desaparecidas<b><span style="font-size: x-small;">[4]</span></b>. Mas agora, o mais difícil: como se organiza esta confusão? Há alguma coisa na fonética das palavras que justifique a manutenção ou alteração da vogal original? Ou é a época em que se faz o empréstimo que o determina? Bom, não há conclusão ou, pelo menos, não sou capaz de lá chegar. Pode constatar-se que, apesar da real oscilação da pronúncia destes sons em francês atual, a maior parte das palavras importadas mantém a pronúncia do francês standard; e que o facto de não terem uma grafia aportuguesada parece não influenciar o respeito da pronúncia original. E, como a grafia influencia a pronúncia de palavras estrangeiras, acho provável que algumas palavras escritas com -é final em francês, pronunciado [ê], tenham passado a pronunciar-se com [é], por serem lidas como se fosse a grafia portuguesa — até porque a maior parte das palavras que, na importação, se afastam da pronúncia standard francesa são deste tipo. (Tirando isso, há uma palavra que mudou de género ao entrar no português — <b>puré</b>, que passou a ser masculino, mas isso é outra conversa.)</p><p>Sei também que há uma grande variação na pronúncia destas palavras em Portugal — e não só daquelas de que são apresentadas duas alternativas no dicionário —, mas não sei se essa variação é dialetal, socioletal ou geracional. Como as pronunciam os meus leitores? Como está nos dicionários ou doutra maneira? Ah, e já agora, porque foi da discussão desta palavra que o texto nasceu: dizem <b>guichê </b>ou <b>guiché</b>?</p><p><br /></p><p><br /></p><p>__________</p><p><span style="font-size: x-small;"><b>[1]</b></span> O dicionário da Academia de Ciências de Lisboa não tem transcrição fonética, mas o aportuguesamento dá-me indicação da pronúncia proposta para a maior parte das palavras. </p><p><b><span style="font-size: x-small;">[2]</span></b> <b>Parqué</b> também está registado, mas acho que nunca ouvi. <b>Brevê</b>, <b>bufê </b>e <b>parquê </b>têm também as formas <b>brevete</b>, <b>bufete </b>e <b>parquete</b>, em que se escrevem e pronunciam os tt da grafia francesa, não pronunciados na língua original. Isto poderia ser uma indicação de quando foram importadas estas palavras, já que estes tt se pronunciaram em francês até por volta do séc. XVII, mas não sei se a importação será assim tão antiga.</p><p><b><span style="font-size: x-small;">[3]</span></b> Sempre ouvi <b>cachené</b>, tal como está dicionarizado, mas a forma <b>cachenê </b>pode ter coexistido com <b>cachené </b>também em Portugal. No fado <a href="https://youtu.be/6Ga8T57OOW0?si=eRxqoAt2rOp6cxZQ" target="_blank">“O chico do cachené”, de Fernando Farinha</a>, <b>cachené </b>é pronunciado como se escreve e rima com <b>é </b>e <b>pé</b>; já no fado <a href="https://youtu.be/pYWe2o2vHeE?si=sTWTlrqLNh84nSNh" target="_blank">“Ai Chico Chico”</a>, Amália Rodrigues pronuncia sempre <b>cachenê</b>. A palavra rima com <b>vê</b> no refrão, mas, curiosamente, numa das estrofes, devia rimar com <b>Salomé </b>e com <b>banzé</b>, o que acaba por não acontecer, porque Amália não altera a pronúncia... </p><p><b><span style="font-size: x-small;">[4] </span></b>O Porto Editora diz que <b>boldrié</b> vem de uma forma <b><i>baldrier</i></b>, correspondente ao atual <b><i>baudrier</i></b>, que não consigo encontrar no <a href="https://www.cnrtl.fr/definition/academie9/baudrier" target="_blank">CNRTL</a>. Está aí registada, porém, uma forma antiga documentada no séc. XIV, <b><i>baldrei</i></b>. Quanto a <b>oboé</b>, de <b><i>haut-bois</i></b>, vem do tempo em que o ditongo que se escreve oi- e é atualmente pronunciado [uá] se pronunciava [ué].</p><div><br /></div>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-84968611206233827242023-12-22T13:28:00.000+02:002023-12-22T13:28:50.401+02:00O alfabeto e a língua da ilha de Utopia<p style="text-align: right;"><span style="color: #660000;">[Um excerto de um texto de 1994, agora revisto e corrigido.] </span></p><p>Diz o dicionário que <b>utopia </b>pode significar i) com maiúscula, a ilha que dá o nome à conhecida obra de Thomas More; e, com minúscula, ii) um «modelo de sociedade ideal, geralmente concebido como oposição à ordem política existente no momento da sua criação, cuja realização se considera impossível ou pelo menos difícil de concretizar no prazo de poucas gerações»; e, por extensão deste significado, iii) um «ideal de justiça e perfeição inatingível» e iv) «quimera; fantasia».</p><p>Falta dizer que utopia é também um género literário, uma narrativa de viagens ficcional que, inaugurado pela obra de More, teve grande sucesso sobretudo no período neoclássico. A história é quase sempre a mesma: um viajante europeu chega a uma ilha, algures numa parte do mundo onde nunca chegaram outros europeus, onde encontra uma sociedade «perfeita»; e volta para contar aos europeus o que viu, para eles perceberem assim a imperfeição das suas sociedades. <a href="https://llindegaard.blogspot.com/search/label/Utopia" target="_blank">Já falei algumas vezes de utopia aqui no blogue</a>.</p><p>Ao contrário dos verdadeiros viajantes, que têm de se defrontar com culturas de facto outras e que, quer as desprezem ou as admirem, não podem deixar de sentir a materialidade da sua diferença, os viajantes de lado nenhum não têm nenhuma <i>alteridade</i> real com que tenham de esbarrar. A utopia não é realmente uma sociedade <i>outra</i>, é a sociedade europeia, mas em versão melhorada. Como sou uma pessoa de línguas, falo-vos de língua: uma marca clara dessa <i>mesmidade </i>é a língua da Utopia de More. </p><p>O texto de More diz-nos muito pouco sobre a língua dos utopianos. Apenas ficamos a saber que a língua (como as instituições e as leis…) é «perfeitamente idêntica» nas cinquenta e quatro cidades que constituem a república, que [p.105, <i>A Utopia</i>. Lisboa: Guimarães Editores, 1990] «os utopienses aprendem as ciências na sua própria língua, língua rica, harmoniosa, que é fiel intérprete do pensamento, e que se difundiu, mais ou menos alterada, por vasta extensão do globo» e que [p.119] «essa grande facilidade com que aprenderam o grego prova que essa língua lhes não era de todo estranha. Suponho-os de origem helénica; e posto que o seu idioma se aproxime muito do persa, encontram-se nos nomes das suas cidades e magistraturas alguns vestígios da língua grega».</p><p>É fácil verificar esta origem helénica do utopiano nas duas dezenas de palavras que vão aparecendo ao longo da narrativa de Rafael Hitlodeu, o navegador português que descreve a ilha: como referem muitos estudiosos da obra, Abraxa, o nome anterior da ilha, bem pode ser uma latinização de <b><i>abrakae</i></b>, <b><i>a-brakae</i></b>, «sem calças»; perto de Utopia está o país Acoria, que é certamente <b><i>a-coria</i></b>, «não-país»; Ademos, o príncipe da ilha, é provavelmente apenas <b><i>ademos</i></b>, <i><b>a-demos</b></i>, «sem povo»; Alaopolitas, nome dos habitantes da cidade, é a fusão de <b><i>a-laos</i></b>, «não-povo» com <b><i>polites</i></b>, «cidadão»; etc...</p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDsnsGcvnKeJVW-plCRWK5KcoHtUyJ0ccaMFrQoIFv8nqovE77QWggl15PCkZVeeyDS8_-ONvtPbBr6yE9Vk0G_7c8UvDwR27Pgksn3Lk-RW28Cjq-CEZVVFz6HjGeDEUeYylIMOkcLlFMdvtL9cATrG9Dmdt8DIhyrGieqs7f-5JPMS0Yx7VQcMYEKwg/s918/Alfabeto%20utopiense.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="918" data-original-width="630" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDsnsGcvnKeJVW-plCRWK5KcoHtUyJ0ccaMFrQoIFv8nqovE77QWggl15PCkZVeeyDS8_-ONvtPbBr6yE9Vk0G_7c8UvDwR27Pgksn3Lk-RW28Cjq-CEZVVFz6HjGeDEUeYylIMOkcLlFMdvtL9cATrG9Dmdt8DIhyrGieqs7f-5JPMS0Yx7VQcMYEKwg/w439-h640/Alfabeto%20utopiense.jpg" width="439" /></a></div>A edição Frobenius de Basileia de 1518 traz em apêndice, além do alfabeto utopiense, um pequeno texto nessa língua. Segundo o prólogo da mesma edição, trata-se de um acrescento do editor, <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Pieter_Gillis" target="_blank">Pierre Gilles</a>, ao texto de More, o que parece ser verdade. Mesmo não sendo da autoria de More, porém, esta adenda é perfeitamente coerente com o espírito da obra e pode bem aceitar-se como parte integrante da Utopia*. E só ela nos permite ir um pouco mais longe na análise da língua da ilha. Eis a inscrição da autoria de Utopos, o fundador de Utopia, em <span style="color: #660000;"><b>utopiense</b></span>, <span style="color: #660000;"><b><i>latim </i></b></span>e <i><span style="color: #660000;">português</span></i>:<p></p><p></p><blockquote><p><b><span style="color: #660000;">Vtopos ha Boccas peu[/] la chama polta chamaan </span></b></p><p><b><i><span style="color: #660000;">Vtopus me dux ex non insula fecit insula</span></i></b></p><p><i><span style="color: #660000;">Utopos, General, de mim, não ilha, fez ilha</span></i></p><p><b><span style="color: #660000;"></span></b></p></blockquote><p><span style="color: #660000;"> </span></p><blockquote><p><b><span style="color: #660000;">Bargol he maglomi baccan soma gymnosophaon </span></b></p><p><span style="color: #660000;"><b><i>Vna ego terrarum omnium absque philosophia</i></b> </span></p><p><i><span style="color: #660000;">Só eu, das terras todas, sem filosofia,</span></i></p><p><b><span style="color: #660000;"></span></b></p></blockquote><p><span style="color: #660000;"> </span></p><blockquote><p><b><span style="color: #660000;">Agrama gymnosophon labarem bacha bodamilomin</span></b></p><p><b><i><span style="color: #660000;">Civitatem philosophicam expressi mortalibus</span></i></b></p><p><i><span style="color: #660000;">Estado filosófico exprimi aos mortais</span></i></p><p><b><span style="color: #660000;"></span></b></p></blockquote><p><span style="color: #660000;"> </span></p><blockquote><p><b><span style="color: #660000;">Voluala barchin heman la lauoluola drame pagloni</span></b></p><p><b><i><span style="color: #660000;">Libenter impartio mea non grauatim accipio meliora</span></i></b></p><p><i><span style="color: #660000;">De boa vontade reparto o que é meu, sem má vontade aceito melhor</span></i></p></blockquote><p></p><p><br /></p><p>Não tenho a certeza de que haja uma correspondência assim, palavra a palavra, entre o texto utopiense e o texto latino. Mas esse perfeito paralelismo é bastante provável, já que o poema tem o mesmo número de palavras nas duas línguas e que as que são identificáveis (Utopos, os pronomes, as partículas de negação, o nome “filosofia” e os advérbios de modo do último verso) ocupam os mesmos lugares nos textos nas duas línguas.</p><p>Bem vistas as coisas, se tudo é assim tão da mesma forma – o que nunca acontece em duas línguas diferentes – é porque se trata, digamos...da <b>mesma </b>língua!</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p>_________________</p><p>* É também o que faz, por exemplo, Pierre-François Moreau [Le récit utopique, droit natural et roman de l'état. Paris: PUF, 1982].</p><div><br /></div>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-13524405865135763342023-12-22T11:30:00.000+02:002023-12-22T11:30:09.553+02:00 Canções que referem outras canções #2: “Please Don't Bury Me” e “Give My Love to Rose”<p>Segundo post da série: um dos versos de “Please Don't Bury Me”, de John Prine (1973), é o título de uma famosa canção de Johnny Cash, “Give My Love to Rose” (1957) — provavelmente um piscar de olho de Prine a um dos seus ídolos. Uma função óbvia das referências a outras obras, musicais, literárias, pictóricas, ou de qualquer tipo, enfim, é declarar uma filiação. Uma espécie de mini-manifesto artístico: esta é a linha de autores e o projeto artístico em que inscrevo. </p>
