Há muitas regras de comportamento iguais, ou quase, em todas as sociedades humanas de todos os tempos e de todos os lugares; há outras que variam, às vezes muito, de sítio para sítio e de uma para outra época; e, de vez em quando, há costumes que nos surpreendem, porque, por preconceito, não esperamos encontrá-los numa determinada sociedade. Descobri há pouco tempo, em painéis com informação histórica que há num bonito percurso para caminhadas entre Hasle e Vang, em Bornholm, que os barcos que encalhavam nas costas rochosas eram uma importante fonte de receita para as comunidades pesqueiras da zona, que rapidamente os aliviavam de toda a carga, mal a tripulação os abandonava – e que, muitas vezes, essas mesmas populações «ajudavam o destino» (é a expressão usada no painel), atraindo os navios com falsas luzes para os fazer encalhar. É mais que roubo, note-se, é pôr em grande risco vidas humanas, pois que nem sempre as tripulações dos navios saiam ilesas dos encalhes.
Vários amigos meus dinamarqueses garantiram-me alguns que esta pirataria de costa estava longe de ser uso apenas daquela zona; que a mesma prática criminosa era comum, e «socialmente aceite», noutras partes do país – e nomeadamente na costa oeste da Jutlândia, por exemplo. Não sei qual é a parte de história e a parte de lenda nestas histórias que se contam, mas não me surpreende nada que, se se fazia em Bornholm, se fizesse o mesmo noutros lugares. E não só na Dinamarca, claro está. Quem sabe se não seria prática comum noutros lugares do mundo...
A ocupação nazi da Dinamarca terminou a 5 de maio de 1945, quando as forças alemãs se renderam às forças aliadas comandadas pelo general Montgomery, que tinham chegado a Lüneburg, na Alemanha. Em Bornholm, porém, não foram as tropas de Montgomery que exigiram a rendição alemã, mas sim as tropas soviético. E os alemães não quiseram render-se-lhes – aos aliados ocidentais, rendiam-se; ao Exército Vermelho, não! Os russos avisaram então que Rønne e Nexø, as duas maiores cidades da ilha, tinham de ser evacuadas, porque iam ser bombardeadas. E foram, no dia 7 e no dia 8.
A minha sogra é de Bornhom e tinha dez anos nessa altura. Foi mandada, com a irmã de 13 e o irmão de dois, para a quinta dos avós. Tiveram de fazer a pé, o irmão num carrinho de bebé, os cerca de 9 km que separam Rønne da quinta. Ainda não tinham chegado ao seu destino quando começou o bombardeamento. Ficaram a ver de longe as explosões e a cidade a arder, sem saber da sorte dos pais, que tinham ficado na cidade.
A minha sogra diz sempre que a ocupação russa, que durou cerca de um ano, foi pior que a ocupação alemã, mas não se deve lembrar de grande coisa. Muito provavelmente, está mais a repetir o que se dizia que a dar conta daquilo que realmente viveu. Fui ver no Museu da Defesa, em Rønne, uma exposição sobre a ocupação soviética de Bornholm. Explica-se que houve, claro está, um ou outro problema com os soldados russos, como seria de esperar que houvesse com qualquer força militar de ocupação, mas parece que os soldados viveram, em geral, muitos isolados da população. Agora, eram gente muito estranha para a população da ilha, com uma cultura bem mais diferente da sua que a dos ocupantes alemães; e, sobretudo, as pessoas tinham medo que os comunistas ocupassem a ilha para sempre.