21/05/09

A cidade de Nimis e a floresta de Oma

Em Maio de 1993, numa viagem que fiz à Suécia, levaram-me a visitar Nimis. Eis o que eu escrevi sobre esse estranho lugar num caderninho chinês que levava comigo.
Nimis fica no Sul da Suécia e é uma teimosia, uma coisa de amor e de obsessão. Vou contar o que me contaram.
Lars Vilks tinha uma tese para fazer e queria fazê la sobre os limites da arte: o que é uma obra de arte?; o que é que ainda é arte ou já não é arte, onde ficam as fronteiras?
Foi a um parque natural, desses em que é tudo proibido, cortar as plantas, mexer nelas, construir seja o que for, e começou, num amontoado de rochas à beira-mar, a juntar paus que o mar trazia e troncos velhos, e a empilhá-los e a atá-los, e a ordená-los, enfim, na forma de uma cidade bizarra que trazia na cabeça.
Soube-se da construção e começou a disputa com as autoridades, que oficialmente nunca acabou. O município dizia que ali não se podia construir. Lars Wilks respondia que aquilo não era construir, mas antes criar arte e que não havia lei contra isso. O município retorquia que era construir, sim senhor – um edifício muito esquisito, mas ainda assim um edifício. Et cetera.
Uma vez, tentaram destruir Nimis, pegando-lhe fogo, mas Nimis não ardeu completamente e Lars Wilks começou logo a reconstruir as partes queimadas. A primeira coisa que fez depois do fogo para robustecer a sua obra foi encher de pregos os paus, para não poderem arder com facilidade. E Nimis foi sempre ficando e crescendo. Todos os dias, Lars Wilks ia juntando troncos e paus à cidade fantástica de troncos e paus. Começou a vir gente ver a obra de arte que nunca parava de crescer.
Um dia, Lars Vilks fez uma venda simbólica de Nimis a um artista conceptual alemão, que morreu pouco depois. Foi uma venda simbólica, porque o artista alemão pagou por Nimis uma soma simbólica, mas foi uma verdadeira venda, no sentido em que foram cumpridos todos os requisitos legais que a venda de uma obra de arte implica. E foi outra polémica. A ideia era obrigar as autoridades locais a deixar Nimis em paz, porque a lei sueca diz que não se pode tocar na propriedade de um estrangeiro. O município, porém, insistia em que ele não tinha o direito de vender Nimis como se fosse um quadro ou uma escultura, porque não era uma coisa móvel, tinha alicerces num terreno que não lhe pertencia. Mas Lars Vilks argumentava que não havia alicerces de facto, que era só a estrutura mínima de que a obra precisava para se manter de pé, como muitas esculturas têm.
A pouco e pouco, a teimosia de Lars Wilks acabou por se impor. As autoridades municipais foram-se cansando de tão grande luta sobre o que começaram a achar, afinal, tão pouco, e acabaram por aceitar Nimis como um facto consumado.
Agora o que é engraçado é que, já passados a tese e o auge da grande discussão com as autoridades municipais sobre onde começa e onde acaba uma obra de arte, Lars Vilks apaixonou-se por Nimis. Febrilmente, obsessivamente. Nota-se-lhe essa febre na maneira ansiosa como os pregos torcidos e as tábuas tortas nunca são endireitados, na pressa desorganizada das formas, no espaço todo que é deixado a acasos. Já lá vão mais de 10 anos e Lars Vilks continua, impacientemente, o seu trabalho. Como já não lhe chegavam os troncos e a madeira velha, começou a usar pedras e cimento também. Começou a mobilar com restos de livros rasgados que prega à parede uma das salas da sua cidade: aqui é a biblioteca. Quem sabe, virá depois um asilo para velhos e uma estação de caminho de ferro.
Toda a gente que se interessa por Nimis acredita que Lars Vilks há-de continuar sempre o seu trabalho, até morrer.
Retoquei um bocadinho o texto, mas muito pouco, e não foi o suficiente para o aliviar de incorrecções e lacunas. Entre outras coisas, conviria explicar que a construção de pedras e cimento que Lars Vilks tinha começado pouco antes da minha visita não é Nimis, mas sim Arx. Outra coisa, outra obra. E chegou a haver uma terceira, que foi removida… O melhor, para ficarem a saber mais sobre Nimis, que entretanto se transformou numa micronação, é darem uma voltinha à Wikipédia ou à página oficial da nação em que se Nimis tornou. De Nimis é tudo o que sei e do bosque de Oma sei ainda menos.
Eu morava no Bairro Alto, nessa altura. Em 94, foi viver lá para casa um amigo meu com quem eu acabava de retomar um contacto perdido durante muitos anos, e passávamos muitos serões à conversa. Era um prazer ouvi-lo: contava histórias interessantes das muitas viagens que tinha feito e tinha muitas vezes propostas de novas viagens, umas mais exequíveis do que as outras… Foi ele quem me propôs fazermos uma viagem ao País Basco, perto de Guernica, para irmos ver uma floresta mágica. A viagem mais simples e mais barata das muitas que propôs:
“É um floresta pintada. Quer dizer, a floresta é a própria pintura. Há quem pinte em papel, há quem pinte em tela, há quem pinte murais e este tipo, olha…, pinta florestas! Não é pintar uma árvore aqui e outra ali, não é isso – a pintura é a floresta toda!”
Não sei se me disse o nome do pintor, mas, se mo disse, nunca o fixei. A ideia era boa e combinámos mais de uma vez datas concretas para a viagem, mas, já não sei por quê, acabámos por nunca ir. Lembro-me de que tentei muitas vezes imaginar como seria uma “pintura sobre floresta”, sem nunca conseguir imaginar nada de muito concreto.
Durante muitos anos, esqueci-me completamente dos bosques pintados do país basco. Até que ontem, de repente, me lembrei de Nimis, que também estava esquecida há uns anos, e da floresta pintada. Fiz uma pesquisazinha na internet e fiquei finalmente a saber como é o bosque de Oma, pintado por Agustín Ibarrola. E quero agora apresentar-vo-lo. Se não se importarem de ter um bolero de Antonio Machín como música de fundo, podem ver um diaporama que dá uma boa ideia da obra; se não gostarem de boleros, há muitas fotos na Wikipedia e noutros sítios… Um senhor chamado Iker, por exemplo, tem uma página com bonitas fotos do bosque, em que explica que, “dependendo de onde a gente se ponha, formam-se figuras muito curiosas. É surpreendente ver aquilo lá mesmo no lugar, porque só se vê pinturas nas árvores, mas quanto uma pessoas se coloca em determinados sítios, vê um desenho formado por várias linhas de árvores...” Isto vê-se bem numa outra bonita galeria de fotos da floresta, da autoria de Javi Munõz.
Também há quem faça desenhos enormes em campos de cereais.

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