<p>Johnny Cash diz que escreveu “Give My Love to Rose” inspirado por conversa com um prisioneiro de San Quentin, que lhe pediu para dar um recado à sua mulher (do recluso, entenda-se…). A canção descreve o encontro do seu narrador com um homem que, tendo acabado de cumprir uma pena de prisão e no caminho de volta a casa, está agora à beira da morte, por doença, e pede ao narrador que dê cumprimentos seus à sua mulher, Rose, e ao filho que ele sabe que não poderá voltar a ver.</p><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/1gh2YEXJWyo?si=_pHGsEXKNbwx3xSL" title="YouTube video player" width="560"></iframe>
<p>John Prine era um dos maiores escritores de canções americanos, que tanto sabia fazer boas canções sérias como boas canções humorísticas, como é o caso de “Please Don't Bury Me”. A canção inscreve-se no motivo de últimas vontades e testamento: John Prine conta que escorrega, bate com a cabeça e morre e, quando chega ao céu, lhe contam quais tinham sido as suas últimas palavras. As últimas vontades de Prine são deliciosas e «deem cumprimentos meus à Rose» é uma delas: </p>
<blockquote>
<span style="color: #660000;">« (…) Give my stomach to Milwaukee<br />
If they run out of beer<br />
Put my socks in a cedar box<br />
Just get 'em out of here<br />
Venus de Milo can have my arms<br />
Look out! I've got your nose<br />
Sell my heart to the Junkman<br />
And give my love to Rose<br />
But please don't bury me<br />
Down in that cold, cold ground<br />
No, I'd rather have 'em cut me up<br />
And pass me all around<br />
Throw my brain in a hurricane<br />
And the blind can have my eyes<br />
And the deaf can take both of my ears<br />
If they don't mind the size (…)»</span>
</blockquote>
<p style="text-align: left;"></p><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/nmgYCI3OWw4?si=56M0zECHhI6LUweG" title="YouTube video player" width="560"></iframe>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-5308064086897886632023-12-16T19:02:00.001+02:002023-12-16T19:02:57.434+02:00 Suflé<p><br /></p><p>Lembro-me muito bem de perguntar uma vez, era eu rapaz novo: </p><p>– Porque é não se pode fazer um bolo, mas que em vez de ser doce seja salgado? </p><p>Não me lembro já quem era o meu interlocutor ou a minha interlocutora, mas nunca mais me esqueci da resposta que me deu: </p><p>– Um bolo salgado é um suflé, não é? </p><p>Eu não percebia nada de cozinha e aquilo impressionou-me. De facto, até é uma maneira fixe de explicar um suflé a quem não faça ideia nenhuma do que é. Mas não muito rigorosa, até porque há suflés salgados e suflés doces. E um bolo não se pode definir por levar na massa gemas de ovos e as respetivas claras batidas em castelo – mas um souflé sim. </p><p style="text-align: center;">***</p><p>Houve uma altura na minha vida em que comia muitos suflés. Tempos de muita penúria, era o que era. Chamar-lhes tempos de vacas magras é fazer pouco da miséria – nem frangos magros, quanto mais vacas magras… E enfim, em tempos assim, os suflés dão um jeitão. Uma pessoa coze qualquer coisa que dê bom saber à água (bom era daquele camarãozinho pequenino que era mais barato que a uva mijona, mas que só tinha casca…), junta-lhe farinha e uma gordura que arranje e faz um molho branco, mistura-lhe as gemas dos ovos e depois as claras batidas em castelo – devagarinho, com cuidado, senão lá se vai o ar das claras e temos omelete em vez de suflé – e depois é forma e forno e já está. É difícil jantar por menos dinheiro.</p><p style="text-align: center;">***</p><p>Mas também não nos fiquemos por preparados tão primitivos. Deixo-vos aqui um suflé simpático, que inventei uma vez. </p><p>Refoga-se muita cebola em azeite abundante e junta-se-lhe meio quilo de espinafre inteiro, que se deixa estufar devagarinho, sem acrescentar líquido. Quando está já estufadinho, deita-se-lhe uma colher de sopa de mostarda de Dijon e deixa-se apurar mais um bocadinho. A seguir, juntam-se-lhe quatro colheres de farinha, mexe-se, e junta-se leite até ter uma espécie de esparregado grosso. </p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjLpOlhEbKwZ1OSw78HC9fM0WO_S7dOMuv1AK81o5qAA79yOn6j18X4Q1HDR_Gv-7YXZDU5sYSgSr2jSK6mf6wvymM_Iabb5LC9gRVjLSRafdlXmQm4Lu9Ar_K4toU3OnrK7_NC3kaiICtzKA7Qh656pEd6OjnwDVbKN0S4IWKWq_XyUgFtnQ-G8dszEQ/s4032/Sufl%C3%A9.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="2933" data-original-width="4032" height="466" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgjLpOlhEbKwZ1OSw78HC9fM0WO_S7dOMuv1AK81o5qAA79yOn6j18X4Q1HDR_Gv-7YXZDU5sYSgSr2jSK6mf6wvymM_Iabb5LC9gRVjLSRafdlXmQm4Lu9Ar_K4toU3OnrK7_NC3kaiICtzKA7Qh656pEd6OjnwDVbKN0S4IWKWq_XyUgFtnQ-G8dszEQ/w640-h466/Sufl%C3%A9.jpg" width="640" /></a></div>À parte, mói-se na máquina meio quilito de bacalhau fresco e salmão misturados. Ou outro peixe qualquer, eu uso bacalhau fresco e salmão, porque são peixes que aqui se encontram com facilidade, mas qualquer outro peixe serve. Tempera-se esta pasta com sal e muita pimenta preta (muita pimenta é importante, neste caso), junta-se-lhe quatro gemas de ovo e mexe-se tudo bem mexido. <p></p><p>Depois, junta-se a pasta de peixe aos espinafres. Espreme-se um dente de alho grande no espremedor de alhos, e mistura-se no preparado. Depois, claro, há que bater as quatro claras em castelo, incorporá-las na massa, com muito cuidadinho, meter numa forma untada (uma forma alta, claro, para o suflé não vir por fora) e forno. 200 graus, já não me lembro quanto tempo. Uns quarenta minutos, deve ser. Mas vê-se quando está pronto. Pronto.<br /><br />Uma variante possível, que também fica bem, é com atum de lata e camarão em vez de peixe fresco: 300 gramas de atum e 200 de camarão, por exemplo. Se tiverem paciência para isso, podem refogar as cascas do camarão em manteiga, e cebola e cenoura picadas, juntar-lhe água, deixar ferver uns cinco minutos, e usar essa sopa em vez de leite. Enfim, vocês decidirão. Ah, um bocadinho de noz moscada e de pimenta-de-caiena também pode ficar bem...</p><p>[Souflé ou suflê? A ver se faço um texto sobre isto aqui no blogue...]</p><p><br /></p><div><br /></div>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-19025883275688316782023-12-14T12:04:00.001+02:002023-12-14T16:51:18.378+02:00 Tradução automática e inteligência artificial: magia não é, nem uma pessoa a pensar<p><br /></p><p>Sou muitas vezes confrontado com comentários e críticas aos programas de tradução automática que revelam que a maior parte das pessoas não compreende como é que funcionam esses programas. Não falo de compreender a fundo, compreender mesmo, porque isso deve haver muito poucas pessoas que o consigam fazer e eu não sou com certeza uma delas. Falo antes de ter uma ideia da arquitetura de base desses programas, da maneira como funcionam. Isso ajuda a evitar críticas sem grande sentido aos programas de tradução, mas também a servir-se deles de forma a minimizar as suas lacunas e imperfeições várias, que não hão de, por certo, desaparecer já amanhã — embora estejam a desaparecer, devagarinho, dia após dia. </p><p>Houve, de 1978 a 1992, um grande projeto europeu chamado EUROTRA, que visava criar um programa de tradução automática para as línguas da União Europeia. A ideia era criar um programa que desconstruísse as frases da língua de partida de modo a transformá-las em estruturas abstratas que depois se voltavam a materializar com o léxico e a estrutura sintática da língua de chegada. No fundo, fazer aquilo que se acreditava que um ser humano fazia inconscientemente ao traduzir.</p><p>O projeto nunca foi concluído: era demasiado difícil. Uma amiga minha trabalhou nesse projeto durante alguns anos, só com as regras de colocação dos pronomes em português e italiano, sem grandes resultados. Era muito difícil criar as regras para o programa e as estruturas abstratas entre a língua de partida e a língua de chegada eram muito pesadas. Agora, os programas de tradução automática melhoram de dia para dia. Há uns melhores que outros, é certo, e também é certo que alguns continuam a fazer muitos disparates, mas os melhores são muitas vezes extremamente eficazes. A principal diferença relativamente ao falhado projeto EUROTRA é estes programas não têm regras para transformar as frases de uma língua em frases da outra. Usam algoritmos que procuram associações em bases de dados muitos grandes. Dito de forma simples, a metodologia destes programas é «enormes quantidades de informação».</p><p>Vou dar um exemplo da qualidade da tradução automática: ao contrário do que se possa pensar, este parágrafo não foi escrito originalmente em português. Escrevi-o em inglês e depois utilizei um programa de tradução automática gratuito para o traduzir para português. Não introduzi qualquer alteração na tradução e, embora talvez não seja a tradução mais elegante (mas o meu texto original em inglês também não deve ser assim tão elegante), não há erros significativos, quer na sintaxe, quer na escolha das palavras, embora eu não tenha escolhido, de propósito, as estruturas gramaticais mais fáceis*.