03/08/14

Jutlândia do Norte [Crónicas de Svendborg #21]

Como sempre que há reuniões de amigos ou familiares, fala-se dos velhos tempos. Uma coisa que surpreende os Lindegaard, quando revisitam os locais de infância, é como tudo se tornou mata: desapareceram prados e terrenos de lavoura (os poucos que havia…), há mais árvores e árvores mais altas. (A Karen, a quem falei das minhas paisagens de infância e a quem mostrei o que delas resta, sabe que, na zona onde cresci, Rinchoa, Mercês, Meleças, é exatamente o contrário: onde havia pinhais e mato, só há agora cimento e asfalto.)

O Norte da Jutlândia sempre foi terra pobre. “O melhor investimento que se podia fazer nesta terra era comprar um bilhete para a América e nunca mais cá pôr os pés.” Foi um investimento que muita gente fez. Agora, já não é para a América que as pessoas vão, e sim para Aarhus ou Copenhaga, mas a região continua a despovoar-se. Uma das características curiosas desta parte da Jutlândia do Norte onde a Karen cresceu e passámos agora férias é a paisagem de rimmer e dobber. Traduzo o artigo da Wikipédia em dinamarquês que explica essa paisagem:
Rimmer e dobber são um tipo de paisagem natural que existe na bacia sedimentar marinha de Vendsyssel. Esta paisagem é um vestígio de uma antiga área de praia rasa, com uma ligeira inclinação. Nestas condições, as ondas causam um depósito de materiais na forma de bancos de areia sob a água e barreiras que se erguem acima do nível do mar. Se houver regressão (baixa do nível de água), os processos que criaram a barreira param e pode começar a formar-se uma nova barreira, mas a um nível ligeiramente abaixo da anterior. Se houver nova transgressão (subida do nível do mar), a barreira é movida para dentro. Formar-se-á, pois, uma paisagem plana ondulada de cristas de areia que se estendem por muitos quilómetros. Estas cristas de areia, chamadas rimmer, podem ser ampliadas pela formação de dunas, ao passo que as depressões entre elas, chamadas dobber, se tornarão húmidas e se transformarão em pântanos.
As estruturas de rimmer-dobber têm geralmente entre 10 m e 100 m de largura, com uma altura que pode variar entre 1 m e 8 m. As rimmer são compostas por areia de dunas e das praias, ao passo que as dobber se caracterizam pela formação de turfa.
As rimmer que ainda existem têm muitas vezes por uma vegetação de charneca ou árvores e arbustos espontâneos, enquanto nas dobber se costumam encontrar turfeiras e prados velhos.
As maiores áreas do tipo de paisagem de rimmer e dobber na Dinamarca encontram-se no Norte da Jutlândia, na Charneca de Jerup, a noroeste de Jerup, 13 km a noroeste de Frederikshavn, mas este tipo de paisagem também se encontra no Grenen
rimmer e dobber perto da casa de escoteiros que o meu cunhado alugou para as férias da família. Ena, a quantidade de matizes de verde que há numa charneca assim! Infelizmente, ilustram muito mal a descrição as fotografias que aqui vos deixo, porque não faço ideia de como se fotografe esse colorido.
À tardinha, desaparecem as cores e surge uma névoa mágica. É a mesma paisagem, mas é também outra paisagem muito diferente, vestida agora de uma beleza nova. “Mosekonen brygger”, é o que se diz nessa altura, “a mulher do pântano está a fazer cerveja”.

A mulher do pântano é uma criatura sobrenatural que, como o seu nome indica, vive nos pântanos e não tem outra atividade conhecida que não seja fabricar cerveja, produzindo esta névoa baixa que aparece nas zonas húmidas quando a temperatura desce de repente ao fim do dia. (Eis a mulher do pântano numa ilustração de G. Achen para um conto de Henrik Pontoppidan, 1887)
A praia de Skiveren
Não são as rimmer e dobber a dar à paisagem as dezenas de tonalidades de verde que ela tem. Na charneca entre as falésias de Skiveren e a igreja de Råbjerg, não há rimmer e dobber, mas continua o espetáculo de cor.

“O que é que estás a fotografar, se não há aqui para fotografar?”, pergunta-me o meu cunhado. Digo-lhe das matizes de verde.
“Ah, isso é verdade! E se pedires a um pintor para te pintar a paisagem, põe-te tudo verde – dois ou três tons de verde, vá – e já está. E o verde da paisagem nem sempre é realmente verde, às vezes são castanhos, amarelos ou pretos que se misturam.” Dependerá muito dos pintores, com certeza. Os grandes pintores dinamarqueses, suecos e noruegueses que se juntavam em Skagen fascinados pela luz desta terra preferiam olhar para o mar a olhar para a terra, quando não faziam retratos uns dos outros ou pintavam os tipos pitorescos dos pescadores da região. Se fizeram pinturas da fascinante paisagem da charneca, não são, pelo menos, muito conhecidas e não as encontro.


A igreja de Råbjerg não tem torre. A fé move montanhas, mas nem sempre chega para convencer os banqueiros a fazer empréstimos: como o dinheiro não chegava para um torre regular, pôs-se o sino numa torre de madeira ao lado da igreja. (Estou a vender-vos a história ao mesmo preço a que a comprei, como costuma dizer-se, mas não vos aconselho a comprar a preço de pechincha as histórias que vos contem.)

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