05/06/23

[Frango de] Fricassé


Depois de vários meses sem aqui pôr nada, proponho-vos uma receita de frango. Não estejam à espera de invenção ou de inspirada variação: é uma receita clássica que vos trago — tão clássica que até já deu lugar a variações regionais que se tornaram clássicas elas próprias. E não vos vou dizer que este é que é o «verdadeiro» fricassé, ou o fricassé «original», porque isso não há nem nunca houve, mas é um fricassé relativamente canónico, se se pode dizer assim. E muito saboroso!

Mas porque me fui eu lembrar de fricassé? Bom, num grupo de amigos, falou-se um dia destes desse prato e de várias maneiras de o fazer. E então, por causa disso, fui ver um bocadinho a história da palavra e daquilo que ela refere, e fui ver o que diziam os clássicos. E fiquei cheio de vontade de comer um fricassé, claro está, que já não comia há muito tempo. De maneira que fiz um e estava bem bom.

O verbo francês fricasser, de origem discutida (de frire + casser ou de fric- + o sufixo -asser?) está atestado já no séc. XV. O significado parece estar sempre ligado a carne cortada em pedaços cozinhada no seu próprio caldo. A carne que mais se usa para fricassé é a de galinha, mas o mesmo processo também se pode usar para outras carnes e até mariscos. Para Escoffier, no seu clássico Guia Culinário de 1903, a diferença entre um fricassé e uma blanquette é que, nesta, a carne é só cozida no caldo, ao passo que, num fricassé, a carne é primeiro salteada em manteiga e só depois molhada com um caldo branco previamente preparado. Na receita de Escoffier, como em várias outras receitas de «Fricassé à moda antiga», há um duplo espessamento do molho: a carne é primeiro polvilhada de farinha antes de ser salteada, o que forçosamente contribui para ligar o molho, mas este é também ligado no fim com gemas de ovos e nata.

As variações sobre o prato são muitas por esse mundo fora, mas, na versão mais comum em Portugal, omitem-se as natas, os cogumelos e a farinha — liga-se só com gemas de ovos, a que se junta sumo de limão e salsa picada.

O melhor é uma pessoa adaptar as receitas ao que tem à mão e à inspiração do momento, Desta vez, o meu fricassé foi assim:

Primeiro, desossei o frango, só para lhe tirar a carcaça. A carcaça não fica bem num prato assim, além de que, se uma pessoa não tiver caldo de galinha já feito e não quiser usar caldos desses liofilizados que se compram em cubos, precisa de ossos para fazer a canja, não é verdade? Cortei a carne em bocados pequenos, com as pernas e as asas cortadas ao meio e os peitos divididos em quatro.

Numa panela, pus a carcaça do franco e a ponta das asas a cozer com uma cebola, uma cenoura, umas ramas de aipo e de alho francês e um ramo de cheiros (tomilho, dois tipos de salva e alecrim, que é o que tenho agora no quintal).

Pus os bocados de frango a dourar numa frigideira com cebola e alho previamente refogados. Ao fim de pouco tempo, retirei os bocados de carne branca, para não ficarem secos demais. Depois de cozinhados mais uns minutos as asas e pernas, tirei-lhes a pele: é boa para dar sabor, mas não a queria no prato final. Pernas e asas voltaram à frigideira, juntei-lhe uns cogumelos cortados em lâminas. Uns minutinhos depois, cobri tudo com a canja, que entretanto tinha passado num passador. Juntei-lhe um pouco de nata. Deixei cozer neste molho mais alguns minutos e juntei-lhe então a carne branca. Quando dei por terminada a cozedura, já fora do lume mas ainda muito quente, juntei-lhe duas gemas de ovos, que tinha batido com sumo de limão e salsa picada. Voilà ! 

Ah, já agora: a receita de Escoffier inclui sumo de limão. De facto, o sumo de limão só é diretamente mencionado na receita de blanquette de vitela, mas na receita de fricassé diz-se que o molho se faz da mesma forma que o da blanquette.


1 comentário:

Anónimo disse...

Que requinte! Estará muito melhor que o meu!