09/02/19

Uma sopa improvisada

Dizia-me uma vez um amigo que, em culinária, o mais importante é a imaginação. Mas imaginação só não chega. É certo que é muito importante atrever-se a experimentar, mas há que ter também uma boa noção de como se equilibram sabores e consistências, para que os produtos da imaginação não sejam tão inovadores como intragáveis.

Faço muitos pratos de muitos sítios diferentes, mas nem sempre os faço da uma maneira canónica. Creio que sou nisso igual à maior parte das pessoas que gostam de cozinhar – acaba-se sempre por se dar um toque pessoal… Também faço, porém, muitos pratos que não são de lado nenhum, que são invenções minhas. Ou apenas variações sobre pratos existentes, em que, de tão afastadas, já ninguém reconhece o original. Dos pratos que invento, há muitos que, por razões várias, não volto a fazer, mas também há alguns que repito e alguns que passo até a fazer com regularidade. A invenção de que vos falo hoje já foi repetida e há de sê-lo mais vezes, estou em crer – ficou uma coisa mesmo ao gosto da malta cá de casa.

Antes de passar à receita da sopa, deixem-me só explicar que, cá em casa, raramente se fazem compras para fazer especificamente este ou aquele prato. Quando vamos ao supermercado, compramos o que houver de bom e barato e depois vai-se diariamente decidindo o que se faz com os produtos que há na despensa, no frigorífico ou no congelador.

No outro dia, dei com um frigorífico, um frigorífico relativamente vazio. Havia talos de aipo, uns pimentos vermelhos, um resto de abóbora (por acaso, daquela a que se chama hoikkado ) e um resto de couve coração-de-boi. Havia cebolas na despensa e tomate em pacote já passado e havia no congelador uma mistura de mariscos congelada, que costumo usar para fazer arroz de marisco. E pronto, é esta a lista dos ingredientes sólidos da sopa. É claro que a fica ainda melhor se se usar marisco fresco e tomate fresco, passado no robô ou com a varinha.

Piquei muito grosseiramente a cebola, o talo de aipo e os pimentos e pus a refogar tudo em azeite, em lume muito brando. Entretanto, ralei a abóbora no robô, com a lâmina de ralar mais grossa, e juntei ao refogado. Deixei estar aquilo muito tempo, a apurar, a apurar, até começarem a aparecer sucos castanhos – é mesmo antes de começar a queimar, sabem?

Queria então molhar com um copinho de vinho branco, mas, que chatice!, tinha-se acabado. Um bocadinho de conhaque ou afim havia de ficar bem, pensei eu, mas também não havia. Espera! E um bocadinho de vinho do Porto? Um bocadinho só, para não adoçar a sopa, mas o suficiente para cortar o ácido ao tomate que vinha a seguir e, claro, para dar à sopa um travo especial.

Quando o cheiro a vinho deixou de sobressair, juntei o tomate. Continuou tudo a refogar muito devagarinho, até ficar o estufado a precisar de líquido. Juntei aí a couve cortada aos bocados e a mistura de mariscos, que sempre dão algum líquido, e continuou tudo a estufar mais um bocado.

Quando secou, deitei-lhe um bocado de água de cozer couve-flor e curgete do dia anterior. Eu guardo sempre os caldos de cozer coisas, porque me podem ser úteis em molhos ou sopas, como este foi neste caso. É claro, se tivesse sido água de cozer marisco, melhor seria…

Não deixei cozer muito mais, só uns dez minutos, uma coisa assim, porque não queria a couve a os mariscos muito cozidos. Uns minutos antes de apagar o lume, ajustei o sal e juntei à sopa meia grama de açafrão (açafrão mesmo, curcuma não!), para rematar o paladar e, de bónus, melhorar a cor.

Não foi preciso ligar a sopa com coisa nenhuma, porque a consistência estava como eu a queria. Ainda assim, como tinha no frigorífico um bocado de cevada cozidos (ou cevadinha francesa, como também se chama), deitei uns bagos no meu prato. Os outros comensais não quiseram, preferiram a sopa sem mais entulho.

Bom proveito!


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