</p><p>O meu amigo Pedro Malaquias publicou uma vez no Facebook o seguinte texto:</p><p></p><blockquote><p>lost in translation</p><p>time flies</p><p>o tempo moscas</p><p>glória glória</p><p>ao tradutor automático</p></blockquote><p></p><p>É um texto que dá conta de uma certa ideia de um tradutor automático e que talvez seja mesmo uma tradução com um programa (dito)de tradução muito mau (a tradução do Facebook, por exemplo, é muitas vezes exasperante). E pode até obter-se esse divertido resultado em verdadeiros programas de tradução separando as duas linhas:</p><p></p><blockquote><p>time</p><p>flies</p></blockquote><p></p><p>Mas há muito tempo que os programas de tradução, mesmo quando traduzem mal, não fazem frases agramaticais — se o input for uma frase e não palavras isoladas e escrito com uma pontuação standard. Já em janeiro de 2017 eu dava a uma amiga este exemplo de tradução automática, também sem mudar absolutamente nada do proposto pelo programa de tradução:</p><p></p><blockquote>As políticas nacionais de Gestão de Recursos Humanos são um exemplo disso. Tem-se argumentado que os investimentos no desenvolvimento de capacidades terão um efeito limitado se não forem suportados por mudanças adequadas nas políticas de RH. A questão da retenção de pessoal técnico qualificado e treinado é há muito reconhecida como fundamental para se conseguir melhorias duradouras na prestação de serviços municipais, mas pouco se fez para mudar as políticas, procedimentos e práticas atuais, que também têm dimensões políticas que são difíceis de mudar. Há muitas outras leis e regulamentos que devem ser alterados para chegar a um ambiente mais propício para o desenvolvimento municipal**.</blockquote><p></p><p>Como é que os programas sabem quando é que <i>flies </i>é o plural de <i>fly</i>, «mosca», quando significa «braguilhas» e quando é a terceira pessoa do presente do verbo <i>fly</i>, «voar»? Bom, ninguém lhes deu regras, apenas foram treinados com muitos milhares ou milhões de exemplos de ocorrências das formas em vários contextos. Disseram-lhe: neste contexto é isto, neste contexto é isto, neste contexto é isto. E, a partir daí, o algoritmo computa as probabilidades. E acerta quase sempre. Não sabemos ao certo como o programa faz, o que é que ele encontra que o faz distinguir as várias aceções dos termos ou levar a cabo tarefas linguísticas ainda mais complicadas. E isso é um bocado irritante, não percebermos ao certo como ele funciona, só sabemos que faz o que deve. </p><p>Por muito irritante que possa ser, esta ignorância de como o programa funciona não difere em nada da nossa ignorância de como funciona o nosso cérebro. Nós também não sabemos como o nosso cérebro cola significados às palavras da língua. Sabemos, por exemplo, que podemos usar uma palavra metaforicamente ou de outra forma «desviante», mas há usos dessa palavra que não reconhecemos como metafóricos ou «desviantes», mas antes como estrangeirismos: os falantes da língua nunca usariam aquela palavra naquela situação. Mas não sabemos porquê. </p><p>Podemos sair um pouco da língua, para um exemplo talvez mais claro para a maior parte das pessoas que não estão habituadas a questões linguísticas. Todos sabemos que, quando vemos uma pessoa ao longe, antes de distinguirmos o corpo e as feições, já sabemos, pelo andar, se é homem ou mulher. Há exceções, claro, mas é assim na esmagadora maioria dos casos. Se interrogarmos alguém — ou nos interrogarmos nós próprios — sobre o que caracteriza um andar masculino ou um andar feminino, porém, não sabemos responder. Os estudos sobre o assunto mostram, por exemplo, que é o movimento de alguns pontos das pernas, e não do tronco ou dos braços, que determinam esse reconhecimento, mas não se sabe exatamente quais e como. Escolhi este exemplo, porque há programas informáticos que fazem esse mesmo reconhecimento de género na marcha humana tão bem como nós, mas também sem saber como ele é feito. É o mesmo princípio: numa base de dados com milhares e milhares de filmes de homens e mulheres, instrui-se um algoritmo sobre quais são homens e quais são mulheres. E ele aprende. Como nós. Sem saber como, sem nós sabermos como.</p><p>Não há magia nenhuma na tradução automática. E, como não há magia, os programas não só funcionam melhor com determinando tipos de textos (os tipos mais frequentes nas bases de dados) como podem, através de práticas simples, ser ajudados a traduzir mais corretamente. Palavras isoladas não funcionam. Como há de o programa procurar contexto? Às vezes, nem é preciso muito para contextualizar. Por exemplo, o j.j.amarante, num comentário deste blogue, referia que um programa de tradução automático traduzira João Paulo (o nome de papa de Karol Józef Wojtyła) para latim como John Paul. </p><p>Respondi eu: </p><p></p><blockquote>[Este programa] traduz sempre para inglês antes de traduzir para outra língua. Mas funciona com probabilidades de ocorrência e precisa de contexto. Imagino que a base de dados em latim seja muito pequena e, sem mais informação, só com dois nomes próprios, o resultado é mau. Melhor, é nulo... Mas, se escrever "Papa João Paulo", que chega para definir contexto, por ser uma sequência tão específica, já o [programa] dá Ioannes Paulus Pp. em latim, uma tradução correta.</blockquote><p></p><p>Além disso, a esmagadora maioria os textos que existem nas bases de dados são textos escritos em linguagem standard em frases standard. Por isso, os resultados são muito melhores com frases completas e com ortografia e pontuação padronizada, como disse atrás.</p><p>Agora, tudo isto levanta uma questão muito interessante:</p><p><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Jaron_Lanier" target="_blank">Jaron Lanier</a> <a href="https://www.edge.org/conversation/the-myth-of-ai" target="_blank">sublinhava, já há quase dez anos</a>, que, «nos bastidores, [de um tradutor automático baseado em grande quantidades de dados] estão literalmente milhões de tradutores humanos que fornecem os exemplos» e «não estamos a pagar nada a essas pessoas que fornecem os exemplos para os corpora de que precisamos para pôr os algoritmos de inteligência artificial a funcionar. Para criar esta ilusão de uma inteligência artificial autónoma, independente, temos de ignorar as contribuições de toda a gente de cujos dados nos servimos para a fazer funcionar.» </p><p>É bom não nos esquecermos de que estes tradutores automáticos somos nós, eu e outros tradutores, que os alimentamos, ou melhor, que os criamos.</p><p>Noam Chomsky diz a mesma coisa quando acusa a inteligência artificial de ser «alta tecnologia de plágio», ou seja, um programa com acesso a uma quantidade enorme de textos ou imagens efetivamente produzidos por pessoas, que depois cola bocados uns aos outros, de modo a que seja impossível saber onde foi buscar a informação. Já houve casos em que os bocados das obras que compõem os textos ou as imagens produzidas pelos programas de inteligência artificial são reconhecíveis e os seus autores levem os proprietários do programa a tribunal. Mas, na maior parte dos casos, é impossível detetar a origem da informação.</p><p>O que é curioso, mais uma vez, é que é também assim que funciona o ser humano. Também nós, quando produzimos seja lá o que for, usamos sempre ideias, conhecimentos ou técnicas que nos vêm de outras pessoas. Apenas os reorganizamos como nossos, em algo nunca antes produzido. </p><p><br /></p><p>___________________</p><p>* I am going to give an example of how good automatic translation has become: unlike you might have thought, this paragraph was not originally written in Portuguese. I wrote in English and then used a free automatic translation programme to translate it into Portuguese. I did not introduce any change in the translation at all and, although perhaps it is not the most elegant translation (but then again, my original English text was probably not that elegant either), there are no significant mistakes to be found, in both syntax or choice of words, although I on purpose did not choose the easiest grammar structures. </p><p>** National policies of Human Resources Management are a case in point. It has been argued that investments in capacity development will have limited effect unless supported by adequate changes in HR-policies. The issue of retention of qualified and trained technical staff has long been recognized as key to achieving lasting improvements in municipal service delivery, but little has been done to change current policies, procedures and practices, which also have political dimensions which are difficult to change. There are many other laws and regulations that must be changed to arrive at a more conducive environment for municipal development. </p><div><br /></div>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-84007427787033768432023-12-14T01:52:00.001+02:002023-12-14T11:14:07.322+02:00Canções que referem outras canções#1: “La Chanson de Prévert” e “Les Feuilles mortes”<p> </p>
<p>A partir de hoje, passa a haver mais uma etiqueta na Travessa do Fala-Só: «Canções que referem outras canções». Há obras literárias que remetem para outras obras literárias, há obras musicais que remetem para outras obras musicais e há canções que remetem para outras canções – umas de uma forma mais direta, outras de forma mais subtil, algumas de forma bastante criativa. Como uma canção é uma mistura de texto e música, a referência que se faz numa canção a outra canção pode ser do tipo da intertextualidade literária, do tipo da citação musical ou uma mistura de ambas. </p>
<p>Um exemplo conhecido de uma canção que remete para outra canção é “La chanson de Prévert”, de Serge Gainsbourg (1961), que refere muito claramente "Les feuilles mortes”. Até se poderia quase dizer que “La chanson de Prévert” é uma canção sobre “Les Feuilles mortes”. A canção “Les feuilles mortes” foi composta em 1946, por uma dupla profícua, o poeta Jacques Prévert e o compositor Joseph Kosma, para o filme de <a href="https://youtu.be/R41h1v-XHYk?si=yJ_Z7HzORBi-ukPo" target="_blank"><i>Les Portes de la nuit</i>, de Marcel Carné</a>. </p>
