Falei-vos no outro dia da palavra milho, falo-vos hoje de polenta. Sempre alimenta mais que a palavra milho…
O milho é já há bastante tempo um dos mais importantes produtos alimentares da África subsaariana, se não o mais importante. Introduzido em África no séc. XVI, o cultivo do cereal americano foi-se espalhando até se tornar uma parte fundamental da identidade cultural de muitos povos africanos. A que se deve esse sucesso do milho? A ser fácil de cultivar, sem dúvida, e a não ter um sabor muito marcado, provavelmente. Em Moçambique chama-se sadza, úchua ou chima, entre outros nomes, à massa de milho (massa é a palavra «portuguesa» do português de Moçambique...) que praticamente toda a gente come praticamente todos os dias[1]. Há até quem considere que comer sem massa não é bem comer... A massa de milho é um acompanhamento tão neutro como o arroz ou as batatas, e é assim que têm de ser, ao que dizem, todos os alimentos de base. Já li algures que é precisamente essa a razão pela qual os africanos preferem o milho branco ao milho amarelo: tem menos sabor.
Pietro Longhi: La polenta, 1740. Coleção Ca' Rezzonico (daqui) |
Mas enfim, vamos à parte mais substancial do texto. Creio que a sadza de milho europeia mais conhecida internacionalmente é a polenta italiana. É acompanhamento que se come muitas vezes cá em casa e passo a descrever a polenta à minha maneira. Talvez um italiano a achasse pouco ortodoxa, não sei – também há tantas maneiras de a preparar em Itália…–, mas havia de gostar, tenho a certeza:
Faço um refogado em azeite com vários legumes (cebola, curgete, cenoura e pimento, e mais, conforme o que tenha à mão e me apeteça), deixo apurar bem e junto líquido. O melhor é caldo de carne, acho eu, depois de retirada a gordura, mas um caldo de legumes ou mesmo leite também funcionam bem. Deixo ferver e deito a farinha de milho em chuva, mexendo sempre. Tem de ser farinha de milho moída grossa, senão não fica bem. Contam-se, em princípio, quatro medidas de líquido para uma de farinha, mas isto pode variar um pouco de farinha para farinha e também depende de se querer a polenta mais ou menos grossa. Agora, o importante é deixar cozer em lume brando durante pelo menos quarenta minutos, mexendo de vez em quando, para não se pegar. Isto pode parecer um exagero, mas é assim que os italianos fazem e quando se experimentou vários tempos de cozedura, torna-se óbvio que a polenta cozida muito tempo sabe mesmo melhor. Depois de pronta, pode deitar-se queijo ralado lá dentro ou até cobri-la de queijo ralado e levar ao forno a gratinar. Lembrem-se que os restos de polenta que ficarem se podem aproveitar mais tarde cortando-os aos palitos grandes e fritando-os. É bom.
A minha polenta |
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[1] Em princípio, come-se massa com caril. Caril não significa, neste contexto, o que estamos habituados que signifique, uma mistura de especiarias indiana ou um prato com elas preparado. Caril é tudo o que acompanhe a massa para não a comer apenas seca, muitas vezes um estufado de legumes. Quer dizer, caril também pode, portanto, ser… caril; mas a maior parte das vezes não é.
[2] Sei que há várias mazamorras de milho na América Latina, mas ou são doces, ou são líquidas ou levam muitos outros ingredientes além do milho, não são propriamente como a massa de milho africana.
[3] Pelo menos na Albânia (harapash), na Bulgária (kachamak), na Croácia (palenta ou pura), na Hungria (puliszka), na Moldávia (mamaliga), na Polónia (mamałyga), na Roménia (mămăligă), na Sérvia (kachamak) e na Ucrânia (tokan). Mas há mais. E há papas, como o močnik e o žganci eslovenos, que não são forçosamente de milho, mas também podem ser feitos de milho. É fácil encontrar na Internet fotos e receitas de todas estas massas de milho.
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