07/01/12

Cego pela luz que tudo ilumina

E eis que me decido a concretizar uma ideia que tenho há algum tempo anotada num ficheiro chamado Travessa do Fala-Só 6, um bloco de notas digital em permanente atualização: Apresento-vos aqui em contraste dois clássicos da canção popular americana, para ver se ganham sentidos novos pela justaposição. Ou para ver qual deles tem mais capacidade de ganhar sentidos novos consoante o contexto. Ou para se ver que há textos que ganham mais facilmente sentidos novos, enquanto outros tendem a exigir-nos leituras literais... E enriqueço a apresentação com uma passagem de Heterodoxia I de Eduardo Lourenço (Coimbra: Coimbra Editora, 1949), que lhe assenta que nem luva e que encontrei num dos meus blogues favoritos:
Os que se recusam à escolha, os eternos descobridores dum terceiro caminho que não existe em parte alguma (segundo as ortodoxias), os heterodoxos absolutos, devem ser destruídos quando o combate chegar. Assim pensava já o velho Sólon, a sabedoria laica de Atenas. Devem ser destruídos agora mesmo, que o combate, a luta pela verdade, está travada desde sempre. Não há lugar para os heterodoxos. Eles são incomensuráveis com Deus, com a Pátria, com o grupo, com a família, com o amor, com eles próprios. Abandonemo-los então à sua divisão tão amada e que pereçam, pois são o reino dividido em si mesmo de que fala o Evangelho. Inimigos do género humano.
Assim pensava Juliano dos cristãos e S. Domingos dos albigenses. Assim pensava Marx dos burgueses e os burgueses de Marx. Assim pensa Churchill dos comunistas e os comunistas de Churchill. Assim pensa todo o homem que possui certezas absolutas de outro homem que as nega (…).
A heterodoxia é a humildade do espírito, o respeito simples em face da divindade inesgotável do verdadeiro. Resistamos à ilusão de supor que tudo pode ser inundado de luz. Deixaríamos de ver.
Hank Williams, “I saw the light”, 1948
“Acabou-se a escuridão, a noite chegou ao fim. Agora sou tão feliz, sem a dor dentro de mim.”



Bruce Springsteen, “Blinded by the light”, 1973
“No sinal, tens de virar; depois, em frente, rapaz, até a noite chegar: é sozinho que tu estás"

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