25/12/12

Socas, integração cultural e o ideal conservador [Crónicas de Svendborg #13]

Ao contrário do que muita gente pensa, a integração noutra cultura começa de cima para baixo, da cabeça para os pés: as primeiras coisas que se adotam são palavras, conceitos, ideias; e as últimas são os sapatos. Quantas vezes não vi (por exemplo!) gente do Sul da Europa que, nos países do Norte, ao fim de lá viver dezenas de anos, ainda continua a usar daqueles corriqueiros mocassins a que o filho de uma amiga minha, nado e criado em Roterdão, chamava “sapatos à turco”, quando vinha nas férias a Portugal. Não são mocassins desses que uso, não é isso, mas onde quero chegar é que agora que tenho, finalmente, as minhas socas, posso considerar-me integrado na cultura dinamarquesa.
 
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[Nota 1: É mentira I] Não é verdade, já tive outras socas antes destas. Mas era uma maneira de compor o texto, se é que me faço entender, apresentar as coisas destas maneira…
[Nota 2: É mentira II] As socas não são um tipo de calçado especialmente dinamarquês. Como os barretes, as gaitas de foles e os torresmos, as socas são comuns a toda a Europa – e talvez também a outras partes do mundo… Agora, dos países que conheço, a Dinamarca é aquele em que se usam mais no dia-a-dia. Ainda hoje, por exemplo, quando entrámos na taberna local, aí por esse meio-dia, dos 5 homens sentados ao balcão em frente à sua cerveja de Natal, 4 usavam socas.
[Nota 3: A utopia conservadora] Deixem-me contar-lhes, a propósito, que, quando íamos pagar, o dono do estabelecimento explicou que não tínhamos de pagar nada, que o café e a cerveja eram por conta da casa, porque hoje era dia de Natal. É simpático, não é verdade? É simpático como o cordial “Feliz Natal!” que toda a gente diz a toda a gente que cruza na rua, aqui na aldeia. É este tipo de gestos e práticas que o imaginário e a ideologia dos conservadores elevam a ideal – o encanto da vida comunitária “de outrora”, que consideram ameaçado ou destruído pelo progresso e que propõem que se conserve ou se refaça. Mas esquecem sistematicamente o lado disfórico da medalha, que é incomparavelmente maior e tem mais de sombrio que de radioso têm as tradições idealizáveis: o outrora era (o outrora ainda é, tantas vezes…) miséria, trabalho, trabalho, trabalho, ignorância e superstição, desconforto e doença, maus tratos, violência, violências, e infindáveis etecéteras…

4 comentários:

  1. Fixes, as tamanquinhas. Made onde? As minhas, comprei-as em Gilleleje e deram-me a escolher entre made in Italy e made in Poland. Escolhi as primeiras, style oblige, e fazem sucesso, sempre que as calço em Portalegre. As próximas, quero ver se as compro em Viana do Castelo.

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  2. Não consigo saber onde foram feitas, não diz lá nada. A marca é dinamarquesa e diz que é couro genuíno, já não é mau. Não são de sapataria, que essas são muito caras, isto é produto de supermercado - neste caso, de um daqueles supermercados que têm ferragens, ferramentas, roupas de trabalho e assim, não sei como se chamam; mas também se encontram em supermercados normais.

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  3. Madeira em baixo, couro em cima? E são confortáveis? A minha vizinha atravessa todo o verão com socas assim - diz que não são baratas, mas como duram imenso acaba por compensar.
    (só não te aconselho dares saltos com as socas - uma amiga conseguiu torcer os dois pés simultaneamente)

    Quanto ao antigamente: talvez fosse possível manter o que era bom, e mudar o que estava mal.
    Quase a propósito: como está a crise na Dinamarca? Há? Não há? Há medo que a crise chegue? As pessoas sentem que 2013 vai ser um ano terrível, ou tão normal como os outros?

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  4. Não são desconfortáveis, mas também não são propriamente confortáveis. É calçado de trabalho e, sobretudo, calçado que se calça e descalça depressa, quando se vai ao quintal. É sobretudo para isso que as quero.
    Quanto ao resto, sim, o ideal é isso, conservar o que é bom e mudar apenas o resto. Mas, às vezes, não se pode mudar só um aspeto das mentalidades. Por exemplo, da vida comunitária à antiga, seja ela de aldeia ou de bairro, não se pode fazer perdurar a solidariedade direta e fazer desaparecer o controlo social. O preço a pagar pela liberdade individual nas culturas urbanas foi o desaparecimento de muitas formas diretas de solidariedade, mas valeu a pena, acho eu. Quer dizer, eu prefiro. Por outro lado, isso levou à criação de formas abstratas de solidariedade que, precisamente por serem abstratas, acabam por ser mais eficientes e mais justas.
    Agora, a crise: aqui, sente-se alguma crise, porque metade da população da ilha trabalha em construção e tinha prosperado muito nos últimos anos. Atualmente não há compra nem renovação de casas, acho que vai haver alguma gente sem muito trabalho... Mas, no geral, acho que não se sente a crise como se sente noutros países. Agora, claro, ela existe e traz com ela coisas novas: por exemplo, para a SAS não abrir falência, tiveram de ser reduzidos os salários dos trabalhadores, que é uma coisa completamente nova, algo que muitos considerariam impensável ainda há pouco tempo.
    Não sei com que grau de esperança as pessoas encaram o novo ano, sinceramente. Mas não sinto assim grande preocupação, não sei...

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