30/08/12

O antónimo de estar vivo

Descobri no outro dia este aforismo de Chris Marker:  “Mourir est tout au plus l'antonyme de naître. L'antonyme de vivre reste à trouver.”  “Morrer é, quando muito, o antónimo de nascer. O antónimo de viver ainda está por descobrir.
São duas proposições provavelmente sedutoras, mas muito discutíveis. Ontem ao jantar, sem problematizar a primeira afirmação, pus aos meus filhos a questão do antónimo de viver:
Morrer é o contrário de nascer”, disse-lhes eu em português*. “E qual é o contrário de viver?”
Respondeu-me a minha filha mais nova, de oito anos (em dinamarquês*):
Det modsatte af at leve er at være død” (“O contrário de viver é estar morto”).
A verdade é que o verbo dinamarquês at leve não corresponde sempre a viver em português e que nenhum deles corresponde exatamente ao francês vivre da frase original. É  “estar vivo” que vivre quer dizer no aforismo de Chris Marker? E vivre pode querer dizer “estar vivo”? Acho que pode, em contextos específicos, como em “Hésiode vient de mourir, Homère, s'il vit encore, a cent ans” (“Hesíodo acaba de morrer, Homero, se ainda estiver vivo, tem cem anos”). E o português viver também pode querer dizer isso, em certos contextos. Vejam, por exemplo, “Depois da operação, viveu apenas três meses”.
Esta questão dos antónimos de naître, mourir vivre (ou de nascer, morrer e viver) não é tão fácil como parece. Por um lado, fora de contexto, ocorrendo apenas em abstrato, vivre, viver ou at leve significam muito pouco… Por outro lado, antónimo é um conceito complicado, que, como acontece muitas vezes com conceitos linguísticos, varia de autor para autor e de escola para escola. Muita gente considerará que (estar) vivo e (estar) morto, esses sim, são obviamente antónimos, exatamente como os pares canónicos quente/frio ou curto/comprido. Também há, porém, quem não lhes chame antónimos e os considere antes opostos complementares, reservando a designação de antónimos para os opostos graduáveis: o chá pode estar mais quente ou mais frio, e não tem  forçosamente de estar ou quente ou frio; agora, com rigor, ou se está vivo ou se está morto, sem graduação possível entre os dois estados. É curioso, aliás: mesmo quando estamos a morrer ou quando estamos mais mortos que vivo, é perfeitamente vivos que estamos, não é verdade?
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* Pois, na maioria das vezes, é assim que comunicamos cá em casa: eu falo português e os meus filhos respondem-me em dinamarquês. Este tipo de comunicação é muito normal em famílias multinacionais, acho eu. (Famílias multinacionais? Credo!...) 

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