25/08/18

Coco, matapa, mucapata e galinha à zambeziana

A verdade é esta: comer (morfar, dar ao serrote, mandar para a blusa ou como queiram dizer, enfim…) é a atividade mais importante da vida das pessoas, voilà! É certo que, a partir de uma certa idade, o sexo compete com a comezaina, mas nunca lhe tira o primeiro lugar…

Agora, se o comer em si não tem muito que se lhe diga (é só não se esquecer de fechar a boca quando se mastiga, que senão parece mal...), já o fazer a paparoca é assunto vasto e que interessa muita gente, não é verdade? E parece impossível que, sendo das coisas que faço todos os dias, e com gosto!, fale aqui tão pouco de culinária. Está mal. A ver se começo a dar mais receitas, dicas ou conselhos de cozinha, ou, pelo menos, a falar de come e bebes. Hoje, deixo-vos três receitas moçambicanas. Se não as conhecerem, experimentem, que são naices; se já conhecem, vejam lá se as minhas receitas coincidem com o que conhecem. Mas antes, como as três receitas que vos proponho levam todas coco, deixem-me falar um pouco do coco, que é uma fruta interessante.

Coco 
O coqueiro é uma palmeira, que é uma coisa que parece uma árvore, mas não é. Mas como é de comida e de não botânica que se trata, fica essa conversa para outra altura, sim? A fruta do coqueiro é o coco, que é o que aqui nos interessa.

Sobre o nome do fruto, uma curiosidade: Parece que o nome do fruto, semelhante em várias línguas, vem do nome de uma antiga entidade fantástica portuguesa, que era usada para assustar crianças – ou seja, o equivalente do moderno papão ou homem do saco. É esta a origem proposta, por exemplo, pela Real Academia Espanhola. Descobri na Wikipédia que João de Barros «conta» esta origem na terceira das suas Décadas da Ásia (1563):
Um fantasmagórico coco (Wikimedia Commons)
Tem mais este pomo tão proveitoso outra casca de mui duro páo , per cima da qual ficam os finaes daquelles nervos , e fios da outra , á maneira do entre-casco da sovereira ou (por melhor dizer ) á maneira de huma noz descuberta da casca verde. Esta casca per onde aquelle pomo recebe o nutrimento vegetavel , que he pelo pé , tem huma maneira aguda , que quer semelhar o nariz posto entre dous olhos redondos , per onde elle lança os grellos , quando quer nascer : por razão da qual figura , sem ser figura , os nossos lhe chamáram coco , nome imposto pelas mulheres a qualquer cousa , com que querem fazer medo ás crianças , o qual nome assi lhe ficou , que ninguem lhe sabe outro, fendo o seu proprio , como lhe os Malabares chamam, Tenga, e os Canarijs, Narle.
É claro, pode agora discutir-se de onde vem o nome da aventesma, como o faz Joan Coromines, por exemplo, mas, como é de comida e não de etimologia que se trata, fica também isso para outra vez. E sobre cocos e coqueiros acrescento que:
   • a parte dura (o caroço) do fruto está envolta numas fibras chamadas cairo, que têm várias utilidades;
   • em Moçambique chama-se cafurro à casca dura do coco, que é usada como lenha;
   • a polpa seca do coco chama-se copra e é dela que se faz o óleo de coco;
   • a folha do coqueiro e outras palmeiras, trançada ou não, usa-se como cobertura de casas – é conhecida em Moçambique com o nome de macute, macúti ou macubar; e
   • da seiva do coqueiro faz-se uma bebida (alcoólica) chamada sura em Moçambique, que, para o meu gosto, é fixe quando está pouco fermentada e menos fixe quando fermenta muito.
E por agora chega – mas quem queira saber mais pode ver aqui mais usos dos cocos e dos coqueiros.

Leite de coco 
Passamos agora à parte mais propriamente culinária. Quando o coco é jovem, chama-se lanho. Só mais tarde ganha o nome de coco mesmo coco. Para se saber se um coco ainda é lanho ou já é coco, abana-se. Se não chocalhar, é porque está completamente cheio de água – é lanho e a água é boa para beber, mas a polpa não presta para fazer leite de coco. Se a quantidade de água já tiver diminuído lá dentro e, por isso, chocalhar, já é coco – a água não é tão boa, mas a polpa pode usar-se para cozinhar. O leite de coco é simples de fazer, mas dá algum trabalho:
Em Moçambique, usa-se um ralo, que é mais prático que um ralador, mas, 
claro, poucos serão os leitores deste texto que tenham uma coisa dessas…
Abre-se um coco, tira-se a polpa branca e rala-se com um ralador. Põe-se a polpa ralada dentro de água acabada de ferver e coa-se com um passador. Pode repetir-se a operação e pode espremer-se bem a polpa do coco no passador com uma colher.