<p>A primeira gravação em disco é de Cora Vaucaire, em 1948. Em 1950, foi gravada por Jo Stafford a versão inglesa de “Les feuilles mortes”, “Autumn leaves”, com letra de Johnny Mercer, que se tornou um standard de jazz. No total, entre versões cantadas em várias línguas e versões instrumentais deve haver quase dois milhares de versões gravadas. O site <i>Second Hand Songs</i> regista, na altura em que escrevo isto, 1632 versões gravadas, mas os números deste site ficam sempre, naturalmente, um bocado aquém do número total de gravações.</p>
<p><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/MKX6AH7CkOI?si=ZVfB0WGFE7NjGLnU" title="YouTube video player" width="560"></iframe><br /></p>
<p>“La chanson de Prévert”, de Serge Gainsbourg, tem um palmarés bem mais modesto: segundo o mesmo site, há 27 versões em francês, mais uma em inglês e outra em japonês. O Second Hand Song diz também que <a href="https://youtu.be/20qDf4IDkTA?si=VobDBJpRMT0KHdaH" target="_blank">a versão de Michèle Arnaud</a> foi publicada antes da versão do autor, mas, se assim é, foi com muito pouca antecedência.</p>
<p>O primeiro verso da canção de Gainsbourg é uma citação literal do primeiro verso da letra de “Les feuilles mortes”: «Oh je voudrais tant que tu te souviennes».</p>
<blockquote>
<p style="text-align: left;"><span style="color: #660000;"></span></p><blockquote><p style="text-align: left;"><span style="color: #660000;">«</span><span style="color: #660000;">Car chaque fois "Les feuilles mortes"</span></p><p><span style="color: #660000;">Te rappellent à mon souvenir</span></p><p><span style="color: #660000;">Jour après jour les amours mortes</span></p><p style="text-align: left;"><span style="color: #660000;">N'en finissent pas de mourir»</span></p></blockquote><p style="text-align: left;"><span style="color: #660000;"></span></p>
</blockquote>
<div>
<iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/DAhHhgPotXs?si=I8cneIs3tN5duUeh" title="YouTube video player" width="560"></iframe><br />
</div>
<p> </p>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-26765145119419382842023-12-10T00:18:00.006+02:002023-12-10T00:19:34.358+02:00O bom filho...<p>Mais uma história verdadeira, acabadinha de se passar:</p><p>A minha amiga S. andou dez anos à procura de um livro – uma biografia de Henning Mankell por Kirsten Jacobsen. Comprou o livro em 2011, gostou muito dele, fez publicidade da obra junto dos amigos e emprestou-a a um deles. Mas a quem? S. esqueceu-se, não sabia a quem tinha emprestado o livro. </p><p>Durante dez anos, insistiu com os amigos todos: «Mas vê lá se não é tu que o lá tens... Alguém o há de ter...» Mas não, ninguém tinha o livro. A semana passada, S. desistiu da busca e comprou o livro na internet, em segunda mão.</p><p>Quando o recebeu e o abriu, viu numa das guardas o seu nome, escrito pela sua própria mão e a data «Out. 2011». Tinha comprado o seu próprio livro, desparecido dez anos antes. </p>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-22281485140354059552023-12-06T18:18:00.000+02:002023-12-06T18:18:28.618+02:00Plágios e armagedão, e desejos de Natal<p> </p>
<p>Não sou daquelas pessoas que odeiam o Natal, mas há coisas que me perturbam nesta quadra. A que mais me perturba é a música. Também não é porque tenha alguma coisa contra a música de Natal em particular, mas tenho — e muito! — contra as playlists de êxitos <i>mainstream </i>de Natal que, nesta época do anos, me agridem todos os anos em todo o lado. A melhor expressão para classificar essas canções todas é, talvez, a que Ewan Mccoll usava para designar as muitas versões da sua canção “The First Time Ever I Saw Your Face”: uma «câmara de horrores». Não sou o único a ter este sentimento e já vi que se faz às vezes, em certos grupos, um jogo chamado <a href="https://whamageddon.com/" target="_blank">Whamageddon</a>, em que ganha a última pessoa que, nesse ano, ouvir tocar “Last Christmas”, dos Wham, seja lá onde for... Vá lá, este ano ainda não a ouvi, e vamos a 6 de dezembro, mas já sei que não sobrevivo muito mais tempo… </p>
<p>E isto era só uma introdução. O tema central deste texto é o plágio. Ou melhor, processos de plágio que assentam numa compreensão do conceito que me parece, sinceramente, muito exagerada. <a href="https://www.theguardian.com/music/2023/nov/02/mariah-carey-sued-for-copyright-infringement-over-all-i-want-for-christmas-is-you#" target="_blank">Li no outro dia</a> que um senhor chamado Andy Stone levou Mariah Carey e Walter Afanasieff a tribunal acusando-os de plagiarem, em “All I Want for Christmas Is You”, de 1994, uma canção da sua autoria com o mesmo título e que fora gravada cinco antes por Vince Vance & The Valiants. Diz a acusação de Andy Stone (traduzo eu) «A frase “Tudo que eu quero no Natal és tu” pode parecer um lugar-comum hoje em dia; em 1988 era, no contexto, distintiva [...] Além disso, a combinação daquela sequência de acordes na melodia, com o refrão literalmente igual, é um clone de mais de 50% da obra original de [Stone], tanto na escolha da letra como na expressão harmónica.»</p>
<p>Devo deixar claro que a canção de Mariah Carey é, para mim, um dos espécimes mais proeminentes da tal câmara de horrores. Não é por ter por ela alguma estima especial que a defendo, se é que se pode chamar defesa ao que se segue. Mas vejamos:</p>
<p>Primeiro, a questão da sucessão de acordes. Bom, eu não sou músico, mas parece-me que a questão da harmonia é uma questão muito complicada: <a href="https://youtu.be/2P1-UvqdD7o?si=GG29vYFYQmOCNumo" target="_blank">quantas canções não usam as mesmas sequências de acordes como suporte de melodias diferentes?</a> </p>
<p>Segundo, será que a frase “All I Want for Christmas Is You” era assim tão original em 1989? Bom, com uma pesquisa rápida e só em canções que foram grandes sucessos (a de Buck Owens foi nº 1 das tabelas americanas), encontro “You're All I Want for Christmas”, de Frankie Laine & Carl Fischer's Orchestra (1948); “You're All I Want for Christmas”, de Brook Benton (1963); “All I Want for Christmas Dear Is You”, de Buck Owens and His Buckaroos (1965); e “All I Want for Christmas Is You”, dos Foghat. Se a questão é a «ideia» central da canção, pode então considerar-se, por exemplo, que <a href="https://youtu.be/Xk3GBM3F5II?si=N1UFD_Ml-QigGlO0" target="_blank">“All Kinds Of Everything” de Dana</a> é um plágio do clássico “<a href="https://youtu.be/alwcpBfPpYI?si=JBsg--1nWjqvkBPA" target="_blank">These Foolish Things (Remind Me of You)</a>”? Enfim...</p>
<p>Oiçam <a href="https://youtu.be/lwkVi35mLHo?si=hXbyr7cDfq9F3lRz" target="_blank">a canção de Stone</a> (presumo que a de Carey já conheçam) e digam de vossa justiça: acham que o outro “All I want for Christmas” é um plágio deste?</p><p><br /></p>
<p>Depois das cantigas de Vince Vance & The Valiants e de Mariah Carey, não deixaram, claro, de se fazer canções centradas na mesma «ideia», que, na minha opinião merecem também figurar na câmara de horrores... Há também cantigas com outros desejos para o Natal mais originais que apenas «tu», como “All I Want for Christmas Is a Real Good Tan” ou “All I Want for Christmas Is New Year's Day”, mas as músicas não são, infelizmente, mais interessantes que as atrás referidas. Já a canção mais antiga de todas as que conheço como desejos de Natal, “All I Want for Christmas (Is My Two Front Teeth)”, de Spike Jones and His City Slickers (1947 ou 1948) é bastante interessante, se não musicalmente pelo menos foneticamente.</p>
<p><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/TbUbRTsx6Cc?si=ADxWlvyGEuvCpCz-" title="YouTube video player" width="560"></iframe><br /></p>
<p>Pessoalmente, se tivesse que escolher uma canção sobre o que é que me basta como prenda de Natal, acho que escolhia esta de Bey Ireland, lançada em novembro de 1966.</p>
<p><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" gt="" height="315" iframe="" lt="" nbsp="" p="" src="https://www.youtube.com/embed/gH8bIYiX1mM?si=ixEv8Gc25F_w4Rr-" title="YouTube video player" width="560">
<p><br /></p></iframe></p><p><br /></p><p><br /></p>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-21444453173244935872023-12-05T01:20:00.004+02:002023-12-05T01:20:57.555+02:00Um prédio etimológico<p><br /></p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiN9Xy7FyHUTEqzdW8ULX8jftrqcWbLBOgSSIeEpbB2hv6rn8MXYeuFc03X1WQZTN6RVyz09UGKxzYqzF2kfaR2imjJUvxI2J2oUXbU_FFiZbgwtw3MQzXtbYhCLp5bb55oWq3pPpn66RHKs0Z2Vp0ci7vpUKbcjXfgpLmRR9KxwmEnxiyYpxRDEFizC7E/s4032/IMG-0697.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="4032" data-original-width="3024" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiN9Xy7FyHUTEqzdW8ULX8jftrqcWbLBOgSSIeEpbB2hv6rn8MXYeuFc03X1WQZTN6RVyz09UGKxzYqzF2kfaR2imjJUvxI2J2oUXbU_FFiZbgwtw3MQzXtbYhCLp5bb55oWq3pPpn66RHKs0Z2Vp0ci7vpUKbcjXfgpLmRR9KxwmEnxiyYpxRDEFizC7E/w480-h640/IMG-0697.jpg" width="480" /></a></div>A fotografia não é grande coisa, mas, do chão, com o telefone e com gente sempre a passar, não consegui fazer melhor.<p></p><p>Neste prédio em Faaborg vê-se, lá em cima, a palavra <b><i>apotek</i></b>, «farmácia», grafada à moda antiga, ainda com th, e, em baixo, onde deve ter já havido uma farmácia, uma <b><i>boutique</i></b>, ou seja, uma loja de modas — às vezes designada, na Dinamarca com em Portugal, com a palavra francesa, para ser mais fina… Em dinamarquês, loja — quando não é modas — diz-se <i><b>butik</b></i>, que é a mesma palavra, mas sem francesices. </p><p>Ora <b>apotek </b>é uma forma muito próxima do étimo grego de onde deriva, <b><i>ᾰ̓ποθήκη</i></b>, «arrecadação, armazém» (geralmente transliterado <b><i>apotheke</i></b>) e de onde derivam também as palavras <b><i>butik </i></b>e <b><i>boutique</i></b>. Usa-se ainda em dinamarquês outra palavra derivada do mesmo étimo e importada do castelhano, <b><i>bodega</i></b>, para designar uma taberna, um bar popular. </p><p>Parece que <b>bodega </b>tem também este sentido em português, mas eu conheço-a antes com outro sentido, que vocês também conhecem. Em português, além de <b>bodega </b>e do francesismo <b>boutique</b>, o grego <b><i>apotheke </i></b>deu ainda <b>botica </b>e <b>adega</b>. <b>Adega </b>é uma forma já atestada em galego-português, ao passo que <b>botica </b>é um aportuguesamento mais tardio do francês <b><i>boutique</i></b>, que é, por sua vez, um afrancesamento, se se pode dizer assim, do provençal <b><i>botiga</i></b>/<b><i>botica</i></b>, que vem da latinização do termo grego em <b><i>apotheca</i></b>. </p><p>Muitas voltas dão estas palavras. </p><div><br /></div>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-40876327278534070102023-12-04T18:40:00.003+02:002023-12-04T21:11:29.212+02:00Caridade Romana, um estranho motivo neoclássico<p><br /></p>
