M. trabalha num lar de idosos em Marselha e trabalha demais. Raramente recusa os turnos extra que lhe propõem quando falta pessoal. Também o trabalho é ali mesmo, mesmo ao lado de casa. Fora do trabalho, M. ajuda outras pessoas. «As pessoas não fazem ideia de como a vida é difícil noutros lugares», repete ela muitas vezes. «Ou aqui, para quem não tem nada. As pessoas têm tantas coisas e nem sonham o que é viver sem ter as coisas que elas têm. Dizem mal dos outros, mas não os percebem. Não fazem ideia do que é a vida deles. As pessoas que vêm ali vender coisas a Noailles, por exemplo. Alguns andam a apanhar tudo o que presta nos caixotes do lixo. Outros dão-lhes coisas. Se calhar, outros roubam também, mas quem é que os pode criticar? Muitos nem podem trabalhar, não lhes dão papéis. Vivem daquilo que vendem. Se não vendem, não comem. É fácil criticar, que não pagam impostos, isto e aquilo, que são marginais. Eu também já os cheguei a criticar. Mas agora sei o que é a vida deles e não os critico. Antes os ajudo no que posso. Neste momento, dou abrigo a um homem do Kosovo. Ligou-me há bocadinho. A polícia fez uma rusga em Noailles. A malta que lá estava a vender e que não tem papéis teve de fugir a correr. Muitos deles deixaram as coisas no chão. É sempre a mesma coisa. Depois vem um camião do lixo e leva aquilo tudo. Era daquilo que aquelas pessoas iam viver um dia ou dois ou mais, mas a polícia deita tudo fora. Aquelas pessoas vivem de quê? A maior parte das pessoas nem sonha o que é a vida daquela gente, o que é a vida de tanta gente... O homem que eu ajudo não pode voltar ao Kosovo. Não lhe dão licença de residência aqui, mas ele também não pode voltar a casa. Se voltar ao Kosovo, matam-no. Colaborou com os sérvios durante a guerra. Ele era um rapaz novo e não percebia bem as coisas. Mas ninguém se esquece e ninguém lhe perdoa. E eu ajudo-o no que posso, dou-lhe alojamento, mais não posso fazer. As minhas filhas não sabem. Elas ficam zangadas quando sabem que eu ajudo alguém, com dinheiro ou seja lá com o que for. Se quero ajudar alguém, dizem elas, que participe numa organização, numa coisa organizada, que assim com caridade não resolvo nada e um dia ainda me arrependo. Mas elas não percebem bem o que é a vida destas pessoas.»
copo bem mais que meio cheio
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Em 2023, festejei o meu aniversário na clandestinidade porque estava a
lidar mal com aquele 60. Enfim, clandestinidade relativa: avisei os amigos
de Berli...
Há 18 horas