I
A ideia de que uma pessoa se vai tornando mais sábia com a idade está tão espalhada que a aceitamos sem a escrutinar, como verdade a priori. Mas será mesmo assim?
Evidentemente, a questão de fundo é definir sabedoria. Uma volta pelas definições dos dicionários, depois da limpeza de redundâncias e sinonímias mascaradas, dá-nos dois tons de sabedoria:
Às vezes, diz-se sábia a pessoa com erudição, com grandes conhecimentos. É natural: afinal a palavra vem de saber, não é verdade? Sábio é quem sabe muito, pois então…
Mas sabedoria também pode ser bom senso, sensatez, juízo, em última análise talvez maturidade. Aqui já não é saber coisas que conta, mas saber da vida, ter dela experiência.
![]() |
Ludwig Knaus, Avô e neto a conversar, s.d. ca. 1900 |
Passemos ao outro significado de sabedoria. Na aceção de sensatez, a idade conta, mas talvez nem sempre como estamos habituados a pensar. É evidente que a acumulação de experiência de vida nos vai tornando mais ajuizados. Quando temos um reportório maior de resultados observados de determinadas ações e escolhas, sabemos melhor quais é resultam ou, no mínimo, quais é que não resultam. Agora, pode-se pensar-se também que talvez haja outro lado menos positivo do acumular de experiência, se esta cristalizar, a certa altura, numa conceção de normalidade que freia a acumulação de novas experiências.
Mas enfim, isto sou a falar, com algum bom senso, talvez, mas duvidosa sabedoria. Que diz sobre a questão quem muito refletiu sobre ela e/ou a investiga? É uma coisa que me acontece cada vez mais com a idade: quando acabo de refletir sobre qualquer coisa, sinto necessidade de ver o que já foi dito sobre ela. E, claro, a minha própria reflexão revela-se normalmente sem grande interesse, quando confrontada com o que pensaram pessoas mais informadas que eu. Agora, não sei esta consciência é um produto da minha crescente sabedoria ou se o que eu penso, com a degradação de capacidades que a idade vai trazendo, é cada vez menos inspirado e interessante… Mas adiante.
Antes de mais, assentemos em que wisdom em inglês corresponde bem a sabedoria em português. Pode haver nuances semânticas entre a noção de wisdom em inglês e a noção de sabedoria em português, mas creio que, no geral, as duas palavras são usadas para referir uma mesma capacidade ou característica; e que, quando se fala de uma pessoa sábia se está querer dizer o mesmo que quando se diz a wise person. E esclareço isto, porque não encontrei estudos sobre sabedoria em português, só sobre wisdom em inglês.
É claro, uma vertente fundamental da investigação sobre sabedoria é a investigação sobre a própria definição do conceito. Embora sempre em relativa consonância com as definições do senso comum e dos dicionários, os estudiosos não têm todos exatamente a mesma conceção de sabedoria*. Há quem defina a sabedoria a partir de três facetas essenciais: um profundo e abrangente conhecimento de si próprio, dos outros e do mundo [a faceta cognitiva da sabedoria], regulação de emoções complexas, no sentido de tolerância da ambiguidade [a faceta emotiva da sabedoria]; e uma orientação que transcenda o interesse próprio e se centre no bem-estar dos outros e do mundo [a faceta motivacional]. Há quem defina a sabedoria a partir de cinco critérios de base: grande conhecimento de factos, grande conhecimento processual (estratégias para dar conselhos ou resolver conflitos), contextualização dos problemas, relativismo de valores (aceitar as divergências entre indivíduos); e reconhecimento e gestão da incerteza. E há também quem defina mais sucintamente a sabedoria como aplicação de conhecimentos tácitos a problemas em que há conflitos entre indivíduos ou aspetos da vida.
É importante notar, sobretudo, que as capacidades atrás referidas não são, isoladamente, suficientes para constituir sabedoria. Para que a sabedoria se desenvolva numa pessoa, é necessária a convergência de certos traços de personalidade, como inteligência, criatividade, sociabilidade, equilíbrio emocional, orientação ética; alguma, mas não demasiada, autoestima e voluntarismo; e experiência de vida, sobretudo de situações difíceis.
Além disso, costuma dividir-se a sabedoria em sabedoria individual e sabedoria geral, conforme se trate de sabedoria sobre si próprio ou sabedoria sobre os outros. Estes dois tipos de sabedoria podem estar mais ou menos presentes numa pessoa, ou pode até estar presente só um deles. Muitos de nós conhecemos provavelmente pessoas que são boa conselheira de outros, mas procuram aconselhamento para os seus próprios problemas, que não conseguem analisar nem resolver.