<p><span style="font-size: medium;">No cemitério de Svendborg, há numa campa uma estátua de uma mulher de seios nus. Não sei quem é, mas deve representar algum conceito abstrato: a pureza, a poesia, a vida, a justiça, a liberdade, sei lá…</span> </p>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhmrTDqcgoeDCQWSX5-WKkQmEALJ91joFdIezYeBSATgIWix_4rBd8csFiq-IOhxTjGqHLVuGpGleVqFaFBppq_Wg4Ew8h1ca2FuUR7o0Uz123V3mjMeq9C-9emID4v54ak9R0BHk1tXYTrjME3iM1JX_CAoJytJXJ15xFaA4x7VOQXgUq_3Q1IFCAryf0/s582/0A%20A%20verdade.jpg" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="0A%20A%20verdade" border="0" data-original-height="500" data-original-width="582" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhmrTDqcgoeDCQWSX5-WKkQmEALJ91joFdIezYeBSATgIWix_4rBd8csFiq-IOhxTjGqHLVuGpGleVqFaFBppq_Wg4Ew8h1ca2FuUR7o0Uz123V3mjMeq9C-9emID4v54ak9R0BHk1tXYTrjME3iM1JX_CAoJytJXJ15xFaA4x7VOQXgUq_3Q1IFCAryf0/s16000/0A%20A%20verdade.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="color: #660000;">Em <i>A Calúnia de Apelles</i>, de Botticelli, o Arrependimento está coberto da cabeça aos pés,<br />
como aliás a Perfídia, a Calúnia, a Fraude, o Rancor, a Ignorância e a Suspeita<br />
(ver obra completa <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Calumny_of_Apelles_(Botticelli)#/media/File:Sandro_Botticelli_021.jpg" target="_blank">aqui</a>). Já a Verdade está cruamente nua.<br />
Nua está também a Verdade de Jules Joseph Lefebvre.</span></td>
</tr>
</tbody>
</table>Digo isto, porque muitas vezes nos deparamos com figuras femininas alegóricas em que, ao que parece, é o serem alegóricas que justifica a nudez dos seios — <a href="https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/18/Wisdom-Impression-Sentiment-Art-by-Kuroda-Seiki-1899.png" target="_blank">ou do resto do corpo</a>. O que é estranho. Não vos é difícil compreender porque é que a <a href="https://fr.wikipedia.org/wiki/La_Libert%C3%A9_guidant_le_peuple#/media/Fichier:Eug%C3%A8ne_Delacroix_-_Le_28_Juillet._La_Libert%C3%A9_guidant_le_peuple.jpg" target="_blank">Liberdade de Delacroix guia o povo de seios ao léu</a>? Bom, mas também é verdade que, no célebre <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Le_D%C3%A9jeuner_sur_l%27herbe#/media/File:Edouard_Manet_-_Luncheon_on_the_Grass_-_Google_Art_Project.jpg" target="_blank">Almoço na erva de Manet</a>, também não se percebe porque está nua uma senhora que não parece ter nenhuma função particularmente simbólica. De facto, não faltam na história da pintura mulheres nuas ao lado de homens vestidos. Lembro-me de ter comentado, quando vi a estátua funerária no cemitério de Svendborg, que, pelos vistos, tudo era pretexto para imagens de seios nus, numa época em que o corpo se escondia. Se calhar, é sobretudo disso que se trata…
<p>Um motivo bastante recorrente<b><span style="color: #660000;">[1]</span></b>nas artes plásticas do Neoclassicismo é a chamada <i>Caritas Romana</i>, a «Caridade Romana». Bom, não sei se <i><b>caridade</b></i> é aqui a melhor tradução de <b><i>caritas</i></b>. A <i><b>caritas</b></i> latina é um conceito mais abrangente do que a nossa caridade: é «estima», «afeto», «ternura», «amor», «apreço»… e também «caridade». Mas, enfim, para seguir a tradição, refiro-me aqui a esse motivo como Caridade Romana. Um motivo muito estranho…</p>
<p>A Caridade Romana é uma história exemplar da antiguidade greco-latina. No <a href="https://la.wikisource.org/wiki/Factorum_et_dictorum_memorabilium_libri_IX/Liber_V" style="font-size: large;" target="_blank">livro quinto dos <i>Nove Livros de Feitos e Dizeres Memoráveis</i></a>, uma coleção de contos breves que data do ano 30 ou 31, <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Valerius_Maximus" style="font-size: large;" target="_blank">Valerius Maximus</a> conta a história de uma mulher condenada à morte, que, na prisão, é salva de morrer de fome pela filha que a amamenta quando a visita. Quando o carcereiro descobre o que se passa, conta aos seus superiores hierárquicos, que fazem chegar a história ao conselho de juízes. Maravilhados por tão incomum relato de amor filial, os juízes perdoam a pena à mulher. E Valerius Maximus acrescenta que a mesma qualidade teve uma mulher chamada Pero, que salvou da mesma forma o seu pai Cimon, também condenado à morte por inanição<span style="color: #660000;"><b>[2]</b></span>.</p>
<p>Conhecem-se pinturas e estátuas também do século I que têm a Caridade Romana como motivo, mas não se sabe se a história era já conhecida antes da obra de Maximus ou se foi ele que a inventou. Na sua História Natural, publicada cerca de 45 anos depois da obra de Maximus, Plínio o Velho conta uma versão ligeiramente diferente da história, em que a mãe da mulher não só é libertada como a família recebe das autoridades locais uma pensão vitalícia. </p>
<p>Podem ler muito mais sobre a história e o motivo da Caridade Romana na arte ocidental <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Roman_Charity" target="_blank">na Wikipédia</a>, que é onde fui buscar esta informação. </p>
<p>É claro, podem encontrar-se para a ressurreição e para o sucesso da história da Caridade Romana no período Clássico boas explicações culturais, algumas delas ancoradas em mitos e símbolos primordiais, e também a justificação moral de ser um exemplo extremo de dedicação filial. Podem ser essas as razões, mas também me parece provável que o sucesso do motivo esteja no seu caráter erótico. Não nos parecerão hoje muito eróticas estas imagens, mas o contexto em que foram criadas era outro e, nesse contexto, eram bem capazes de ter uma carga erótica — para os homens. É um erotismo que pode resultar apenas da exposição dos seios nus de Pero — e podemos especular se é mais provável a identificação erótica dos espetadores das obras com Cimon ou com o carcereiro que espreita a cena — mas há também casos em que a filha e o pai parecem um casal (imagens 1 e 8 abaixo, por exemplo). Curiosamente, até um caso em que <a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Barbara_Krafft_-_Franz_de_Paula_hrab%C4%9B_Hartig_a_jeho_man%C5%BEelka_Eleonora_jako_Caritas_Romana_(1797).jpg" target="_blank">um casal real, o conde Franz de Paula von Hartig e a sua esposa Eleanore, é retratado em 1797 como <i>Caritas Romana</i></a>. </p>>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjwuitBeQe7DIFve58QV2Pve0aPm3NKAs_jxVci4UfqXLqx4RmMUSSmDFo7DVeurOnwCwTAWx8Or1dbuVknoGjMqbTWiZA29nAmKOkZGlMYyg7lEzJjxDj8wDJLmI2ioODvEeYrCP3O8kEjqzybqOjA754dA1lQ3KP0Ril5ByEhBlJbQTQsQFtJzmdnm8M/s500/Guercino%20before%201661.jpg" style="clear: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="Guercino%20before%201661" border="0" data-original-height="500" data-original-width="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjwuitBeQe7DIFve58QV2Pve0aPm3NKAs_jxVci4UfqXLqx4RmMUSSmDFo7DVeurOnwCwTAWx8Or1dbuVknoGjMqbTWiZA29nAmKOkZGlMYyg7lEzJjxDj8wDJLmI2ioODvEeYrCP3O8kEjqzybqOjA754dA1lQ3KP0Ril5ByEhBlJbQTQsQFtJzmdnm8M/s16000/Guercino%20before%201661.jpg" /></a>
</td>
</tr>
</tbody>
<tbody>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;"><span style="color: #660000; font-size: medium;">Giovanni Francesco Barbieri (il) Guercino (data incerta, anterior a 1661).<br />
É de notar que Guercino fez também <a href="https://images.stephenongpin.com/OngpinMedia/Object/Giovanni%20Francesco%20Barbieri,-Guercino-RomanCharityCimonandPero-562014T17037.jpg?w=3000&h=3000&mode=max" target="_blank">outras versões de Pero e Cimon</a>.</span></td>
</tr>
</tbody>
</table>A própria cena de amamentação de um adulto pode ter um caráter erótico. É aliás de notar, a propósito, que a grande fortuna do motivo de Pero e Cimon (alguns pintores, como Rubens ou De Crayer têm mais que uma obra sobre o motivo) contrasta com a quase ausência de pinturas baseadas na versão feminina da história. A única versão que encontro é esta de Guercino aqui à direita.
<p>É um motivo estranho, como eu dizia. Se se aceitar, como eu proponho, a possibilidade de uma leitura erótica, levanta-se de imediato a questão do caráter incestuoso da cena, acrescido, na versão feminina, de uma intimidade entre mulheres que pode apontar para homossexualidade. (Maximus escrevia, desculpando a filha da sua primeira história: «Alguém poderia pensar que era algo contra a natureza, se a primeira lei da natureza não fosse amar os pais.») Mas há outros aspetos desviantes relativamente à sexualidade socialmente sancionada na altura, que talvez tenham sido importantes para a erotização do motivo: o facto de mostrar uma cena de intimidade com uma mulher lactante (quando o sexo com lactantes era tabu, independentemente de quem fossem)<span style="color: #660000;"><b>[3]</b></span>, e ademais numa prática sexual não canónica, a lactação erótica.</p>
<p>Notem que tudo isto é, enfim, resultado de reflexões breves e de impressões, e não de nenhum estudo aturado. É só uma conversa num blogue, sobre um tema que achei curioso, mas de que não tenho grandes conhecimentos. Deixo-vos aqui uma seleção de 16 versões pictóricas da Caridade Romana, de 1538 a 1700 mais duas relacionadas com o motivo sem o tratarem diretamente, e vocês me dirão também a vossa impressão. </p>
<p>É interessante notar que, independentemente de alguns tratamentos mais únicos da história, há vários modelos do motivo que se vão fixando. Relativamente ao enquadramento e à postura e atitude de Pero, há sobretudo dois modelos. Num deles, Pero olha para longe do pai, talvez envergonhada com o que está a fazer, às vezes claramente preocupada com ser descoberta pelo guarda. Noutro, Pero olha para baixo para o pai, numa atitude talvez carinhosa, talvez condoída, talvez protetora. E, noutro modelo ainda, pouco recorrente, Pero olha para baixo, mas sem olhar para o pai, com um olhar ausente. Quanto à exposição do corpo de Pero, há pinturas em não se revelam os seios; outras em que se revela apena o seio que amamenta, outras em que, às vezes de forma talvez algo despropositada se revelam ambos os seios ou todo o corpo nu. Nalgumas obras, Pero faz-se acompanhar do seu próprio filho, o que, além de tornar explícita a razão de ela ter leite, dá uma outra dimensão à obra: Pero já não é só a filha que faz de mãe, é realmente mãe. Numa curiosa pintura atribuída a Niccolò Tornioli (imagem 12), a criança protesta, talvez por ter fome, sentindo-se preterida na amamentação. É também interessante constatar a presença do carcereiro ou de dois carcereiros que é comum nas representações da Caridade Romana. Veem-se quase sempre só rostos, geralmente por trás de grades e/ou no escuro. Parece-me fácil encontrar algo de voyeurismo nestes guardas. </p>
