No nº 51 da revista Neurology, de 1998, Juan Gomez-Alonso publicou um artigo chamado “Uma possível explicação para a lenda dos vampiros”, cujo resumo diz o seguinte:
No século XVIII, a crença em vampiros – pessoas supostamente mortas que saíam dos túmulos e matavam pessoas e animais – causou grandes preocupações nos Balcãs e um amplo debate na Europa. Este fenómeno histórico não foi ainda completamente explicado. Este artigo defende que a raiva pode ter tido um papel fundamental na formação da lenda dos vampiros, dada a coincidência dos fenómenos no tempo e as espantosas semelhanças entre eles.
Segundo Gomez-Alonso, as histórias “dos mortos-vivos sedentos de sangue” surgiram no início da década de 1730, “poucos anos depois de se ter registado na Hungria uma grande epidemia de raiva entre cães e animais bravios”. Além disso, argumenta ele, a raiva provoca, como a condição de vampiro, insónias e aumento da pulsão sexual, e, às vezes, vê-se escorrer da boca das vítimas da doença saliva ensanguentada.A raiva não é, porém, a única (e nem a primeira) doença invocada para explicar as lendas de vampiros. Em 1964, L. Illis publicou no jornal da Sociedade Real de Medicina do Reino Unido, um artigo chamado “Sobre a porfiria e a etiologia dos lobisomens”, estabelecendo pela primeira vez uma relação entre este grupo de doenças e nocturnas criaturas de terror; e o bioquímico David Dolphin viria a retomar e a desenvolver esta ideia no seu artigo “Porfiria, vampiros e lobisomens: a etiologia de lendas europeias de metamorfoses”, que foi apresentado em 1985 numa palestra na Associação Americana para o Avanço da Ciência. A relação que este autor estabelece entre as porfirias e a condição de vampiro assenta em várias ideias: os vampiros não toleram a luz do sol, revelando a mesma fotossensibilidade que os pacientes de alguns tipos de porfiria, pelo que prefeririam sair só depois de o sol se pôr; um tratamento comum para alguns tipos da doença é uma injecção de um produto sanguíneo, o hemo, e é natural que, quando esse tratamento não existia, os doentes de porfiria procurassem instintivamente hemo mordendo pessoas e bebendo-lhes o sangue (o que, segundo o próprio Dolphin, não lhes serviria de nada, mas enfim…); e, finalmente, um doente de porfiria pode ter medo de alho, porque o alho contém uma substância química que agrava os sintomas da doença. Ora aí está.
Agora, também há quem não se mostre convencido com nenhuma das explicações clínicas para as lendas de vampiros. É discussão em que não me meto, porque não percebo nada do assunto. Mas uma coisa me parece certa: para uma pessoa andar aí de noite, de um lado para o outro, à procura de um desgraçado ou de uma desgraçada qualquer a quem possa chupar um bocado de sangue, de alguma doença há-de sofrer. E grave!
Caro Vítor Manuel Lucas Santos Lindegaard,
ResponderEliminarO que me leva a deixar-lhe aqui este comentário é sentir-me ultrajado. Sou franco: o motivo imediato desta carta é o orgulho ofendido e não o amor da verdade, que é o que costumam invocar, mentindo, os polemistas. Ora o facto é que o meu despeito, neste caso, serve a verdade. E então é também de repor a verdade que aqui se trata, por muito que não seja essa a minha intenção primeira. Mas trata-se essencialmente de raiva, quero deixar claro, e de raiva nos dois sentidos que a palavra tem, a doença e a ira, sobretudo a ira que sinto contra essa doença com que não quero ter nada a ver.
Houve um filósofo famoso que disse uma vez, com uma frase mais famosa ainda do que ele, que o bom senso é, de todos os haveres, o mais bem distribuído no mundo. Talvez. Mas esqueceu-se de dizer que, para admitir a verdade de tal proposição com a simplicidade com que ele o faz, é necessário admitir também que a falta de senso tem de estar igualmente bem distribuída. Isto, insisto eu, esqueceu-se esse filósofo de dizer.
Não quero que me compreenda mal: não tenho nada contra a ciência e há muitos anos (há muitos anos!!!) que defendo que a ciência é a melhor maneira que conheço de explicar o mundo. Não é, pois, contra a ciência que me insurjo, é antes contra a completa ausência de cientificidade de alguns trabalhos que ousam afirmar-se científicos. É esse o caso evidente (já deve ter percebido ao que eu queria chegar) dos trabalhos que refere e que, infelizmente, conheço já desde que foram tornados públicos.
Há muitas verdades nos abomináveis artigos, não digo que não. Mas todos sabemos que a retórica permite inferir desastrosas mentiras de qualquer tipo e número de verdades. A arte está apenas em moldar a seu bel-prazer os elos lógicos entre a primeira premissa que essas verdades constituem e a grandíloqua conclusão. Sobretudo se for nenhuma, como é neste caso, a evidência empírica que suporta a teoria...
O que esses senhores pseudocientistas merecem, digo eu, é acabar exangues, na angústia terrível de saber que o seu fim não é senão o começo de uma eternidade irrevogável, o início da mais profunda dor – a de ser para sempre condenado a agir como um animal, embora com a consciência do que é bem e do que é mal. Como eu. Como todos nós.
Caro Senhor Lindegaard
ResponderEliminarEncontrei por acaso (feliz acaso!) o seu "Moçambicanismos". Andava à procura de fotos de mapira e meixoeira, para tirar teimas, e apanhei um rico filão. Imagine, encontrar alguém que refere machibombo (como cá sempre ouvi dizer) e não só o "malvado" machimbombo. Ah, e a aboboreira de Inhambane... sabe onde se arranjam umas sementes? Estou com pressa de voltar ao vocabulário. Tatá (já ninguém usa, não é? e os meus agradecimentos.
Olá, Vítor.
ResponderEliminarAmigo, é muito bom poder falar consigo novamente.
Mais uma vez - e agora publicamente -, agradeço o agarimoso envio do livro "Faz de conta que histórias".
Gostei especialmente da narrativa "O resto da história de Bar-Timai", mas o livro todo é muito bom.
Convido o amigo para visitar o meu novo sítio, CONTOS DE TERROR (www.contosdeterror.com.br) - desenvolvido e administrado com a ajuda do amigo fluminense Luciano Barreto -, no qual tivemos o prazer de publicar um trabalho seu ("O condenado".
Um forte abraço.
Paulo Soriano