Descobri no outro dia este aforismo de Chris Marker:
“Mourir est tout au plus l'antonyme de naître. L'antonyme de vivre reste à
trouver.” “Morrer é, quando muito, o antónimo de nascer. O antónimo de
viver ainda está por descobrir.”
São duas
proposições provavelmente sedutoras, mas muito discutíveis. Ontem ao jantar, sem
problematizar a primeira afirmação, pus aos meus filhos a questão do antónimo
de viver:
“Morrer é o
contrário de nascer”, disse-lhes eu em português*. “E qual é o contrário de
viver?”
Respondeu-me a
minha filha mais nova, de oito anos (em dinamarquês*):
“Det modsatte af at leve er at være død”
(“O contrário de viver é estar morto”).
A verdade é
que o verbo dinamarquês at leve não corresponde sempre a viver em português e que nenhum deles
corresponde exatamente ao francês vivre da frase original. É
“estar
vivo” que vivre quer dizer no aforismo de Chris Marker? E vivre pode querer dizer “estar vivo”? Acho que pode, em contextos específicos, como em
“Hésiode vient de mourir, Homère, s'il vit encore, a cent ans” (“Hesíodo acaba
de morrer, Homero, se ainda estiver vivo, tem cem anos”). E o português viver também pode querer dizer isso, em certos
contextos. Vejam, por exemplo, “Depois da operação, viveu apenas três meses”.
Esta questão dos antónimos de naître, mourir e vivre (ou de nascer, morrer e viver) não é tão fácil como parece. Por um lado, fora de contexto,
ocorrendo apenas em abstrato, vivre, viver ou at leve significam muito pouco… Por
outro lado, antónimo é um conceito complicado, que, como acontece muitas vezes
com conceitos linguísticos, varia de autor para autor e de escola para escola. Muita gente considerará que (estar) vivo e (estar) morto, esses sim, são obviamente antónimos, exatamente como os pares canónicos quente/frio ou curto/comprido. Também há, porém, quem não lhes chame antónimos e os considere antes opostos complementares, reservando a designação de antónimos para os opostos graduáveis: o chá pode estar mais quente ou mais frio, e não tem forçosamente de estar ou quente ou frio; agora, com rigor, ou se está vivo ou se
está morto, sem graduação possível entre os dois estados. É curioso, aliás:
mesmo quando estamos a morrer ou quando estamos mais mortos que vivo, é
perfeitamente vivos que estamos, não é verdade?
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* Pois, na
maioria das vezes, é assim que comunicamos cá em casa: eu falo português e os
meus filhos respondem-me em dinamarquês. Este tipo de comunicação é muito
normal em famílias multinacionais, acho eu. (Famílias multinacionais?
Credo!...)