<p>Quero só, para terminar, chamar a atenção para dois aproveitamentos tardios deste motivo, ambos com tonalidades claramente ideológicas, se bem que muito diferentes um do outro (são as últimas imagens da série):</p>
<p>Numa obra do início do séc. XIX, Louis Hersent pinta uma índia a amamentar <a href="https://es.wikipedia.org/wiki/Bartolom%C3%A9_de_las_Casas" target="_blank">Bartolomé de Las Casas</a> que parece estar muito doente. A intenção da pintura é clara: mostrar que os índios («os selvagens», nas palavras do autor) tinham por Las Casas um amor igual ao que a Pero clássica devotava ao seu pai. É difícil decidir se a presença de um elemento masculino, um índio jovem, talvez companheiro da amamentadora, serve para deserotizar a cena ou se tem o efeito contrário, precisamente. </p>
<p>Numa obra de 1969, <i>Balada Guerrilheira</i> (<i>Партизанская баллад</i>), o pintor soviético/bielorrusso <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Mai_Dantsig" target="_blank">Mai Dantsig</a> usa o motivo numa representação heroica de uma cena da Segunda Guerra Mundial, em que uma guerrilheira amamenta um companheiro ferido.</p>
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqFrN2IfI0GzABUfq9a4zWKNviFATj-3C0vnskZUhgQJU-BefYHBnzeZmgVRYWmgmUgvbsYsgQ-dKlBS7uW7T0li0x1PeIBstRxkQwZ3hScE0Pqi9m-QfGEkI6jDzpValX00FbSMYd9-SIvMDkWWBIWVzxtUZSXL-e9F9IBVpCuKCqqn1HtMPtKokNOSY/s500/01%201538%20Georg_Pencz_-_Caritas_Romana%201538%20National_Museum_in_Warsaw%20B.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="01%201538%20Georg_Pencz_-_Caritas_Romana%201538%20National_Museum_in_Warsaw%20B" border="0" data-original-height="500" data-original-width="336" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqFrN2IfI0GzABUfq9a4zWKNviFATj-3C0vnskZUhgQJU-BefYHBnzeZmgVRYWmgmUgvbsYsgQ-dKlBS7uW7T0li0x1PeIBstRxkQwZ3hScE0Pqi9m-QfGEkI6jDzpValX00FbSMYd9-SIvMDkWWBIWVzxtUZSXL-e9F9IBVpCuKCqqn1HtMPtKokNOSY/s16000/01%201538%20Georg_Pencz_-_Caritas_Romana%201538%20National_Museum_in_Warsaw%20B.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">1. Georg Pencz, 1538</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaKzVMIDHThkFT9TbmgsmDtZQvVHlpOPQKSI9fsY7VOoN2N4U17JWlAG0PAhbRLBWwuLYxvyVe-6YDHaNEdDGDrQVxXFQVWMwFpp1MD8GpkKpJ37qzr6MqAO9Hw4qyWm95I6_yb7jJmc8Ogtq_4pCq-ML3PzjA1i9u3s3RVhwooRn0o5QGHAbmEHqif6c/s500/02%201540%20Sebald%20Beham%20B.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="02%201540%20Sebald%20Beham%20B" border="0" data-original-height="500" data-original-width="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiaKzVMIDHThkFT9TbmgsmDtZQvVHlpOPQKSI9fsY7VOoN2N4U17JWlAG0PAhbRLBWwuLYxvyVe-6YDHaNEdDGDrQVxXFQVWMwFpp1MD8GpkKpJ37qzr6MqAO9Hw4qyWm95I6_yb7jJmc8Ogtq_4pCq-ML3PzjA1i9u3s3RVhwooRn0o5QGHAbmEHqif6c/s16000/02%201540%20Sebald%20Beham%20B.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">2. Sebald Beham, 1540</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiselAsb6M2S-3Py7GM3jmhkb6AturCh3l5kZ6a8D_v_p0sATBfU-p8SJQ1i21pGGuN7tlsQkYybP-a_aodo9BwZCCxPnBzfn0CaQI4SVQW2r3_6G5GZtuI5JB6RUkcyAohN4TPHJ7O7DUWlalnmcvWIMbDpnWk2DR1gElDNI8GuCvldLZCaSkIw6364n4/s500/03%201612%20Pieter_Pauwel_Reubens%201612%20Hermitage.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="03%201612%20Pieter_Pauwel_Reubens%201612%20Hermitage" border="0" data-original-height="391" data-original-width="500" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiselAsb6M2S-3Py7GM3jmhkb6AturCh3l5kZ6a8D_v_p0sATBfU-p8SJQ1i21pGGuN7tlsQkYybP-a_aodo9BwZCCxPnBzfn0CaQI4SVQW2r3_6G5GZtuI5JB6RUkcyAohN4TPHJ7O7DUWlalnmcvWIMbDpnWk2DR1gElDNI8GuCvldLZCaSkIw6364n4/s16000/03%201612%20Pieter_Pauwel_Reubens%201612%20Hermitage.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">3. Peter Paul Rubens, 1612</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg4_SifO_9pugUaPOAveHkky8uXh6OkPPwS95rYVjGx6dI6iIvk38j1rlMwCLQGA42Ac4pRErdAl_vpVhNRD59X1zOxRQurEO1HtXZR8X8juGL8SIktsShNJ-DsAls6yvA0XYOl_H1l0VqDL2guE90JOzoabopjVPv6un7aszALmy85PYLOiDADtdNMaKE/s500/04%201620%20Dirck_Van_Baburen%20between%201618%20and%201624%20York%20Gallery.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="04%201620%20Dirck_Van_Baburen%20between%201618%20and%201624%20York%20Gallery" border="0" data-original-height="420" data-original-width="500" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg4_SifO_9pugUaPOAveHkky8uXh6OkPPwS95rYVjGx6dI6iIvk38j1rlMwCLQGA42Ac4pRErdAl_vpVhNRD59X1zOxRQurEO1HtXZR8X8juGL8SIktsShNJ-DsAls6yvA0XYOl_H1l0VqDL2guE90JOzoabopjVPv6un7aszALmy85PYLOiDADtdNMaKE/s16000/04%201620%20Dirck_Van_Baburen%20between%201618%20and%201624%20York%20Gallery.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">4. Dirck Van Baburen, entre 1618 e 1624</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKMSxX9whvZWQ9OmxEEs-TsfFILLJSzXW41hZ10yYdq77J615Fg89oUEngrk6Dstu50dGmus9vQM7VRLjyX93XFV-PdlMuJ581qPkWrz48TSvMNdzStJrJI0Ss27XT6Z9UXGnkdJftCPNRPrftac3yCS_L9wu4WHewQpfvG8sFbGTfrEW-mMY1jkPUs3c/s500/05%201622%20Hendrick%20ter%20Brugghen%201622%20MET.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="05%201622%20Hendrick%20ter%20Brugghen%201622%20MET" border="0" data-original-height="500" data-original-width="466" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjKMSxX9whvZWQ9OmxEEs-TsfFILLJSzXW41hZ10yYdq77J615Fg89oUEngrk6Dstu50dGmus9vQM7VRLjyX93XFV-PdlMuJ581qPkWrz48TSvMNdzStJrJI0Ss27XT6Z9UXGnkdJftCPNRPrftac3yCS_L9wu4WHewQpfvG8sFbGTfrEW-mMY1jkPUs3c/s16000/05%201622%20Hendrick%20ter%20Brugghen%201622%20MET.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">5. Hendrick ter Brugghen, 1622</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-Q1qDwh45ksxpBR7QEns7pF4s9kHylkA5OIkN7HE_CjOD3lAQCdg5s97oNTh6T2B83OGZIY8dSqKMrGD5GK9F0NRixYwMgT1HPFXy9TcavP1p5F9HQV3X6nym0sjjK4WU1eRveuAXNnduiW0U2WpD4PIx_3Eo8gr4xWbrHyvWWEjSntMcOt3XBUlOWcs/s500/06%201625%20Gaspar_de_Crayer%201620%201630%20Prado.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="06%201625%20Gaspar_de_Crayer%201620%201630%20Prado" border="0" data-original-height="500" data-original-width="358" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-Q1qDwh45ksxpBR7QEns7pF4s9kHylkA5OIkN7HE_CjOD3lAQCdg5s97oNTh6T2B83OGZIY8dSqKMrGD5GK9F0NRixYwMgT1HPFXy9TcavP1p5F9HQV3X6nym0sjjK4WU1eRveuAXNnduiW0U2WpD4PIx_3Eo8gr4xWbrHyvWWEjSntMcOt3XBUlOWcs/w458-h640/06%201625%20Gaspar_de_Crayer%201620%201630%20Prado.jpg" width="458" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">6. Gaspar de Crayer, entre 1620 e 1630</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqk9TzrIiILsoDE967YoRDZOBpp0sLhNC2B9rhxzf0bx8kxbhV7lTYBaWAphjorixMw6O3iS6yvuosrIau_bZEehKMgnrOox4ps_MtbaZOvM3H6rg6FJ4H9LJk62DAZBvT1QZ8jDtPI4025ZHFbVwIZsfhOsvhFTkrR1SL7YANWBq76A_gX8twLmOX_JA/s500/07%201630%20Peter_Paul_Ruben%201630%20Rijksmuseum.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="07%201630%20Peter_Paul_Ruben%201630%20Rijksmuseum" border="0" data-original-height="412" data-original-width="500" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiqk9TzrIiILsoDE967YoRDZOBpp0sLhNC2B9rhxzf0bx8kxbhV7lTYBaWAphjorixMw6O3iS6yvuosrIau_bZEehKMgnrOox4ps_MtbaZOvM3H6rg6FJ4H9LJk62DAZBvT1QZ8jDtPI4025ZHFbVwIZsfhOsvhFTkrR1SL7YANWBq76A_gX8twLmOX_JA/s16000/07%201630%20Peter_Paul_Ruben%201630%20Rijksmuseum.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">7. Peter Paul Ruben, 1630</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisk0rUr_6JZgO-qb1EUJr9qpndX7FfKhgNZegu30E7fBbj-2m4V7_BoTL-5Fyj9Og-yh8rdieHwgVZz3JrAygaNqMnRUgwMkqeEDpdUn8WQQp6V4GyZPLUmEli6G0aP8n8dJURa9QO8LUc-YB-6tuXMUuV7IflDBlaVzO9u6y0eoAAPgMylsXPLsEYDGg/s500/08%201634%20Johannes%20Cornelisz%20Verspronck%20%201633-35.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="08%201634%20Johannes%20Cornelisz%20Verspronck%20%201633-35" border="0" data-original-height="435" data-original-width="500" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEisk0rUr_6JZgO-qb1EUJr9qpndX7FfKhgNZegu30E7fBbj-2m4V7_BoTL-5Fyj9Og-yh8rdieHwgVZz3JrAygaNqMnRUgwMkqeEDpdUn8WQQp6V4GyZPLUmEli6G0aP8n8dJURa9QO8LUc-YB-6tuXMUuV7IflDBlaVzO9u6y0eoAAPgMylsXPLsEYDGg/s16000/08%201634%20Johannes%20Cornelisz%20Verspronck%20%201633-35.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">8. Johannes Cornelisz Verspronck, entre 1633 e 1635</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBMWKZCgPfsOfKAHVmbyVZQ48wBa77lWw7sYOLL2-mZz5wCfBhoGq0yxWv-oyg6rnNsNRaO5ESCj-Q2EwY9t1_0Dw79-6Vg9eCjIF4pcbl6Plf68bo7pna7AkWrpm1TvE3kF2G6nggVz6vOPrOlnSUFCsOHVeQ2Wu5J9C1oudwuv2ZFUznwVsPE9lcy7E/s500/09%201640%20Pieter_van_Mol%201630%201650.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="09%201640%20Pieter_van_Mol%201630%201650" border="0" data-original-height="447" data-original-width="500" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiBMWKZCgPfsOfKAHVmbyVZQ48wBa77lWw7sYOLL2-mZz5wCfBhoGq0yxWv-oyg6rnNsNRaO5ESCj-Q2EwY9t1_0Dw79-6Vg9eCjIF4pcbl6Plf68bo7pna7AkWrpm1TvE3kF2G6nggVz6vOPrOlnSUFCsOHVeQ2Wu5J9C1oudwuv2ZFUznwVsPE9lcy7E/s16000/09%201640%20Pieter_van_Mol%201630%201650.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">9. Pieter van Mol, entre 1630 e 1650</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjeQAi-FGUzzGyY4Z8DHb-RgBAyq98La2sRaKvfkqb86lpQ4SCXz1zHHq5ix-77miat4eZt7M6HFu9uQqUSkb1YLGWLS8oy681HcTDUemHjwjTVRLhz5OAKdljGIA2xTXX0hZis4-QLATVI8s2McbP012J273BuRG1hs7mqvfZK40oZ8qXA_GUcBD8lJ7w/s500/10%201645%20Gaspar_de_Crayer%201645%20Epiarte%20Col.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="10%201645%20Gaspar_de_Crayer%201645%20Epiarte%20Col" border="0" data-original-height="387" data-original-width="500" height="495" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjeQAi-FGUzzGyY4Z8DHb-RgBAyq98La2sRaKvfkqb86lpQ4SCXz1zHHq5ix-77miat4eZt7M6HFu9uQqUSkb1YLGWLS8oy681HcTDUemHjwjTVRLhz5OAKdljGIA2xTXX0hZis4-QLATVI8s2McbP012J273BuRG1hs7mqvfZK40oZ8qXA_GUcBD8lJ7w/w640-h495/10%201645%20Gaspar_de_Crayer%201645%20Epiarte%20Col.jpg" width="640" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">10. Gaspar de Crayer, 1645</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjSzgcfsGeGqa8BBq6aW-6XmEL_azn_UDp8YSAD09clh1PmJH1X-Fgj31r9hUVpPXcoAE8rbHYiMmiLMxWxWEXF5upG8yzKRanlEdJewT1MTbAim0eEHjMi3UZBcuVlz-NUEKvin_w6OiMcOP7KocojjPKUXFi-L2lfHdGou5ORNjBbCFfbOIflb_liR9A/s500/11%201648%20Giovanni_Andrea_Sirani%20Meados%20do%20s%C3%A9c.