Porque gostamos nós duma música? Ou porque lhe somos relativamente indiferentes, ou porque a achamos desagradável? São perguntas que pedem perguntas maiores, não é?, a mais óbvia e mais abrangente das quais é, com certeza: e porque gostamos ou não gostamos seja lá do que for, afinal? Enfim, a uma teoria geral do gosto, não me abalanço; mas tenho colecionado ideias sobre porque gosto desta ou daquela música e quero perguntar-vos se as quatro respostas a que cheguei também vos servem a vocês.
A razão mais fundamental é capaz de ser o hábito. Se não for a mais fundamental é, pelo menos, uma razão bastante comum. Hábito em sentido lato, ou familiaridade, como se diz às vezes. Gostamos do que nos habituámos a ouvir. Não só aquilo que ouvimos de facto muitas vezes, mas também do que se parece com o que ouvimos muitas vezes. Gostamos do que tem referências que reconhecemos, que é outra maneira de dizer que tem as nossas referências. Quando ouvi pela primeira vez, sei lá, o Ballet Mécanique de Antheil ou A Criação do Mundo de Milhaud, ou Mirel Wagner, ou Jonathan Wilson, para dar exemplos perfeitamente ao calhas, nada daquilo me era estranho, não porque fosse plágio de outra coisa qualquer, mas porque eram músicas a que eu estou habituado. Agora, há coisas que ouvimos toda a vida, pois há, e a que estamos efetivamente habituados sem nunca gostar delas nem de nada semelhante. A familiaridade gera muitas vezes gosto, mas não o gera sempre.
Outra razão é o contexto em que conhecemos a música ou ouvimos muitas vezes. Todos temos músicas que associamos conscientemente a determinadas acontecimentos ou períodos da nossa vida. [Lembro-me de uma expressão paradoxal desse facto, que ouvi há uns anos: “Eu gostava muito desta música e agora já não gosto; mas, quando a oiço, lembro-me sempre daqueles tempos em que gostava dela e, por isso, gosto de a ouvir.”] Não se trata forçosamente de a música evocar uma situação feliz, mas é natural que, também sem termos consciência disso, a nossa situação emotiva tout court ou ou a nossa relação emotiva com o contexto em que a ouvimos afete a maneira como gostamos de uma música.
Uma terceira razão é o investimento que fizemos na música. Creio que o gosto pode ser recompensa para o trabalho desenvolvido. Quando digo investimento, quero dizer investimento de tempo e esforço – os discos que se descobrem ao fim de muito trabalho de pesquisa e/ou que são difíceis de obter – ou simples investimento monetário – é mais natural ter uma afeição especial, digamos assim, por um disco que se pagou caro. Evidentemente, pode pensar-se que estou, pelo menos em parte, a inverter a relação causal: investimos mais nos discos de que gostamos mais. Mas não: notei isto em relação a discos que desconhecia completamente, ou quase não conhecia, antes de os comprar. Por exemplo: não houve, na vossa juventude, discos para os quais, andaram a juntar, ainda antes de eles saírem?
Finalmente, outra razão muito importante é quem nos mostrou ou aconselhou a música, ou de quem ouvimos críticas positivas. Há pessoas cujos gostos musicais respeitamos – quando não temos mesmo gurus musicais... – e outras que achamos que têm mau gosto, seja lá o que for que isso quer dizer. [Muitas vezes, o respeito pelos gostos musicais de uma pessoa coincide com a admiração pelas suas capacidades intelectuais e preferências estéticas em geral, mas nem sempre – também há pessoas que nós achamos que sabem muito de música, mas só de música.] E temos, de forma mais ou menos consciente, uma predisposição especial para gostar da música que essas pessoas valorizam. Até já me aconteceu, vejam lá, reouvir com prazer coisas aconselhadas pelos meus amigos “com bom gosto” que tinha ouvido antes sem achar nada especial…
Ao contrário do que é costume, este texto não tem nem links, nem citações, nem notas de rodapé. Falta-lhe também um remate elegante. O melhor é acabar com uma música, já que é de música que se fala. Deixo-vos uma música que acho reúne todas as condições para eu gostar dela, mas já não me lembro bem…
Igor Stravinsky. Ebony Concerto (1945) / Columbia Jazz Combo; Igor Stravinsky; Benny Goodman, clarinete
Para mim, o último motivo é o mais importante: as músicas ligadas a um contexto afectivo são as melhores.
ResponderEliminarO álbum "Chico", do Chico Buarque, por exemplo: a maior parte dos amigos dizem que não é grande coisa, mas eu gosto imenso porque ouvi essas canções uma a uma com um bom amigo, passámos uma tarde a falar sobre elas, e a cuscar na vida do Chico e da namorada dele, e a rir.
Que álbum é esse? Encontro vários só com o nome dele, Chico Buarque, mas assim só Chico, só vejo um de há dois anos. É esse?
ResponderEliminarEsse mesmo.
ResponderEliminarGosto de quase todas, e em especial de uma por ter o dedinho de um amigo: Nina. O Chico mandou a canção ainda muito em cru ao Carlos Bica, para ele fazer arranjos e dar à Ana Moura (acho que era para um filme), e na versão final do Chico aparece o acordeão que o Carlos Bica lá sonhou.
(e a letra também é engraçada, muito do nosso tempo)
Não conheço, Helena, a ver se oiço isso.
ResponderEliminarRevejo-me um pouco, ou muito, em todas as quatro razões que aqui nos, muito bem, descreves. No entanto, a mais importante poderá ser mesmo a última, já que essa é a razão que, além de famosa Serendipitia, me faz ir a correr ouvir esta ou aquela música, normalmente o bom, ou mau gosto, que atribuo a quem originou a audição confirma-se... já aconteceu no entanto que a regra não se confirme e mude de opinião
ResponderEliminarMas, na generalidade estou de acordo contigo, comigo a coisa funciona mais ou menos assim.
Casa das Abelhas! Não te conhecia esta identidade. Mas gostei - Casa das Abelhas é fixe, como ambos sabemos. Muito obrigado pelo comentário e volta sempre, pá!
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