Outra questão que se coloca é a da natureza da sabedoria: pensamos na sabedoria como característica ou competências, ou leque de capacidades ou competências, mas de um tipo mais essencial ou mais ocasional? Alguns estudiosos discutem se se trata de uma característica pessoal (uma pessoa é sábia ou não é) ou antes de um estado (uma pessoa tem sabedoria em certos momentos ou situações, mas não forçosamente em todas). E há quem defenda, com base em evidência, que se trata mais de um estado que de um traço estável de um indivíduo**.
E então, a sabedoria vai ou não aumentando com a idade? Evidentemente, não é fácil medir sabedoria e, como as definições de sabedoria nem sempre coincidem em pormenor, não são sempre exatamente as mesmas capacidades, competências, etc. — ou seja, a mesma sabedoria — que cada investigador quer medir, o que dificulta uma análise conjunta dos diversos estudos. Ainda assim, parece haver algumas conclusões a tirar da análise das medições que se fazem, às vezes como questionários de autoavaliação, outras vezes como análise de desempenho — e também no que toca à relação entre sabedoria e idade.
Sabe-se que, em geral, é mais difícil uma pessoa, sábia ou não, ter um bom conhecimento de si própria que das outras e que as crianças desenvolvem um conhecimento do mundo antes do autoconhecimento. Poderíamos, portanto, pensar que a sabedoria geral surge antes da sabedoria individual. Sabe-se também que, por outro lado, a memória funciona melhor para informação relacionada connosco próprios — mas que há casos, porém, em que apagamos ou modificamos inconscientemente recordações negativas.
No geral, a idade não parece ser fator determinante nem de sabedoria geral, nem de sabedoria. «Adultos mais velhos apresentam desempenho tão bom quanto adultos mais jovens. (…) Mas, como esperado, envelhecer não é suficiente para se tornar mais sábio. Em vez disso, descobrimos que adultos mais velhos tiveram melhor desempenho em dilemas típicos da sua idade, e adultos jovens tiveram melhor desempenho em dilemas típicos da juventude.»*
Demos a palavra a Julie Erickson, que resume a questão muito melhor do que eu seria capaz de fazer***:
«Há componentes que aumentam, permanecem estáveis e diminuem, bem como fatores contextuais relevantes que influenciam a trajetória da sabedoria ao longo da vida.
Aspetos da sabedoria que se sabe que melhoram, com base em pesquisas longitudinais e transversais, são a experiência de vida, a capacidade de autorreflexão sobre essas experiências, a regulação emocional, a empatia e a perspetivação. Isso sugere que, à medida que envelhecemos, geralmente vamos aprendendo a guardar espaço para diversas emoções e vamos aprendendo com a experiência, ao mesmo tempo que nos vamos tornando mais amáveis e mais conscientes das experiências dos outros.
Também há aspetos da sabedoria que podem não ser tão fortes numa idade mais avançada: quando é necessária rapidez no processamento de informações — por exemplo, na resolução de problemas novos e complexos — os idosos têm um desempenho inferior. Muitos idosos, porém, podem aprender a compensar esse declínio usando outros pontos fortes, como basear-se em experiências anteriores com problemas semelhantes.»
Não que a minha impressão inicial se afastasse muito destas conclusões, mas sinto que o texto ganhou em não ter ficado só pelos sete parágrafos iniciais. E eu mais que o texto. Quando se investiga alguma coisa, encontra-se sempre mais do que se procura e, também por isso, é sempre bom investigar tudo — ora aí está uma migalha de sabedoria que a minha experiência me ensinou.
Já agora, para terminar, uma constatação interessante descrita num artigo de Ursula Staudinger e Judith Glück*: as pessoas consideradas sábias dão conta de menos emoções, tanto negativas como positivas, que as outras pessoas, mas revelam-se emocionalmente mais empenhadas nos outros que as pessoas não consideradas sábias. Sábio é, concluo eu então, quem vive com moderação, também emocional, e não num romântico carrossel de afetos; e quem centra a sua vida nos outros e não em si próprio — virtudes em que muito já se tem insistido, não é verdade?, e desde há muito tempo... e que se aplicam a qualquer idade.
** Ver este artigo no número de 31.8.2016 da revista The Psychologist, da Sociedade Britânica de Psicologia, sobre um trabalho de Igor Grossman e outros. Também se pode aceder à versão pré-publicação de um artigo de Grossman, Kung, & Santos de 2019 sobre o mesmo tema.
*** Julie Erickson, «Do We Get Wiser as We Age? Aspects of wisdom both increase and decrease as we age», publicado em Psychology Today a 16 de junho de 2024.