A minha filha Joana dizia um dia destes ao jantar que gosta de
estar no quarto de luz apagada, mas que eu, quando lá entro e a vejo assim, lhe digo sempre a mesma coisa: «Então, estás aqui no escuro?»
A Joana é dinamarquesa, para quem não saiba. A frase «Então,
estás aqui no escuro?» está correta e ela pronuncia-a bem, sem sotaque
estrangeiro. Aquele «no escuro», porém, chama-me a atenção. Ele sempre me ouviu
dizer a mesma frase (ela tem agora 13 anos), mas nunca foi essa a frase que ela
ouviu: eu digo sempre «às escuras» quando quero dizer «de luz apagada». Quer dizer, não é impossível que ela tenha
ouvido dizer «no escuro» a outras pessoas, com esse mesmo sentido, mas é bastante improvável que o tenha
ouvido muitas vezes.
Há duas possíveis explicações: uma é que seja
a influência do seu dinamarquês materno que a leve a dizer assim: «no escuro» é
a transposição direta do «i mørket» dinamarquês; outra é que crie ela próprio a
forma regular portuguesa, a partir do léxico e regras que tem interiorizadas. E
digo «regular», porque «às escuras» é obviamente uma expressão cristalizada,
desviante em relação à lógica mais comum do português (no quarto, na
escuridão…). Uma expressão idiomática, se preferirem, que se aprende inteira.
O que é preciso para produzir expressões que vão contra as
regras que se aprenderam, não sei. É uma discussão muito complicada. Mas parece
certo que têm de ouvir-se muitas vezes. Numa situação como a da Joana, para
quem o português não é exatamente língua estrangeira, mas também não é uma
língua com que tenha ou tenha tido muito contacto, parece que, quando a
expressão idiomática compete com uma construção semelhante vinda da gramática
interiorizada, é esta última que ganha.Também é preciso ver que se aprende a dizer «no escuro» com muitas frases em que entra a preposição em e/ou o nome escuro, mas só se aprende a dizer «às escuras» ouvindo precisamente essa expressão ― ou ouvindo a expressão «às claras», desconfio.
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