Não sei por que me veio isto hoje à cabeça. Às vezes, deve acontecer-vos o mesmo, não consigo perceber o que é que, no fio dos meus pensamentos ou no que vejo, oiço ou cheiro à minha volta, convoca recordações que me surgem de repente, como neste caso. Mas deve haver muita gente a recordar, como eu, o romântico episódio, pelo menos nos países de língua inglesa, e mesmo sem ter lido o Talismã. Fiz uma pesquisa na Internet e creio que, pelo menos nos países de língua inglesa, a história de Scott foi recontada em vários textos muitos divulgados ao longo de várias gerações, como, por exemplo, Old Time Tales, de Lawton B. Evans e sobretudo Richard the Lionheart (Adventure from History), de L. Du Garde Peach, que foi editado na conhecida coleção Ladybird. Na Internet, encontrei, aliás, mais referências ao episódio do encontro de Ricardo e Saladino contado por Du Garde Peach que ao original de Scott.
Ilustração de John Kenney
da edição Ladybird de Richard the Lionheart de Du Garde Peach
|
“Por minha fé, irmão”, disse Ricardo, “não tens igual no manejo da cimitarra e é grande perigo defrontar-te! Ainda assim, ponho alguma fé num simples golpe inglês. Compensamos com a força o que nos falta em destreza.Sofisticados que os árabes possam ser, os ingleses são-lhes superiores na força: parece ser antes esta a mensagem de Scott. Nalguns casos, porém, este episódio levantava no espírito dos jovens leitores algumas dúvidas, recorda T. J. Lustig em Knight Prisoner: Thomas Malory Then and Now (traduzo eu):
Um dos meus livros Ladybird tinha uma imagem de Saladino cortando um pano de seda com a cimitarra, enquanto Ricardo Coração de Leão despedaçava uma barra de ferro com a espada. Saladino… seda… cimitarra: tudo muito sibilante, subtil e sinistro. Mas era estranho que a principal qualidade de Ricardo fosse a força bruta. Pus-me a pensar, na altura, se dar cabo de coisas com espadeirões era o melhor que a Inglaterra conseguia fazer.
_________________
* Encontrei em linha uma tradução portuguesa algo simplificada desse trecho do Talismã, que não sei de quem é. Achei-a num documento curioso: um guião do edição de 3 de Março de 1962 do programa “Os grandes momentos da história do mundo”, da Emissora Nacional, da autoria de Miguel Trigueiros. Quem saiba e queira ler o original inglês, encontra-o aqui (Capítulo XXVII).
Essa cena é muito forte, lembrava-me perfeitamente dela, para mim significava a sofisticação árabe face à força bruta dos cruzados. Eu preferia a sofisticação mas não se pode desconsiderar o poder da força bruta.
ResponderEliminarParece-me que a sua conclusão é uma boa moral para a história, jj.amarante.
ResponderEliminarÉ curioso como esta cena (muito forte, como diz) fica na memória de tanta gente. Acho que somos ainda essencialmente românticos. São estas imagens criadas pelos escritores românticos que constituem a maior parte, ou, pelo menos, uma parte muito importante, do nosso imaginário.