Lembro-me muito bem de perguntar uma vez, era eu rapaz novo:
– Porque é não se pode fazer um bolo, mas que em vez de ser doce seja salgado?
Não me lembro já quem era o meu interlocutor ou a minha interlocutora, mas nunca mais me esqueci da resposta que me deu:
– Um bolo salgado é um suflé, não é?
Eu não percebia nada de cozinha e aquilo impressionou-me. De facto, até é uma maneira fixe de explicar um suflé a quem não faça ideia nenhuma do que é. Mas não muito rigorosa, até porque há suflés salgados e suflés doces. E um bolo não se pode definir por levar na massa gemas de ovos e as respetivas claras batidas em castelo – mas um souflé sim.
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Houve uma altura na minha vida em que comia muitos suflés. Tempos de muita penúria, era o que era. Chamar-lhes tempos de vacas magras é fazer pouco da miséria – nem frangos magros, quanto mais vacas magras… E enfim, em tempos assim, os suflés dão um jeitão. Uma pessoa coze qualquer coisa que dê bom saber à água (bom era daquele camarãozinho pequenino que era mais barato que a uva mijona, mas que só tinha casca…), junta-lhe farinha e uma gordura que arranje e faz um molho branco, mistura-lhe as gemas dos ovos e depois as claras batidas em castelo – devagarinho, com cuidado, senão lá se vai o ar das claras e temos omelete em vez de suflé – e depois é forma e forno e já está. É difícil jantar por menos dinheiro.
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Mas também não nos fiquemos por preparados tão primitivos. Deixo-vos aqui um suflé simpático, que inventei uma vez.
Refoga-se muita cebola em azeite abundante e junta-se-lhe meio quilo de espinafre inteiro, que se deixa estufar devagarinho, sem acrescentar líquido. Quando está já estufadinho, deita-se-lhe uma colher de sopa de mostarda de Dijon e deixa-se apurar mais um bocadinho. A seguir, juntam-se-lhe quatro colheres de farinha, mexe-se, e junta-se leite até ter uma espécie de esparregado grosso.
À parte, mói-se na máquina meio quilito de bacalhau fresco e salmão misturados. Ou outro peixe qualquer, eu uso bacalhau fresco e salmão, porque são peixes que aqui se encontram com facilidade, mas qualquer outro peixe serve. Tempera-se esta pasta com sal e muita pimenta preta (muita pimenta é importante, neste caso), junta-se-lhe quatro gemas de ovo e mexe-se tudo bem mexido.Depois, junta-se a pasta de peixe aos espinafres. Espreme-se um dente de alho grande no espremedor de alhos, e mistura-se no preparado. Depois, claro, há que bater as quatro claras em castelo, incorporá-las na massa, com muito cuidadinho, meter numa forma untada (uma forma alta, claro, para o suflé não vir por fora) e forno. 200 graus, já não me lembro quanto tempo. Uns quarenta minutos, deve ser. Mas vê-se quando está pronto. Pronto.
Uma variante possível, que também fica bem, é com atum de lata e camarão em vez de peixe fresco: 300 gramas de atum e 200 de camarão, por exemplo. Se tiverem paciência para isso, podem refogar as cascas do camarão em manteiga, e cebola e cenoura picadas, juntar-lhe água, deixar ferver uns cinco minutos, e usar essa sopa em vez de leite. Enfim, vocês decidirão. Ah, um bocadinho de noz moscada e de pimenta-de-caiena também pode ficar bem...
[Souflé ou suflê? A ver se faço um texto sobre isto aqui no blogue...]
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