Dos hinos nacionais que conheço, não me lembro de nenhum que me agrade mesmo – nem melodias nem letras... Mas enfim, também conheço poucos. Não deixa de ser curioso, porém, que não haja mais hinos nacionais que sejam canções «tradicionais» ou «folclóricas». Parece que ficaria bem à romântica ideia de nação um símbolo que romanticamente definisse «a alma de um povo», uma capacidade que — muito romanticamente também — se atribui muitas vezes à música «tradicional» ou «folclórica».
«Tradicional» ou «folclórico», quando se refere a autoria (ou ausência dela, seja), significa apenas que não se sabe quem é o autor. Muitas vezes, a canção de autor desconhecido assim referida sofreu várias mutações, ou seja, foi reescrita por várias pessoas anónimas ao longo do tempo, e tem, muitas vezes, várias versões, todas de autor desconhecido. Quando olhamos para a lista dos hinos nacionais, presentes ou passados, e dos seus autores, só os da Eslováquia (música), da Suécia (música) e de Montenegro (letra e música) são «folclóricos»*.
Por mim, proponho a canção tradicional «Segadinhas» para hino português: presta-se a ser cantada em coro por muita gente, até com arranjos sofisticados, é rica em lirismo, que muitos consideram uma qualidade nacional, com uma mensagem bem mais razoável e mais positiva que o apelo bélico e suicida a marchar contra canhões, e inclui o termo larilolé, que é dos mais portugueses que há... Mas receio que não haja muito gente a concordar comigo.
Agora, um caso curioso é «Land of the Rising Sun», o hino da República do Biafra, autoproclamada em 1967 e que durou só até 1970. A letra é de Charles Okereke e a melodia é do hino «Finlândia«, de Jean Sibelius, extraído do poema sinfónico do mesmo nome e transformado em canção com duas letras diferentes, a primeira de Wäinö Sola em 1937 e a segunda de Veikko Antero Koskenniemi em 1941 (além de outras letras noutras línguas). Ora, o hino «Finlândia» não só é uma obra nacionalista, como tem sido muitas vezes proposto para hino nacional da Finlândia, sem que isso se tenha concretizado. Só no Biafra é que «Finlândia» finalmente cumpriu, durante três anos apenas, a sua vocação de hino nacional.
Para terminar, deixo-vos o poema sinfónico Finlandia, de Jean Sibelius, numa excelente versão, por tal sinal muito finlandesa: a Orquestra Filarmónica de Helsínquia conduzida por Leif Segerstam. Não é propriamente um hino nacional, mas é uma obra referida no texto e é mais bonita que os hinos nacionais que conheço. Para mim, claro.
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* O hino do Sara Ocidental também é de compositor e letrista desconhecido, mas não me soa nada a tradicional sarauí. A música do hino «God Save The King», que é usada também no hino nacional do Listenstaine, também é de autor desconhecido e decerto suficientemente antiga para poder ser considerada «tradicional»...