Do passado ficam-nos coisas que estranhamos – o que é que isto está aqui a fazer? Fechar um guarda-chuva aberto que encontrei à entrada da despensa, por exemplo, porque fui treinado (pelos vistos, bem treinado) para o fazer. É que um guarda-chuva aberto dentro de casa, não sei se sabem, dá azar... E estas coisas ficam, malvadas, coladas a nós sem que a gente dê por isso...
Agora, ou aceitamos que somos assim, ou então, se somos um bocadinho mais exigentes connosco próprios, temos de estar sempre atentos e negar-nos constantemente (era a expressão que usava um amigo meu que era sábio). É uma proposta mais que batida, esta de deixar de obedecer a superstições e a medos, e a tudo o que, dentro de nós, não tem razão de ser (nos vários sentidos da palavra razão) nem tem o carimbo da nossa moral, mas isso não é motivo para não se continuar a insistir nela.
E depois, rai’s nos partam!, o que custa levar isto à prática! Nem que seja só (só?) treinar-se para não fechar involuntariamente o guarda-chuva que se encontra aberto à entrada da despensa só por medo de que ele dê azar, e fechá-lo antes com a consciência de estar assim a eliminar um perigo do seu quotidiano, pois, porque guarda-chuvas abertos dentro de casa, e com miúdos, ainda por cima, uma vareta num olho, eu sei lá… Mas guarda-chuvas abertos dentro de casa ainda são o menos. O pior são os sentimentos que descobrimos dentro de nós sem os aprovarmos. As simpatias e as antipatias, as paixões e os ódios, todas essas amoralidades!... Do passado – às vezes, até de um passado tão distante que nem o conseguimos conceber, de muitos milhares de anos antes de nós sermos o ser que pensa nisto… – ficam-nos coisas que estranhamos e que temos de negar, negar, negar, se quisermos ser um bocadinho (só um bocadinho…) melhores. Independentemente, isso é que é curioso, do que queiramos dizer com isso de “ser melhores”.
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