29/08/14

Parole, parole, parole (três textos sobre palavras)

1. Fervor e outros estados da mente e do corpo

O nome grego zelos deu zelus em latim e zelus deu, por sua vez, uma lista interessante em português: zelo, cio e ciúmes (que veio, ao que parece de uma forma latina zelumen). Se cio se usa hoje só para o apetite sexual, em princípio de animais, já o adjetivo dele derivado, cioso, pode qualificar não só quem tem cio, mas também quem ciúmes e, mais comummente, quem tem zelo. Do significado de zelos em grego antigo (derivado de zein, “ferver”, segundo o Dicionário da Real Academia Espanhola), dizem-me os dicionários que consultei que não diferia dos significados das palavras que dele derivam: “fervor, ardor, rivalidade, nobre paixão, ciúmes”.

Estar a ferver é estar a explodir de raiva. Fervor, porém, não significa “ira”, mas “empenho, dedicação, ardor, paixão”. Ardor refere originalmente alta temperatura, como fervor. A raiva põe-nos em brasa (em brasa é o mesmo que a ferver, pelo menos no meu dialeto), mas ardemos de paixão, curiosidade e desejo, por exemplo. De desejo, mais numas línguas que noutras: o cio é calor em francês e inglês (être en chaleur, to be in heat) e, em inglês, hot é sinónimo de sexy. No meu português, curiosamente, quente significa antes “ligeiramente embriagado”...

2. Petricor

Parece que a palavra foi cunhada originalmente em inglês (petrichor), em 1964, por I. J. Bear e R. G. Thomas, num artigo da Nature, e é formada das palavras gregas petros, “pedra”, e ichor, “o líquido que corre nas veias dos deuses na mitologia grega”, e significa “o cheiro característico que surge com a primeira chuva após um período seco”.  É um neologismo útil, porque todos nós sempre falámos desse cheiro característico, não é verdade?, mas antes de haver essa palavra tínhamos de usar várias palavras para o descrever – como fazem ainda as pessoas que não a conhecem...  É sempre muito lento o processo de dicionarização dos neologismos, mesmo quando são úteis e bem formados, como petricor, mas agora, quase 60 anos após a sua criação, há já muitos dicionários que a registam e algumas pessoas que a conhecem... Experimentem perguntar aos vossos amigos, a ver quantos sabem o que é petricor.

3. Jinguba e amendoim

Até há dias, pensava que jinguba (ou ginguba, o Porto Editora aceita ambas as grafias) era uma palavra angolana que tinha entrado no português europeu em meados da década de 1970, quando vieram para Portugal os portugueses que viviam em Angola. No conto “O tio da América”, de Fialho de Almeida (primeira edição 1881), porém, a palavra aparece sem itálico, ou seja, como termo suficientemente corrente para ser compreendido por todos (Fialho de Almeida usa itálico para palavras que considera fora do padrão, como gíria e regionalismos): “…hoje é rico como os primeiros negociantes do Pará, despacha gomas, jinguba e óleo de palma…” O Porto Editora regista o termo como angolanismo e são-tomensismo e diz que vem do quimbundo; o Aulete em linha diz que é palavra da Guiné, mas não é. Aliás, o termo guineense para amendoim é mancarra.

Na América do Sul, de onde é natural, o amendoim chama-se quase sempre maní, que parece que é um termo taino. A palavra portuguesa vem de um termo tupi-guarani (mendubi, mãdu’bi, mãdu’i, manduí, manu-ui, mandu'wi, varia um pouco consoante as fontes), mas, para ter o a inicial, deve ter-se metido pelo meio a amêndoa, por ser fruto seco também, mas já conhecido. Cheguei lá sozinho, porque a minha intuição funciona bem para estas coisas, mas vi depois que há mais quem proponha o mesmo (por exemplo, aqui e aqui).

[Atualizado a 22 de julho de 2023]

Sem comentários:

Enviar um comentário