%20XVII.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="11%201648%20Giovanni_Andrea_Sirani%20Meados%20do%20s%C3%A9c" border="0" data-original-height="500" data-original-width="376" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjSzgcfsGeGqa8BBq6aW-6XmEL_azn_UDp8YSAD09clh1PmJH1X-Fgj31r9hUVpPXcoAE8rbHYiMmiLMxWxWEXF5upG8yzKRanlEdJewT1MTbAim0eEHjMi3UZBcuVlz-NUEKvin_w6OiMcOP7KocojjPKUXFi-L2lfHdGou5ORNjBbCFfbOIflb_liR9A/w301-h400/11%201648%20Giovanni_Andrea_Sirani%20Meados%20do%20s%C3%A9c.%20XVII.jpg" width="301" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">11. Giovanni Andrea Sirani, meados do séc. XVII</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgYEFBTzq42Bn2ASzYaayLKm-GXAhqe02Ke3WC6pn2vhFb-N9cMYPlT6usaW-C_K-_5ej3vom_9kSmYQ51JmmgfZo74-LUlbb052t2V9DtXW1Zp6K6MilIfcyChg79lkli4fEQ9KjC-yBc7cMVUrHm7DziEiLaCpALDui_FLkZolHuC9glFN9kvrMXgHcc/s500/12%201648%20Niccolo%20Tornioli%201645%201650.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="12%201648%20Niccolo%20Tornioli%201645%201650" border="0" data-original-height="500" data-original-width="380" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgYEFBTzq42Bn2ASzYaayLKm-GXAhqe02Ke3WC6pn2vhFb-N9cMYPlT6usaW-C_K-_5ej3vom_9kSmYQ51JmmgfZo74-LUlbb052t2V9DtXW1Zp6K6MilIfcyChg79lkli4fEQ9KjC-yBc7cMVUrHm7DziEiLaCpALDui_FLkZolHuC9glFN9kvrMXgHcc/s16000/12%201648%20Niccolo%20Tornioli%201645%201650.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">12. Niccolò Tornioli, entre 1645 e 1650</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEglDxDHTJwPE6xM5iHJ8BGjHjjl2vX9Jw8sd_WF6gcwNDVsXjJjqozGiClzeA94c5D9vVs4oNXkxhpXzCZFY3bhGGSKbJ_FS1fJUpcQFP0MDF26b2YcOuk3WfEra4ho3uDPyFZCVNP1A3ra8aHHILkA57eqoWykyNJ9nj_7DWotmsPYS3AL0SM8DwLjK7s/s500/13%20An%C3%B3nimo%201650%20.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="13%20An%C3%B3nimo%201650%20" border="0" data-original-height="500" data-original-width="403" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEglDxDHTJwPE6xM5iHJ8BGjHjjl2vX9Jw8sd_WF6gcwNDVsXjJjqozGiClzeA94c5D9vVs4oNXkxhpXzCZFY3bhGGSKbJ_FS1fJUpcQFP0MDF26b2YcOuk3WfEra4ho3uDPyFZCVNP1A3ra8aHHILkA57eqoWykyNJ9nj_7DWotmsPYS3AL0SM8DwLjK7s/s16000/13%20An%C3%B3nimo%201650%20.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">13. Anónimo, 1650</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdxkfn7Oka8zvEORyOYIUrArHrzD58YbOYfVYdVW6CaElmuW8zsv02jbzz2sbn1hB-LvI8weXGH1LY0qoqQ_uDEO7eR7NPdoQlumD6e1Qv37PLX6_q6XNdhnIJod-RcrxrIVgziteVb2sTdjMZJAbZuYeQRECkUPcjVFXQuCP0SrRdV7Vi5uYI0_roIS4/s500/14%201655%20Gerard_van_Honthorst%20%2016XX%20Bavarian_State_Painting_Collections.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="14%201655%20Gerard_van_Honthorst%20%2016XX%20Bavarian_State_Painting_Collections" border="0" data-original-height="414" data-original-width="500" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhdxkfn7Oka8zvEORyOYIUrArHrzD58YbOYfVYdVW6CaElmuW8zsv02jbzz2sbn1hB-LvI8weXGH1LY0qoqQ_uDEO7eR7NPdoQlumD6e1Qv37PLX6_q6XNdhnIJod-RcrxrIVgziteVb2sTdjMZJAbZuYeQRECkUPcjVFXQuCP0SrRdV7Vi5uYI0_roIS4/s16000/14%201655%20Gerard_van_Honthorst%20%2016XX%20Bavarian_State_Painting_Collections.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">14. Gerard van Honthorst, meqados do séc. XVII</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgk9ot_d8sI7Ss8TKOw0ImxtoDKuo2AgZp99C67RUOvW_4bVeAVXjdPqCYO8ufr5_o5DELBxKIUZFoXllaaOZXniBN3POMZosCoyQtcZYBm2SKHk8otIXZwjjsPzoIewjnLGnKMl_yVkeOWuN9K9fxb5IUIovPvz8oZ4IBhinZCfWh6djJUkUuiVso3oDE/s500/15%201670%20Presumably%20Lorenzo%20Pasinelli%20circa%201670%20National_Museum_of_Art,_Architecture_and_Design.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="15%201670%20Presumably%20Lorenzo%20Pasinelli%20circa%201670%20National_Museum_of_Art,_Architecture_and_Design" border="0" data-original-height="500" data-original-width="410" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgk9ot_d8sI7Ss8TKOw0ImxtoDKuo2AgZp99C67RUOvW_4bVeAVXjdPqCYO8ufr5_o5DELBxKIUZFoXllaaOZXniBN3POMZosCoyQtcZYBm2SKHk8otIXZwjjsPzoIewjnLGnKMl_yVkeOWuN9K9fxb5IUIovPvz8oZ4IBhinZCfWh6djJUkUuiVso3oDE/s16000/15%201670%20Presumably%20Lorenzo%20Pasinelli%20circa%201670%20National_Museum_of_Art,_Architecture_and_Design.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">15. Provavelmente Lorenzo Pasinelli, cerca de 1670</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjgv534KbvTzg7JWQfavKiIpBGCBv1Zpb2cJPo_BQ53i2Za_kaEEU8fM2F0qINoYvI9tYu50H2SAg5LoWXTSh2SGjoSWubu4wESMXkPqKfAX654Bn48nUyW7o_xObexBF3Hx9xHaGedVnHwfPSYP2psySrrXug7CaXia5yp422vQCkj30Dx5rdKkkdwg7Q/s500/16%201690%20Carlo_Cignani%201690%201700%20Kunsthistorisches_Museum.jpg" style="clear: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="16%201690%20Carlo_Cignani%201690%201700%20Kunsthistorisches_Museum" border="0" data-original-height="427" data-original-width="500" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjgv534KbvTzg7JWQfavKiIpBGCBv1Zpb2cJPo_BQ53i2Za_kaEEU8fM2F0qINoYvI9tYu50H2SAg5LoWXTSh2SGjoSWubu4wESMXkPqKfAX654Bn48nUyW7o_xObexBF3Hx9xHaGedVnHwfPSYP2psySrrXug7CaXia5yp422vQCkj30Dx5rdKkkdwg7Q/s16000/16%201690%20Carlo_Cignani%201690%201700%20Kunsthistorisches_Museum.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">16. Carlo Cignani, entre 1690 e 1700</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-tsigvQOdH00FfGNMyCFNBHdlzGCijTeyE_edpFp7UoO0weiydp2F4OscuM3Th7zqPDaAkA59TKLeMgMEG9VCvB-VwPpL7PMMRpjc3Vv5NueYkJ_bneUETxs31JHYGg8qqGKENuTXdY6BEJWVdozdWHuLfeZIL3FBjAxpDGklZCWkZpL39-a7AeLCAgY/s1024/31%201808%20Louis%20Hersent%20Las%20Casas%20malade%20soign%C3%A9%20par%20les%20sauvages%201808.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto; text-align: center;"><img alt="31%201808%20Louis%20Hersent%20Las%20Casas%20malade%20soign%C3%A9%20par%20les%20sauvages%201808" border="0" data-original-height="822" data-original-width="1024" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh-tsigvQOdH00FfGNMyCFNBHdlzGCijTeyE_edpFp7UoO0weiydp2F4OscuM3Th7zqPDaAkA59TKLeMgMEG9VCvB-VwPpL7PMMRpjc3Vv5NueYkJ_bneUETxs31JHYGg8qqGKENuTXdY6BEJWVdozdWHuLfeZIL3FBjAxpDGklZCWkZpL39-a7AeLCAgY/s16000/31%201808%20Louis%20Hersent%20Las%20Casas%20malade%20soign%C3%A9%20par%20les%20sauvages%201808.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">Louis Hersent: Las Casas doente tratado pelos selvagens, 1808</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgUPLQRjFwaapOvzKqPFWlX9C-DK9v3tFGsPDuQvAzfOZQ3lOQ93MKvCW56w-qToa8ZPl7u__OebY_Z2QPNWvgNIkAGoCdaCZh6ez5Z0KpOHM1CIXi15jWPlOelr-qb_Pt0b51frXbJmrnp9kfHUayo_j8xxcJQE0biM4EysZqsEsqIm90m7Txm3IZSSdc/s1033/Mai%20Dantsig%20Partisan%20Ballad%201969.jpg" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="Mai%20Dantsig%20Partisan%20Ballad%201969" border="0" data-original-height="1033" data-original-width="1024" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgUPLQRjFwaapOvzKqPFWlX9C-DK9v3tFGsPDuQvAzfOZQ3lOQ93MKvCW56w-qToa8ZPl7u__OebY_Z2QPNWvgNIkAGoCdaCZh6ez5Z0KpOHM1CIXi15jWPlOelr-qb_Pt0b51frXbJmrnp9kfHUayo_j8xxcJQE0biM4EysZqsEsqIm90m7Txm3IZSSdc/s16000/Mai%20Dantsig%20Partisan%20Ballad%201969.jpg" /></a>
</td>
</tr>
<tr>
<td class="tr-caption" style="text-align: center;">Mai Dantsig, Balada Guerrilheira, 1969</td>
</tr>
</tbody>
</table><br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left;">
<tbody>
<tr>
<td style="text-align: left;">
<span style="color: #660000;">Sobre a proveniência das imagens: a grande maioria são imagens do domínio público, com uma licença Creative Commons, encontradas na Wikipedia. Quanto às poucas que o não são, creio que o seu uso se pode considerar </span><i style="color: #660000;">legítimo, </i><span style="color: #660000;">nos moldes e no contexto em que aqui as utilizo.</span>
<div>
<p><br />
_________________<br />
<br /></p>
<p>Notas:</p>
<p><br />
<b><span style="color: #660000;">[1]</span></b> Pode descarregar-se uma apresentação de Power Point com uma coleção de mais de meia centena de pinturas e esculturas com este motivo <a href="https://assaffeller.com/%d7%99%d7%a6%d7%99%d7%a8%d7%95%d7%aa-%d7%90%d7%9e%d7%a0%d7%95%d7%aa/%d7%94%d7%97%d7%a1%d7%93-%d7%94%d7%a8%d7%95%d7%9e%d7%90%d7%99" style="font-size: large;" target="_blank">no site de Assaf Feller</a>. </p>
<p>Também há <a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/Category:Paintings_of_Roman_Charity" target="_blank">uma página da Wikipédia</a> que reúne mais de meia centena de pinturas com este motivo.</p>
<p><b><span style="color: #660000;">[2]</span></b> Traduzido do latim com Google translate e um bocadinho de bom senso:</p>
<blockquote>
<p>No tribunal, o procônsul condenou uma mulher, por crime capital, à morte na prisão. Quando ela foi recebida na prisão, o encarregado da guarda, levado pela compaixão, não a estrangulou imediatamente; mas, ao fim de vários dias, começou a interrogar-se sobre como se sustinha tanto tempo e, observando-a mais de perto, viu que a filha dela lhe matava a fome com leite do seu peito. A notícia deste espetáculo, tão maravilhoso, foi por ele transmitida ao triúnviro, e do triúnviro ao pretor, e do pretor ao conselho de juízes, e levou a que fosse perdoada a pena à mulher. (…)</p>
<p>A mesma qualidade se deve considerar que tinha a piedade de Pero, que, tendo tido o seu pai Mícon uma fortuna semelhante, e tendo-lhe sido entregues a ela os cuidados da sua velhice, cuidou dele como se fosse uma criança criada no seu peito.</p>
</blockquote>
<p><b><span style="color: #660000;">[3]</span></b> Para uma análise profunda e abrangente do tema, no contexto da representação do aleitamento na arte ocidental, aconselho a obra da historiadora Jutta Gisela Sperling <i>Roman Charity, Queer Lactations in Early Modern Visual Culture</i>, disponível em Acesso Aberto (pode descarregar-se <a href="https://library.oapen.org/handle/20.500.12657/31838" target="_blank">aqui</a>) Jutta Sperling refere a questão da proibição de relações sexuais com lactantes e acrescenta, entre muitas outras, a interessante ideia de que a Caridade Romana é uma imagem de reforço simbólico do poder paterno, porque, por um lado, faz desaparecer uma das figuras responsáveis pela transmissão da linhagem, a mãe (já não é ela a figura lactante), e implica, por outro lado, uma submissão extrema da filha (dos filhos em geral) ao pai.</p>
