21/12/18

Boas Festas!


Que o Natal é uma quadra
parece-me a mim bem dito,
que sextilha do Natal
soa mal, fica esquisito.

(Talvez cestinha, isso sim,
ou talvez antes cabaz,
como aqueles que havia
nos meus tempos de rapaz...) 

É então essa a razão,
percebem vossemecês?,
de irem os versos aos quatro
e não aos cinco ou aos três... 

Mas já chega de conversa,
vamos ao essencial:
um Natal muito feliz
nesta quadra do Natal!



15/12/18

Salada de couve

Há quarenta anos (xiii!, já?) escrevi uma letra chamada «Iss’é qu’é p’ciso blues», que um amigo meu depois musicou, mas que nunca ninguém chegou a gravar. Era uma lengalenga muito comprida, em versos também muito compridos (redondilha dupla, quem já viu uma coisa assim?), que descrevia um dia da minha vida de jovem frique suburbano. Dizia assim uma das estrofes da coisa:
‘Tava com fome, fui comer, fiz ‘ma salada de couve,
a minha avó chamou-m’maluco, qu’eu ‘tava sempre a indear.
Eu chamei-lhe ignorante. «’Tá bem», disse ela, «mas ouve,
Vai mas é fazer a cama, qu’a tua mãe ‘tá a chegar.»
Indear era palavra da minha avó. Acho que era uma amálgama de idear com índio: «inventar coisas exóticas, disparatadas…» A salada de couve era uma das inovações que tinha trazido das minhas viagens. Ao contrário de outras extravagâncias minhas, a minha avó nunca a adotou. E eu também a fui esquecendo.

Lembro-me muito bem de um agradável reencontro com a salada de couve num bar americano, algures nas Caraíbas, onde comi uma das melhores sandes da minha vida: coleslaw, a tal salada de couve, com corned beef, muita e cortada em fatias muito fininhas, com mostarda e molho de rábano, num excelente pão de centeio torrado (uma variação da sandes Reuben). Mas foi em Moçambique que a salada de couve se tornou um elemento constante da nossa alimentação. Importada dos países vizinhos em tempos de escassez de alimentos, a salada de couve passou a fazer da dieta de muitos moçambicanos – e da nossa.

Que mais? O que de mais importante há para dizer sobre a salada de couve, di-lo Louis Jordan na canção que vos deixo aqui mais abaixo: «Coleslaw … is just cabbage raw». É isso mesmo: seja no Arkansas ou lá onde for, é só couve crua. Mas pode desenvolver-se um pouco o assunto:

Use-se repolho ou couve coração-de-boi. De preferência, esta última, para o meu gosto. Não é que não se possa usar outra couve, mas não é a mesma coisa. Corte-se a couve em tiras muito fininhas, quanto mais fininhas, melhor. Aconselho tirar as partes grossas do centro da couve. É claro, tem de se usar uma faca de cozinha grande (normal, enfim, mas sei que há quem tenha a mania de facas pequenas…) ou então uma faca de pão, também, funciona bem.


A coleslaw propriamente dita costuma ser uma mistura de couve e cenoura ralada com maionese, mas cá em casa é raro comer-se dessa salada de couve. Normalmente, temperamos a couve cortada com azeite, vinagre balsâmico e sal, e fica assim a cozer um bocadinho no tempero. Cuidado com o sal, que a couve encolhe muito e, se uma pessoa não conta com isso, pode a salada ficar salgada. Depois, antes de servir, junta-se o que se quiser. Muitas vezes, usamos nozes, cortadas grosseiramente, e passas de arandos. Também é bom polpa de toranja aos bocados, depois de muito bem limpinha daquelas peles grossas que a envolvem. Mas, como se costuma dizer, a imaginação é o único limite.

Agora, a rainha das saladas de couve é, para mim, a salada de couve com manga e caju. Não é uma salada barata, pelo menos aqui na Dinamarca, mas vale a pena. Usem manga verde. Quer dizer, verde-verde não, mas meio verde — ainda firme e sem sumo, pronto. Podem cortá-la às tirinhas fininhas ou em lâminas também muito fininhas (feitas, por exemplo, com o descascador de batatas). O caju, escusam de o cortar.

Se a couve trabalha muito no estômago? Há quem diga que sim, um bocadinho. Paciência.

Louis Jordan, “Coles Slaw”, 1949