25/08/13

De estranhas e felizes coincidências

Há muito tempo que este blogue está calado. Falta de tempo, férias, falta de tempo outra vez. Mas recomeça hoje e espero ser, de hoje em diante, mais regular. Quero contar-vos uma história:

Nathalie Rissler é australiana e órfã de pai e mãe. Passou os seus dezoito anos de vida em orfanatos estatais. Há cerca de meio ano, inscreveu-se num programa de intercâmbio para pré-universitários: queria ir passar um ano ao Brasil. Infelizmente – ou felizmente, já verão por quê –, não teve vaga. E a Dinamarca?, propuseram-lhe. Não gostava de passar antes um ano na Dinamarca? Nathalie hesitou. Tinha sonhado com samba e praia. Por outro lado, a Dinamarca interessava-a, porque sabia que o seu pai, que nunca conhecera, era de origem dinamarquesa. Porque não?

Foi assim que Nathalie foi parar a Esbjerg, uma bonita cidade de província com pouco mais de 100.000 habitantes, na costa ocidental da Jutlândia. Nathalie gostou da cidade. Começou a conhecer pessoas. Ao fim de um mês de lá estar, viu um salão de cabeleiro que tinha por nome o seu apelido e decidiu que estava a precisar de lá arranjar o cabelo. Contou à cabeleireira – em inglês, claro, que em dinamarquês só sabia ainda dizer meia dúzia de frases – que também se chamava Rissler e que tinha antepassados dinamarqueses. A cabeleireira disse-lhe então que conhecia outra pessoa de apelido Rissler que andava, precisamente, à procura de familiares na Austrália. “É uma senhora também daqui de Esbjerg, que nem sequer é da minha família, o que é estranho, porque o apelido Rissler é raríssimo na Dinamarca. Só há mesmo meia dúzia de Risslers em todo o país. Acho que devias entrar em contacto com ela.”

Nathalie entrou mesmo em contacto com Dorthe Rissler. Encontraram-se, conversaram, Dorthe fez alguma investigação suplementar. E não havia dúvida: Nathalie era mesmo sobrinha-neta de Dorthe.
A história é a seguinte: Henrik, irmão de Dorthe, tinha uma namorada por quem estava loucamente apaixonado. Isto foi há cerca de 45 anos, estava Dorthe no fim da adolescência. A namorada de Henrik morreu num desastre de carro e Henrik ficou muito perturbado. Desapareceu. Cerca de um ano mais tarde, a família recebeu um postal de Brisbane. “Vim para a Austrália”, dizia Henrik. “Acho que vou ficar por aqui. Abraços e saudades do vosso filho e irmão.” E nunca mais receberam dele nenhum sinal de vida. Dorthe tinha conseguido descobrir que Henrik tinha tido um filho, que tinha morrido muito novo, com pouco mais de 20 anos. O rapaz fazia parte de uma banda de Hell’s Angels e andava metido em negócios pouco recomendáveis. Ele e a mulher foram mortos a tiro por um bando rival. Ficou sozinha no mundo a filha bebé do casal, Nathalie.

Agora, Nathalie ganhou na Dinamarca a família que nunca teve na Austrália. Dorthe organizou já uma grande reunião familiar, para apresentar Nathalie aos outros Risslers. Está planeada outra grande reunião da família no Natal. Se Nathalie vai acabar por ficar na Dinamarca, isso não sei.

Já se sabe que a realidade é muitas vezes mais inverosímil que a ficção. Aqui têm, pois, mais uma prova disso: esta história é verdadeira e foi-me contada há pouco tempo por uma prima afastada de Nathalie. Tirando alguns pormenores secundários, que acrescentei só para fazer fluir a narrativa, e os nomes, que são inventados por mim, a história passou-se mesmo no mundo real, com pessoas que existem fora deste texto. E em Esbjerg, precisamente, que foi o único nome próprio que não alterei nesta história. Agora, se tivesse inventado esta história, era capaz de pensar, ao relê-la, que tinha exagerado um bocado nas coincidências: de todos os países que participam em programas de intercâmbio pré-universitário, Nathalie tinha logo de ter ido parar, sem de facto o ter escolhido, à Dinamarca; e, todas as cidades da Dinamarca, tinha logo de ter ido parar a Esbjerg, berço da família Rissler; e, sobretudo, tinha logo de ter um apelido assim tão fora do vulgar – chamasse-se ela Nielsen ou uma coisa assim e nunca encontraria a família dinamarquesa.

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