Quando se diz “música de intervenção social”, costuma ser de canções que se fala. À primeira vista, pareceria mais correcto dizer “letras de intervenção social”, porque, nessas canções, é a letra que se pretende politicamente interveniente. Mas talvez não seja sem importância o papel da música das canções na sua capacidade de intervenção… Há quem prefira fazer canções contra o establishment com música que é, ela própria, contra o establishment musical, mas parecem muito limitadas as possibilidades de uma música assim vir a agir fora do círculo restrito dos que, à partida, estão já de acordo com as suas mensagens... Quer o/a compositor/a pretenda denunciar atitudes difundidas ou mentalidades, convencer os outros da justeza dos seus ideais, ou apenas provocar, desestabilizar bem-pensâncias, deve querer chegar ao maior número possível de pessoas que não têm as mesmas atitudes, a mesma mentalidade ou a mesma ideologia que ele/a – sem o que a intervenção da canção é nula. Assim sendo, o que parece fazer mais sentido é usar uma estética musical que se julgue atraente para o grupo “inimigo” ou para a “massa dos indiferentes”. Agora, não sei se foi por razões estratégicas que os Housemartins ou os Chumbawamba escolheram a estética musical que escolheram (provavelmente, foi mesmo por gosto), mas, se tivesse sido, teria sido uma opção inteligente – parece bem mais operante fazer chegar o apelo à mudança, à revolta ou à evolução vestida de melodias despreocupadas que colem ao ouvido. As questões que se levantam imediatamente, porém, são as seguintes: Alguém liga alguma coisa às letras da música pop? Alguém as ouve de facto? E, mesmo que admitamos que sim, alguém compreende uma mensagem de intervenção como sendo uma mensagem de intervenção – e a leva a sério –quando ela se apresenta com uma roupagem dessas?
De entre os milhares de fãs dos Housemartins, quantos se deram conta, de facto, de que se tratava de uma banda política radical, com um apelo constante à consciencialização e à insurreição das classes desfavorecidas? Bom, parece difícil que esses milhares de fãs não tivessem dado por isso, de tão directas que as letras são, algumas no limite do panfletário. Mas, se se aperceberam, quantos levaram isso a sério? Quantos levaram a sério o chavão “Take Jesus, take Marx, take Hope” na capa do primeiro disco da banda?
Outro caso interessante é o dos Chumbawamba. A música dos Chumbawamba pode não ser a música mais interessante do mundo, mas a relação entre a música da banda, a sua postura política e a sua carreira sempre me fascinaram: Uma banda punk anarquista, depois de gravar vários álbuns para pequenas editoras independentes e de participar num disco colectivo chamado Fuck EMI, aceitou assinar um contrato com a EMI, precisamente, e fez um disco pop, Tubthumper (1997), que chegou a tripla platina nos EUA. As liner notes explicavam a postura radical da banda e as intenções políticas das suas canções, mas, quem não as lesse, dificilmente se apercebia delas, porque as letras não eram directas como as dos Housemartins. No disco seguinte, W[hat]Y[ou]S[ee]I[s]W[hat]Y[ou]G[et] (2000), também para a EMI, os Chumbawamba tentaram já deixar claro que a sua música pop era uma sátira ao universo da música pop (colagens de temas curtos com excertos sonoros vários, referências a produtos comerciais, etc.), mas continuaram a ser parcialmente incompreendidos. O álbum já não vendeu o mesmo que o anterior, mas vendeu bem. É muito provável que muitos dos seus consumidores fossem também consumidores da música que eles criticavam e que era, afinal, difícil de distinguir da que faziam para a criticar.
(Quero notar, só de passagem, que me parece extremamente significativa a inclusão em WYSIWYG de uma versão da canção “New York Mining Disaster”, do primeiro álbum dos Bee Gees. Trata-se de uma canção que pode muito bem ser entendida como uma canção de intervenção política, mas que provavelmente nunca foi assim compreendida. Acho que é aquela melodia que rouba completamente à letra – sobre mineiros soterrados após um acidente! – o carácter grave que ela tem. Nem os Housemartins tratariam duma maneira mais ligeira um tema tão pesado…)
Talvez conscientes da contradição que se tinham tornado, os Chumbawamba voltaram a uma música de intervenção mais convencional e perderam, por isso, o interesse que tinham, se não como compositores e intérpretes, pelo menos como curioso paradoxo da pop. Presumo que a capacidade de intervenção da sua música, essa, não se tenha alterado por aí além…
Então e a que propósito é que aparecem aqui os Irmãos Catita? Também fazem música pop de intervenção, é? Não exactamente, mas têm algo em comum com os Chumbawamba no seu período da EMI: Alguém me sabe dizer se eles estão a gozar com canções foleiras ou se aquilo são mesmo canções pirosas exactamente como aquelas com que podemos imaginar que estão a gozar? Acho que nem o Manuel João Vieira é capaz de responder a essa pergunta…
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