É só isto. Agora, não estejam à espera que o leite de coco cheire logo muito: ele só começa a cheirar mesmo depois de cozinhado. Não havendo cocos à mão, pode comprar-se leite de coco já feito, em lata – não é a mesma coisa, claro está, mas também fica bem.


Matapa
Bom, há matapa com vários ingredientes e várias grafias, mas não quero aqui discutir se a verdadeira matapa é a de folhas de mandioca e só é matapa se levar amendoim e camarão seco. Se não quiserem chamar matapa ao prato de que aqui dou a receita, pois muito bem (saberá bem com qualquer nome, como a rosa do outro…), mas é esse o nome que lhe dá a minha amiga moçambicana com que o aprendi a fazer. Leva cebola, alho, óleo ou azeite, tomate, folhas de abóbora (jovens, tenrinhas, que não sejam ainda muito fibrosas), coco e sal.

Primeiro, faz se um refogado normal, com cebola e alho. À parte entalam-se as folhas de abóbora. Depois, picam-se as folhas e juntam-se ao refogado. Junta-se em seguida o tomate, pelado e picado. Enquanto a hortaliça apura, prepara-se o leite de coco, que depois se junta ao resto. Deixa-se cozer tudo muito tempo e pronto, é grande petisco!

«E não se pode substituir as folhas de abóbora por outra coisa qualquer, porque folhas de abóbora tenrinhas não se arranjam em lado nenhum?» Podem usar espinafres ou acelgas. De preferência acelgas, porque o espinafre tem muito sabor… a espinafre. Também fica bom.

Mucapata
Feijão-soloco com casca (Wikimedia commons) e
um saco de feijão-soloco já descascado.
A designação Phaseolus aureus é incorreta.
Mucapata é um acompanhamento moçambicano muito fixe e muito fácil de fazer: é só cozer arroz com leite de coco e com uma leguminosa chamada em Moçambique feijão-soloco (ou soroco ou holoco, com agá pronunciado), cujo nome técnico é Vigna radiata. Há quem ponha duas porções de arroz para uma de feijão-soloco, há quem faça metade-metade; há quem coza o arroz e o feijão-soloco em água e ponha o leite de coco no fim, há quem coza já com o leite de coco. Eu ponho metade-metade (mais ou menos) e cozo um bocado só com água e depois é que junto o leite de coco e deixo cozer até ficar tudo muito bem cozido. Decidam vocês o que vos agrada mais, depois de experimentar as várias possibilidades. Agora, cuidado, que o arroz e o feijão-soloco cozidos juntos têm tendência a pegar – deixem lá o Facebook para depois do jantar.

«Mas», perguntam agora vocês, «onde se arranja esse tal feijão taralhouco ou lá o que é?» Pois, não sei, mas devem conseguir encontrar numa dessas delikatessen exóticas que há. Aqui em Svenborg, arranjo com facilidade e já descascado – e ainda bem, porque descascar feijão-soloco é uma seca, e mucapata com a casca do feijão, nein danke!

Galinha à zambeziana 
Finalmente, a galinha à zambeziana à minha moda:
Arranja-se, se possível, uma galinha rija, galinha mesmo galinha. Coze-se a galinha em pouca água com leite de coco e uns bocados de cebola e pimento, mas só até estar meio cozida. Depois, pincela-se a galinha com azeite e alho e põe-se a assar na grelha. Vai-se pincelando sempre com o leite de coco (eu agarro na varinha e passo a cebola e o pimento dentro do leite de coco que usei para entalar a galinha, de maneira a que fique uma mistura relativamente espessa) até estar a pele bem tostada. Também se põe piripiri, onde se quiser: no líquido de cozer e pincelar; no frango juntamente com o azeite e alho; ou no prato depois de cozinhado... Quando se usa frango de aviário, como é geralmente muito mole, o mais avisado é não se cozer primeiro, paciência, e pincelar-se só com os temperos e com o leite de coco enquanto se assa.

Bom proveito! E perdoem-me a falta de fotografias dos pratos, mas não quis esperar até à próxima vez que os fizesse para publicar este texto. Enfim, deixo-vos pelo menos um bocadinho de música de fundo para a patuscada.



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