É uma discussão antiga: a linguagem serve mais fundamentalmente para exprimir ou para comunicar o que nos vai dentro?
É obviamente uma maneira muito simplificada de pôr a questão, mas não quero aprofundar o assunto neste texto. Chega-me agora constatar que, como todos sabemos, falamos às vezes sozinhos ou com os nossos animais de estimação e que dizemos coisas sem nos certificarmos de estarmos mesmo a ser compreendidos – nem nos importarmos muito com isso...; e que, mesmo quando temos muito cuidado para fazer chegar aos outros as nossas mensagens, nem sempre os outros compreendem essas mensagens como nós queremos que as compreendam. Parece fácil assentar em que há na linguagem uma tensão permanente entre expressão e comunicação.
Agora, muita gente afirma que é através da arte que melhor se exprimem emoções, sentimentos, impressões, estados de espírito. A interpretação da arte é, porém, subjetiva. Quando se comparam as várias interpretações de uma pintura, de uma obra literária ou de uma peça musical, têm às vezes pouco em comum. E claro, quanto mais abstrata for a expressão, maior desacordo há sobre o que quer dizer, ou seja, sobre as interpretações comuns — menos comunicação. Mas isso não significa que o seu valor expressivo seja menor, claro está.
Surgiu-me uma ideia que não consegui ainda escrutinar devidamente e que talvez me possam ajudar a avaliar: será que quanto mais se puser a tónica na expressão, menor é a comunicação? (Evidentemente, já não estamos aqui exclusivamente no domínio da linguagem, mas a questão de comunicação versus expressão extravasa com certeza do que se diz ou escreve.)
Uma questão que se põe de imediato quando se começa a refletir sobre o assunto é como interferem simultaneamente na comunicação e na expressão os modelos artísticos, as formas fixas e as temáticas canónicas das diversas formas de arte. Surgidas provavelmente para facilitar memorização e reconhecimento, e efeito natural da “profissionalização” da expressão artística, as formas fixas, se servem bem para instituir uma arte também no sentido de ofício e para criar gostos e, por conseguinte, beleza (gosta-se, antes de mais, do que se re/conhece), limitam obviamente tanto a comunicação como a expressão de sentimentos, sensações, experiências, ideias, etc. Não é de surpreender que quem, na arte, valoriza a pureza da expressão se revolte contra as formas ou os conteúdos canónicos. Diz, por exemplo, Alexandre O’Neill em “Bom e expressivo (Poemas com endereço, 1962):
Acaba mal o teu verso,
mas fá-lo com um desígnio:
é um mal que não é mal,
é lutar contra o bonito.
Vai-me a essas rimas que
tão bem desfecham e que
são o pão de ló dos tolos
e torce-lhes o pescoço,
tal como o outro pedia
se fizesse à eloquência,
e se houver um vossa excelência
que grite: - Não é poesia!,
diz-lhe que não, que não é,
que é topada, lixa três,
serração, vidro moído,
papel que se rasga ou pe-
dra que rola na pedra . . .
Mas também da rima “em cheio”
poderás tirar partido,
que a regra é não haver regra,
a não ser a de cada um,
com sua rima, seu ritmo,
não fazer bom e bonito,
mas fazer bom e expressivo . . .
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