13/06/24

E com que regra se formam as formas irregulares?

 

Ao descrever um programa de produção de texto que criou, Douglas Hofstadter (Gödel, Escher, Bach: an Eternal Golden Braid, pág. 631 deste pdf) explica como resolveu a questão das formas irregulares da flexão (traduzo eu):

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«Muito teve de ser feito ao nível das palavras, como seja conjugar os verbos e fazer o plural dos nomes; os nomes e verbos irregulares também eram primeiro formados regularmente e em seguida, se as formas geradas fossem iguais a alguma entrada de umas tabelas, eram feitas substituições pelas formas (irregulares) certas.»

Compare-se, por curiosidade, este processo de inteligência artificial com o que Steven Pinker propõe, em Words and rules (1999), como mecanismo linguístico subjacente à produção de formas irregulares pelos seres humanos. Pinker dá, na passagem que aqui traduzo com algumas explicações minhas entre parênteses retos, um exemplo das formas irregulares do passado em inglês, mas o mecanismo aplica-se, segundo os defensores desta hipótese, as todas as formas irregulares:

«Se a memória nos fornecer uma forma [irregular] do passado de uma palavra, é bloqueada a produção da forma regular; é por isso que os adultos, que conhecem broke [passado irregular de break], nunca dizem *breaked [a inexistente forma regular, às vezes produzida por crianças que ainda não memorizaram a forma irregular]. Quando isto não acontece (por defeito), aplica-se a regra; é por isso que as crianças conseguem produzir ricked [passado regular de rick, «torcer, dar um jeito a (parte do corpo)»], e os adultos conseguem produzir moshed [passado regular de mosh, «dançar aos pulos, num concerto»], mesmo que nunca tenham tido possibilidade de memorizar nenhuma destas formas.»

É curioso, porque o método que Hofstadter usou para o seu programa de produção de texto não só é o oposto do que Pinker propõe que se passa no cérebro humano, mas difere também das outras teorias que conheço sobre a geração de formas irregulares. Já aqui falei disto uma vez e referi que, além da teoria que Pinker defende, há ainda uma teoria que diz que, como todas as outras formas flexionais, as formas flexionais irregulares são produzidas pela nossa mente a partir de regras computacionais – as formas irregulares a partir de regras menores – e outra segundo a qual todas as formas são memorizadas a partir de um sistema complexo de relações entre traços das diversas formas. Não sei se haverá também quem defenda (mas é bem possível...) que se passa no nosso cérebro algo semelhante ao que se passa no programa de Hofstadter.



[Imagem: Desenho decorativo. autor desconhecido, séc. XIX. Wikimedia Commons, daqui]

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