Quando me sentei, reparei na guitarra encostada a uma cadeira num equilíbrio que me pareceu muito precário. Provavelmente, estava assim há muito tempo. Se tinha sido eu a pô-la ali – e era o mais provável –, devia estar assim desde antes das férias, há uns três meses. Primeiro, surpreendeu-me que se tivesse aguentado assim tanto tempo, tão vertical e praticamente sem apoio; mas, logo de seguida, acusei-me a mim próprio de irracionalidade: «Ora, se aqui não há vento, nem se exerce sobre ela força nenhuma, o equilíbrio não se altera – um segundo ou cem anos, que diferença faz?» Pois sim, mas a madeira trabalha, contrariei-me, é coisa viva, de maneira que era melhor não abusar da sorte, e levantei-me para dar um jeito na guitarra.
A vida é assim: Provavelmente, a guitarra estava ali em equilíbrio muito precário há já vários meses, mas só quando eu resolvi dar-lhe um jeito, não fosse o diabo tecê-las, e mesmo, mesmo antes de eu lhe tocar, é que ela caiu. E estragou-se um bocado.
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