14/12/07

Do tempo e da sua falta: o tamanho como elemento fundamental da obra de arte

Já em 1883 falava Théodore de Banville, no prefácio à sua obra La lanterne magique, da adequação do formato do conto curto à falta de tempo da vida moderna. Ora eu, que nunca fui muito de milenarismos catastrofistas, não acredito muito que tenha havido tempos com mais tempo que outros tempos, sobretudo para ler livros. Qualquer pessoa pode constatar, por exemplo, que muitos best-sellers de aeroporto são pelo menos tão volumosos como os mais volumosos romances do séc. XIX e não deixam, por isso, de ser à medida da, credo!, “falta de tempo” contemporânea – se não, não eram best-sellers de aeroporto… Seja lá como for, o facto de se lerem obras maiores ou menores não tem implicações directas na totalidade de tempo que se dedica à leitura.

Dito isto[1], acho que o tamanho é um elemento muito importante de qualquer texto ou conjunto de textos, uma componente fundamental de uma obra literária, algo que a define tanto como o período, o género, o grau de erudição, a originalidade do estilo ou a falta dela, etc. Ainda há pouco tempo, aliás, uma amiga mo confirmava: “Ah, eu gosto muito de romances muito grandes!” “Romances muito grandes” é um tipo de romances. Tanto que a outra amiga, a quem a primeira queria impingir o romance muito grande que tinha acabado de ler e de que tinha gostado muito, não quis sequer tentar lê-lo..., por ele ser tão grande! Porque esta, ao contrário da outra, não gostava nada de “romances muito grandes”. É mesmo assim: da mesma forma que há quem goste ou não de romances de aventuras ou policiais, da mesma forma que há quem goste ou não de poesia barroca ou simbolista, da mesma forma que há quem goste ou não de estilos narrativos muito minuciosos, muito ruralistas ou muito a puxar ao lírico, também há quem goste ou não goste de obras longas. E isto aplica-se tanto a leitores como a escritores – e às suas concepções estéticas. Há quem prefira escrever livros volumosos, e há quem, como Théodore de Banville, prefira os formatos curtos – mas não é necessário justificar essa opção com a adequação da forma do conto à “pressa da vida moderna”.

O caso da música pode ser, reconheço, um bocadinho diferente... Não tanto quando se trata de ouvir música em casa, porque aí podemos ouvir aos bocados qualquer obra (se bem que isso não seja aconselhável para todas as obras…), mas quando queremos ver ao vivo certos tipos de música … Bom, é verdade que normalmente, mesmo para ouvir música ao vivo, não é preciso mais tempo do que para ir a um cinema ou a um teatro, ou para ir beber um copo com os amigos… Um bocadinho mais se formos ver Os mestres cantores de Nuremberga, de Wagner (o quê? 3 horas e meia, 4 horas, uma coisa assim…), mas também não é coisa que se vá ver todos os dias… Mas compreendo muito bem quem se queixe de que “a vida moderna” já não permite a representação integral de nadagamas, as óperas populares do Sri Lanka, “devido à duração excessiva das peças (toda a noite, às vezes várias noites de seguida)”. É claro que “é um luxo a que o público já não se pode dar”, pelo que “agora já só representam excertos, muitas vezes sem encenação, nem decoração nem fatos” (Herman Vuylsteke, nas notas de Comédies et Opéras Populaires du Sri Lanka, Chant du Monde).

[1] Detestável galicismo (Ceci dit,...) ou detestável anglicismo (Having said that,...)? Ora, deixam lá o Dito isto em paz…

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