Oração da Árvore
Tu que passas e ergues para mim o teu braço,Antes que me faças mal, olha-me bem.Eu sou o calor do teu lar nas noites frias de Inverno;Eu sou a sombra amiga que tu encontrasQuando caminhas sob o sol de Agosto;E os meus frutos são a frescura apetitosaQue te sacia a sede nos caminhos.Eu sou a trave amiga da tua casa,A tábua da tua mesa, a cama em que tu descansasE o lenho do teu barco.Eu sou o cabo da tua enxada, a porta da tua morada,A madeira o teu berço e o aconchego do teu caixão.Eu sou o pão da bondade e a flor da beleza.Tu que passas, olha-me e não me faças mal.
Conheci o poema em miúdo, no Castelo de S. Jorge, e sei que o fui reencontrar mais tarde noutros lugares, mas não me lembro ao certo onde. Na placa do Castelo, um verso inicial, «Ao viandante», especifica o destinatário da árvore que é o sujeito lírico do poema, mas, ao que consigo perceber, «Ao viandante» não faz parte do texto original.
Das muitas vezes que li o poema em Lisboa, nunca reparei na autoria, confesso. Até há pouco tempo, não fazia ideia, sequer, de que fosse um poema português. Agora, há coisa de três meses, encontrei aqui em Svendborg, uma tradução dinamarquesa do texto e, claro, fiquei surpreendido: «Ah, também aqui é conhecido? Deve ser algum poema clássico que está traduzido para todas as línguas.»
Fiquei curioso e fui pesquisar na Internet. E foi aí que fiquei a saber de quem é o poema. É claro que nem sempre se refere o autor, e encontrei também versões adulteradas do texto ou autorias fantasiosas; mas, um muitas das páginas que encontrei, menciona-se de facto a autoria de Veiga Simões.
O poema é, pelos vistos, conhecido em todo o mundo. Encontrei mais que uma tradução do poema para inglês, não só na Internet, mas também em parques e em jardins, na Escócia, na Flórida, em todo o lado. E uma dessas traduções inglesas foi até musicada por Tony Dekker em 2013.
Em conversa com amigos dinamarqueses, a quem contei a minha descoberta em Svendborg, fiquei a saber que o poema era referido e traduzido por Christian Yde Frostholm, numa sua obra de 2018, Træmuseet, “O museu das árvores”. É um livro que fala de árvores — de arvores em Inglaterra, na Dinamarca, em França e nos Estados Unidos, mas, sobretudo em Portugal; e sobretudo em Lisboa. «Então é isso», pensei eu, «foi assim que o poema aqui chegou a Svendborg, pela mão de Christian Yde Frostholm. Bom, lembrava-me de que a poema que tinha visto estava escrita à antiga, com aa em vez de å, como se escrevia antes da reforma de 1948, mas, pensei eu, era de certeza só para dar algum estilo à folha plastificada a fazer de placa. Até porque os nomes não estavam escritos com maiúscula, como mandava a regra antiga.
Só no fim de semana passado pude cotejar a tradução de Christian Yde Frostholm com a tradução da árvore de Svendborg. São diferentes. Afinal, o texto que eu tinha visto não é a tradução de Christian Yde Frostholm.
Havia que voltar à Internet. Num minuto, encontrei o que buscava. A tradução que está na árvore de Svendborg aparece em dois documentos online: uma página de uma associação de moradores e um jornal paroquial. Neste último, diz-se que «o poema pode ler-se numa placa de bronze numa grande corticeira da Plaza Lavalles, em Buenos Aires» e que «foi depois traduzido e pode agora também ler-se na Quinta de Tranekær», em Langeland. Nada sobre a sua autoria, nem sobre a autoria da tradução. Na outra página, porém, diz-se da mesma tradução que se trata de «um velho texto português traduzido do inglês por Frank Jæger».
O poeta Frank Jæger (1926-1977), foi viver para Tranekær em 1969. Se foi nessa altura que traduziu o poema de Veiga Simões de uma versão inglesa, o que parece o mais provável, já não se escrevia com aa há 20 anos. Muito provavelmente, quem pendurou a folha de A4 plastificada no bonito cedro do nº 31 de Strandvej queria mesmo dar ao poema um toque antigo...
No Brasil dizem que é do Olavo Bilac.
ResponderEliminarQue estranho atribuírem a Olavo Bilac um texto assim, num estilo tão diferente do dele... Mas acontece muito, sobretudo agora com a Internet, atribuirem-se a muitas pessoas coisas altamente improváveis de terem sido ditas ou escritas por elas.
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