</div></td></tr></tbody></table>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-88072683274525920742023-12-03T16:17:00.004+02:002023-12-05T18:47:56.752+02:00 Mais uma estranha história de Natal [Crónicas de Svenddborg #48]<p><br /></p><p>Uma vez contei aqui <a href="https://llindegaard.blogspot.com/2011/12/conto-de-natal.html" target="_blank">uma maravilhosa história de Natal</a> que se passou connosco em Moçambique e que vos aconselho, se a não leram ainda. E como estamos agora a entrar nessa quadra, conto-vos outra. Não é tão bonita como a primeira, mas é como ela bastante surpreendente.</p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgr2wh1icrHtnnaTklbAKWXikubli3X_BBJzlq-kShQaNjKJRt7ZEZj_FwyT-nnTgGft_K8XGWlTQlxFMcQp1xDppOj7_bT4URtZHGEWxkAU2676pRrg_xxdezQkYYPQtmyYlzMD0a7mvbnHVqVsSFbzjgEkTAcvMn6TqndStiC_zYNBaqpksrVWWq3TSo/s4032/IMG-0358.jpg" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="3024" data-original-width="4032" height="300" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgr2wh1icrHtnnaTklbAKWXikubli3X_BBJzlq-kShQaNjKJRt7ZEZj_FwyT-nnTgGft_K8XGWlTQlxFMcQp1xDppOj7_bT4URtZHGEWxkAU2676pRrg_xxdezQkYYPQtmyYlzMD0a7mvbnHVqVsSFbzjgEkTAcvMn6TqndStiC_zYNBaqpksrVWWq3TSo/w400-h300/IMG-0358.jpg" width="400" /></a></div>No princípio de 2023, se não me falha a memória (ou teria sido logo a seguir ao Natal?, a memória falha‑me muito…), recebemos uma estranha carta: vinha da Suécia e estava endereçada a Karen e Jan Lindegaard, no nº 3 da Slotsalléen. Nós moramos no nº 30. Era estranho recebermos uma carta para outro casal Lindegaard que nós nem sonhávamos que existisse aqui na aldeia; e mais ainda termos recebido uma carta para o nº 3. Estes serviços de correio! A explicação era, com certeza, o facto de morar aqui uma Karen Lindegaard — devia ter sido isso a causar a confusão.<p></p><p>Mas, afinal, não tinham sido os serviços de correio a entregar aqui a carta. Fomos logo ao nº 3, claro está, entregar o postal na morada certa, e ficámos a saber que não moravam lá nenhuns Lindegaard, e nem nenhuma Karen nem nenhum Jan. Tinham sido os moradores do nº 3 que, depois de uma breve pesquisa, tinham descoberto que havia uma Karen Lindegaard no nº 30 e nos tinham vindo pôr a carta na caixa do correio. </p><p>Lindegaard não é um apelido comum, mas é originário daqui da Fiónia, ao que parece, e há aqui na região mais Lindegaards que no resto do país. Mas, por mais que procurássemos, não conseguimos descobrir mais nenhuns Lindegaards aqui em Troense e arredores. </p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQ3L-GMWbsCYdOdx8fXicCWpcDr7p46jga6GP72vjZObx10nAZ31oMxfxHsoEd4MiqDPC0yt9-HxhFW45l6BsXikZ-MeL4ern4Lvk5NVmVYeXGJUIAVRZRdVlwk9YhOidvPWV_ussPmmlaHKIAuYZhsRJlZsONW_rkQlOFE2Ny6SjtdKKHgqYbWhlPs6A/s4032/Postcard%20BLOGUE.jpg" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="4032" data-original-width="3024" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQ3L-GMWbsCYdOdx8fXicCWpcDr7p46jga6GP72vjZObx10nAZ31oMxfxHsoEd4MiqDPC0yt9-HxhFW45l6BsXikZ-MeL4ern4Lvk5NVmVYeXGJUIAVRZRdVlwk9YhOidvPWV_ussPmmlaHKIAuYZhsRJlZsONW_rkQlOFE2Ny6SjtdKKHgqYbWhlPs6A/w480-h640/Postcard%20BLOGUE.jpg" width="480" /></a></div>Decidimos abrir o envelope. Tinha lá dentro um postal feito à mão. Uma colagem com duas crianças ao fundo e o que parece ser um cão em primeiro plano, e votos de bom Natal, em sueco, de uma família Nordström. Nós não conhecemos nenhuma família Nordström. E porque havíamos de conhecer? O postal não era para nós. Ou era? Alguém que pensava que a Karen estava casada com um Jan? No nº 3 da nossa rua? <p></p><p>Nada disto faz muito sentido. O postal, bom, há quem encontre algo sinistro na simpática foto familiar, mas isso também é ir longe demais, não vos parece? Há 20 anos, tudo isto me teria servido de inspiração para um conto do género fantástico. (E escrevo «um conto do género fantástico», porque, se escrever só «um conto fantástico», sou capaz de ser treslido como pretensioso…). Agora, serve só para um post de blogue… </p><p>Notem que os retângulos negros a cobrir os olhos dos miúdos não existem no postal original, também não exageremos na estranheza da missiva. Fui eu que os lá pus, para publicar a foto, porque não quero publicar fotos reconhecíveis de pessoas que não me deram autorização para as publicar.</p><div><br /></div><p></p>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-91332085678175347532023-12-01T22:43:00.001+02:002023-12-04T09:46:30.813+02:00Espelho<p>Depende de quanto se quer recuar no tempo, claro está, mas, se aceitarmos ir longe, <b>espelho </b>é da família de <b>escopo</b>, de <b>especular </b>(a relação com o adjetivo é direta, mas também é da família do verbo), de <b>espetáculo</b>, de <b>espião</b>, de <b>expetativa </b>e das outras palavras diretamente relacionadas com estas cinco; e também daqueles elementos <b>-scópio</b> e <b>-scopia</b>, que há nos <b>microscópios</b> e em muitos outros aparelhos e nas <b>radioscopias </b>e outras observações…</p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhciY4cesumchoL8TMxAeGPVhD65gvxsiyYbFYHs0fhjVbq8jZgRO1EZEDIYFpPwd__ogz4JBixvRhHr_qCVJlQkCNDT-Bu2r-8nYXSn2WV1sSFmB7RtTBzjDVvP08Szc3fMyX3ciPhZHEC_euCUUB-MmIhXm7ta-znoM4SUxoYipGNptSLsowL2t4BRzY/s1024/francesco-mazzola-called-parmigianino-self-portrait-in-a-convex-mirror-google-287a80.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="1007" data-original-width="1024" height="629" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhciY4cesumchoL8TMxAeGPVhD65gvxsiyYbFYHs0fhjVbq8jZgRO1EZEDIYFpPwd__ogz4JBixvRhHr_qCVJlQkCNDT-Bu2r-8nYXSn2WV1sSFmB7RtTBzjDVvP08Szc3fMyX3ciPhZHEC_euCUUB-MmIhXm7ta-znoM4SUxoYipGNptSLsowL2t4BRzY/w640-h629/francesco-mazzola-called-parmigianino-self-portrait-in-a-convex-mirror-google-287a80.jpg" width="640" /></a></div>Vem tudo de um *<i><b>spek</b></i>- que quase de certeza existiu há muito tempo para dizer «ver, observar» e que dá <b>espelho </b>em várias línguas latinas (<b>espello</b>, <b>espeyu</b>, <b>espejo</b>, <b>specchio</b>...) e em várias línguas germânicas (<b>Spiegel</b>, <b>spiegel</b>, <b>spejl</b>, <b>speil</b>, <b>spegel</b>...)<p></p><p>Noutras línguas próximas da nossa, vem o <b>espelho </b>de outra palavra latina que inicialmente queria dizer «admirar» e que deu em português, além do <b>admirar </b>propriamente dito, <b>mirar </b>e <b>milagre</b>, pelo menos.</p><p>E é assim: <b>miramo-nos</b> ao espelho e em vez de termos *<i>espelhismos</i>, como os espanhóis (<b><i>espejismos</i></b>), temos <b>miragens</b>.</p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><br /></p><p><span style="white-space: normal; white-space: pre;"> </span></p><p>Parmigianino (Girolamo Mazzola): Autorretrato num espelho convexo (1523 ou 1524). Óleo sobre uma círculo de madeira convexo com 24.4 cm de diâmetro. Kunsthistorisches Museum, Viena </p><div><br /></div>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2874386790023925718.post-35966315747794061892023-12-01T20:35:00.007+02:002023-12-01T22:48:49.694+02:00Sinais de desincentivo sem muita espessura<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgy_LUvRrDYvyH_IfH9OgNKo9S6gzbOhU3FJMfRv3PzJN4D7LKOFkETab1ppCJNDRO-pANpV4iSrxYJ9JiaU6skWiAVSSUQz1i2Lc5EVNCvc7etwD8Er-ngZAewaBwP32GU7KJyqNa78TZe7Tltd-qbNPreZ5FlzIP_68AHVLsNhyphenhyphenKl2fcwnZ9wteEgcMA/s3371/IMG-0627.jpg" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="2384" data-original-width="3371" height="283" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgy_LUvRrDYvyH_IfH9OgNKo9S6gzbOhU3FJMfRv3PzJN4D7LKOFkETab1ppCJNDRO-pANpV4iSrxYJ9JiaU6skWiAVSSUQz1i2Lc5EVNCvc7etwD8Er-ngZAewaBwP32GU7KJyqNa78TZe7Tltd-qbNPreZ5FlzIP_68AHVLsNhyphenhyphenKl2fcwnZ9wteEgcMA/w400-h283/IMG-0627.jpg" width="400" /></a></div>Uma campanha dinamarquesa engraçada: a faz-de-conta-que-acidentada tabuleta diz «Diminua a velocidade. Só um bocadinho.» Imagino que, antes de a lançarem, tenham feito um estudo sobre se a tabuleta não distrairia os condutores... <p></p><p>A propósito de estudos e de velocidade, já vi vários estudos que concluem uma relação direta entre velocidade permitida e número e gravidade de acidentes rodoviários. Baixar os limites de velocidade é uma maneira simples de evitar acidentes e salvar vidas, mas é uma medida impopular, não é?</p><p>Já agora, e a propósito de coisas recortadas à beira da estrada: na Turquia, vi muitas vezes carros da polícia de contraplacado ou algum material semelhante, para ver se os condutores desaceleravam um bocadinho quando os viam. Li algures que funcionam. </p><iframe allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen="" frameborder="0" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/H-d_NoPGURY?si=nNPtNclM8Y6WSb_S" title="YouTube video player" width="560"></iframe><p>É de notar, a propósito, que a função da polícia deve ser desincentivar a infração mais do que caçar infratores. Em França, por exemplo, são normalmente anunciadas as zonas com radares para medir a velocidade. E de certeza que salva mais vidas levar as pessoas a reduzir a velocidade em zonas perigosas que passar multas aos que já ultrapassaram a velocidade permitida – embora isso, claro, também tenha de se fazer, porque a punição do incumprimento é condição essencial para a existência duma regra, mesmo que esta se queira fundamentalmente dissuasora. </p><p>Mudando um bocadinho de tema, mas continuando no contraplacado e no desincentivo, aqui em Troense houve um ano em que se viam nos campos raposas recortadas a servir de espantalho, mas não deve ter funcionado bem, porque há anos que as não vejo. Não vejo na net nenhuma raposa igual às que aqui vi, mas encontro <a href="https://agrivos.nl/en/product/scarecrow-ketrop-fox-with-movable-tail/" target="_blank">uma de borracha, com rabo de pelo que esvoaça ao vento</a> e <a href="https://landbrugsavisen.dk/ulv-og-mennesker-i-f%C3%A6lles-front-mod-g%C3%A6s" target="_blank">um lobo</a> e <a href="https://www.thepondguy.com/product/de-coy-ote-decoy/" target="_blank">coiotes</a> usados para esse mesmo fim.</p><div><br /></div>Vítor Lindegaardhttp://www.blogger.com/profile/06993438398319242184noreply@blogger.com0