29/03/25

Da memória: o almoço de G. e outras histórias [Crónicas de Svendborg #50]

 

Visita da manhã a G. G. sofre de demência, mas ainda tem consciência da sua doença. Já está vestida e arranjada quando chego. Dou-lhe os medicamentos da manhã, sirvo-lhe o pequeno-almoço e digo-lhe que vou fazer também uma sandes para o almoço*. Ela diz que não vale a pena, que faz ela o almoço quando for hora de almoçar.
− Mas sabe que se esquece das coisas – digo eu. − E depois esquece-se de fazer almoço.
− Eu sei, eu sei... – responde G. – Mas também o almoço estar já feito não faz diferença nenhuma: mesmo que fique aqui à minha frente, eu depois esqueço-me de o comer… 

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Ruínas de adobe, Camargo, Bolívia.
Agora, mesmo não sofrendo de nenhuma doença que afete as capacidades cognitivas, porém – e num grau completamente diferente! –, é certo e sabido que basta avançar na idade para que a memória deixe de funcionar como estávamos habituados a que funcionasse… Onde pus as chaves?, o que é que queria fazer?, como se chama o vocalista dos Calexico? E então a gente começa a lidar com a nova condição de uma forma racional: tomar nota das coisas. Para depois, repetidas vezes, se esquecer em casa da lista de compras, por exemplo… 

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* A história passa-se na Dinamarca e fazer uma sandes é a tradução possível de smørre en mad, literalmente «barrar uma comida», que significa pôr alguma coisa em cima de uma fatia de pão de centeio. Sandes abertas de pão de centeio continuam a ser o almoço dinamarquês mais comum , embora as novas gerações muitas vezes já prefiram saladas ou um prato quente.

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