“... mas olhe, chego ao fim do dia e adormeço com a consciência tranquila.”
A consciência tranquila! Todos sabemos pouco mais ou menos aonde se quer chegar com a expressão e não nos metemos a dissecá-la: Adormece com a consciência tranquila, pois, e ainda bem... Agora eu, que tenho meu feitio, que sou dado a picuinhices, a puxar por qualquer ponta que apanhe mais desfiada na conversa, digo que a consciência tranquila, bem vistas as coisas, é uma contradição em termos, uma impossibilidade por definição.
Saber o que fizemos e o que os outros fizeram, o que vamos fazendo e o que os outros vão fazendo e, ainda assim, não desassossegar? Como se não houvesse problema de maior, como se o mal feito se resumisse, sei lá, a uma canelada, quase sem querer, num jogo de futebol de infância, há já tanto tempo…, ou a um fechar de olhos à gritaria do vizinho com a mulher, que provavelmente não passaria da boca às mãos, ou passaria?; como se não houvesse problema de maior, como se não houvesse sofrimentos com razões horrendas de ser, ou então que esses sofrimentos não fossem problema nosso…; e como se não houvesse, ainda por cima, milhares de perguntas irrespondíveis, tão irritantes!, constantemente a fazerem-nos moquencos… Por exemplo: “E a consciência, de ti e dos outros, o que é isso, de onde te vem? E para que serve, já agora? Só para a dares por tranquila para não te faltar o sono?”
Vou repetir-me, com a vossa licença: A consciência tranquila não há. A consciência, para dizer as coisas com rigor, é sempre lugar de desassossego; e a tranquilidade, essa, só a inconsciência é que a dá.
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