26/10/23

Alguém a quem falar [Crónicas de Svenddborg #46]

 

B. partiu a tíbia e foi operada. Voltou a casa logo após a operação e tem de começar de imediato a mexer-se, se quer que a perna alguma vez volte a funcionar mais ou menos. O pessoal do apoio domiciliário sabe muito bem o que deve fazer para a mobilizar o mais possível. E é isso que faz. 

B. protesta às vezes, se tem dores. O pessoal do apoio domiciliário é paciente e cuidadoso, e vai fazendo com que ela se mexa o mais que pode. Enquanto duram as visitas, B. não para de falar. Fala de tudo e mais alguma coisa, fala, fala, fala. As pessoas do apoio domiciliário mantêm-se o mais das vezes caladas, tirando explicar a B. o que vão fazer a seguir e porquê, e insistir na necessidade de ela se mexer o mais possível, porque senão, com aquela, idade, já não volta a andar sozinha.  

B. não para de falar e é difícil para o pessoal do apoio domiciliário terminar a visita de uma forma que não seja muito abrupta, que ela talvez sinta como um pouco rude, até, ou como abandono, desinteresse. É claro que há ali um desentendimento: eles vão lá a casa para a ajudarem a fazer o exercício necessário para poder voltar a andar; mas voltar a andar não é o maior desejo dela — ela quer é alguém que a ouça, alguém a quem falar.