27/05/09

Reflexãozinha sobre o anonimato, tão sem graça como devidamente identificada

Uma característica interessante da cultura internética, se é que se pode falar de uma coisa assim, é o anonimato – uma coisa que me surpreende, por não lhe encontrar uma razão óbvia; que me irrita um bocadinho, às vezes; e que não sei bem até que ponto se deve ou não condenar...

Muita gente tem criticado o anonimato na compilação ou sistematização de informação. A Wikipedia é o maior alvo destas críticas, mas há muitos outros casos semelhantes*. Sinceramente, não vejo perigo nenhum em projectos deste tipo. Uso regularmente informação a que tenho acesso em enciclopédias e fóruns anónimos, e não vejo necessidade de ser mais cuidadoso na filtragem dessa informação que na filtragem da que vou buscar a obras assinadas. Em princípio, os motivos para desconfiar de um texto têm pouco a ver com o facto de ele ter ou não um autor identificado (a não ser, claro, que se aceite a identidade do autor como garantia suficiente da sua credibilidade…).

É também praticamente irrelevante a questão da produção anónima de objectos artísticos, porque ela é mínima e normalmente de obras sem grande interesse – os produtores de obras de qualidade são normalmente ciosos da sua assinatura, online ou não. Independentemente da sua frequência, porém, não há nesse anonimato nada que seja passível de crítica, porque no domínio da arte, ninguém é obrigado a nenhum tipo de relação com as obras que cria, e certamente que não tem nenhum dever de se dar a conhecer como seu autor.

Na minha opinião, o domínio em que é mais interessante a discussão do anonimato é o da produção de opinião. A todos os níveis: principalmente sobre questões políticas, ou morais em geral, mas também sobre questões estéticas. A internet está cheia de opiniões anónimas – e nem sempre anódinas. E eu não percebo bem por quê. Provavelmente, as pessoas sentem-se mais expostas e de alguma forma mais vulneráveis online do que em relações não virtuais, mas, mesmo assim… Já não falo de páginas com conteúdo sexual ou de blogs de super-heróis (que gracinha, Vitinha…), em que as razões do anonimato são imediatamente compreensíveis, mas, desde blogues de opinião a fóruns vários de discussão, passando por comentários externos a artigos de jornais e revistas online e a posts de blogues, as criaturas mais activas na Internet são a Sra. Anónima, o Sr. Anónimo, a Sra. Pseudónima e o Sr. Pseudónimo. Pode argumentar-se que o facto é irrelevante, porque uma opinião tem o mesmo valor sendo assinada com um nome verdadeiro ou não, e é difícil rebater tal argumento. Como já disse, irrita-me às vezes um bocado o anonimato, mas é uma irritação sem grande motivo, reconheço… É uma coisa instintiva, visceral: quando vejo um comentário anónimo, seja neste meu blogue ou noutro sítio qualquer, pergunto-me a mim mesmo: “Será que, fora da Internet estas pessoas também reservam a sua identidade? Ou reservam antes, perante pessoas que sabem quem elas são, a sua opinião?” É estranho, tudo isto, mas enfim, apenas estranho. É-me difícil apontar aqui alguma imoralidade.

“E o que é que se passaria se não houvesse a possibilidade de anonimato”, interrogo-me eu, para ver se descubro algum perigo real no não dar a cara. Bom, é possível que alguns comentários apatetados desaparecessem, que desaparecesse alguma virulência (sei que há estudos que defendem que o anonimato online está na origem de tipos vários de comportamento anti-social); e talvez aumentasse a necessidade de justificar argumentos… Talvez tudo isto – ou talvez não…

Mas enfim, assumamos que agressividade, leviandade, e desrespeito de normas e de pessoas são alguns possíveis efeitos negativos do anonimato. E que efeitos positivos tem? Também não sei bem. Em princípio, o de dar, a quem não a tem, a coragem de se exprimir sobre determinados assuntos**, ou a coragem de se exprimir, tout court; e, claro, o mais óbvio de todos, maior facilidade na possibilidade de resistência activa a vários tipos de repressão***

Agora, já repararam que, no meio de tantas opiniões anónimas, a esmagadora maioria das pessoas convictas do que escrevem se identifica devidamente? Da parte do autor dos textos, há alguma relação, estou em crer, entre assinar e levar “a sério” o que escreve. E a mesma relação entre identificação e “seriedade” é também estabelecida, penso eu, por muitos leitores: um texto devidamente assinado é considerado mais “sério” e merece, portanto, mais credibilidade. Não vos parece?

... O que não significa, claro está, que todos os que se identificam devidamente têm um alto grau de convicção e que ganham, por se identificarem, alguma credibilidade. Eu, por exemplo, apesar de devidamente identificado...

[Agora, entre parênteses, vou fazer uma pequena experiência: vou escrever aqui que prevejo comentários anónimos a este post, a ver quantos aparecem…]
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* As críticas não são só ao facto de os artigos terem autores anónimos, mas também ao facto de serem produzidos colectivamente. Não sei até que ponto se pode dizer que o anonimato é, nestes casos, uma componente do colectivismo...

** Também sei que há estudos que consideram o anonimato uma causa de hiperpersonalismo, o que faz todo o sentido, mas não sei se pode colocar esta abertura de si entre as consequências positivas do anonimato… Duvido, pelo menos, que seja um consequência abertamente negativa, ao nível das que referi atrás…

*** Que eu, confesso, não faço ideia de que importância tenha. A verdade é esta: nas minhas deambulações pela net, nunca fui parar, como vou parar a tantos outros tipos de páginas, a sites de resistência clandestina a regimes repressivos e nem sequer a páginas de resistência a algum chefe ou professor despótico. O que não quer dizer que os não haja, claro está. O facto de isso nunca me ter acontecido tem provavelmente tem mais a ver com o próprio carácter das minhas ciberdeambulações, não sei…

1 comentário:

  1. Estou totalmente de acordo contigo. Ressalvo apenas o facto, por conhecer casos concretos, de pessoas que são anónimos involuntários, ou seja, que colocam comentários não identificados por simplesmente não saberem usar as ferramentas.

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