Labor omnia vicit / Improbus, et duris urguens in rebus egestas: “tudo venceu o trabalho ímprobo e a necessidade premente em duras condições”. Não é certamente a melhor tradução, mas dá uma ideia dos versos célebres de Virgílio* – que falam do trabalho agrícola em tempos anteriores ao do seu autor, mas que podiam falar da maior parte do trabalho agrícola de todos os tempos.
Nas Bucólicas e nas Geórgicas, Virgílio faz o louvor do trabalho e dos pequenos proprietários e pretende secundar a política de retorno à terra do imperador Augusto. Eça de Queirós, 19 séculos mais tarde, cita algumas vezes Virgílio no conto “Civilização” e na sua versão desenvolvida, o romance A Cidade e as Serras, que fazem, também eles, a apologia do retorno à terra. Se se manteve atual durante dezanove séculos, não era nos 100 anos seguintes que havia de perder atualidade: a ideia de retorno à terra continua, sob várias formas, a ser muito atual. E nós também decidimos que não queríamos viver mais na cidade e viemos viver para o campo. Agora, agricultura não fazemos. Temos um hortazita no quintal – e chega bem.
Retorno à terra, trabalho ímprobo… Duas ou três horas a cavar a terra são suficientes, creio eu, para fazer qualquer pessoa repensar a idealização da vida rural. Ímprobo labor, de facto, nisso Virgílio tinha toda a razão. Estava ali a virar a terra na horta e a tentar imaginar o que será fazer esse trabalho – e outros tão ingratos como ele, por exemplo, mondar – várias horas por dia, durante muitos dias dos anos todos de uma vida. Mas não tenho imaginação que chegue para tal. Está bem que agora no mundo rico já não há trabalho agrícola feito à mão. Mas há noutros lugares do mundo, em muitos lugares do mundo. Em Moçambique, as mulheres começam a trabalhar às 4 da manhã, para poderem parar quando o sol já não se aguenta mesmo, por essas 10 ou 11 da manhã. E era assim a vida de muitos camponeses, também aqui, no tempo de Virgílio e no tempo de Eça de Queirós…
Não deve haver muitos camponeses a quem passe pela ideia considerar invejável a vida que têm e muito menos propô-la como modelo… Das Geórgicas e das Bucólicas a A Cidade e as Serras e aos modernos ideais de retorno à terra, o ideal bucólico sempre foi um ideal de gente da cidade, creio eu. Como os outros ideais todos – foi sempre a gente da cidade a imaginar ideais, não foi? Trabalho menos ímprobo, talvez, mas, bem vistas as coisas, não menos importante, porque é outra forma de cuidar da terra… perdão, da Terra.
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* Célebres sobretudo sob uma forma adulterada, labor omnia vincit, “o trabalho vence tudo”, uma frase que Virgílio não escreveu.
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3 comentários:
1. Só horta? Estás-te a esquecer do pomar - pelo menos cem macieiras, que eu bem vi a quantidade de sacos de maçãs que apanharam! ;-)
2. Este teu apontamento lembrou-me um comentário que ouvi ao filho do caseiro de um solar em Basto, onde passei uma vez um mês de Agosto: "as meninas adoram andar no carro das vacas, e eu gostava era um dia poder dar uma volta no carro do pai das meninas".
(Naquela terra não havia electricidade, e o miúdo às tantas nem ler sabia. Mas sabia declinar o "as meninas" na perfeição.)
Vives o ideal perfeito (sou uma deslumbrada) perto da natureza, a trabalhar a terra, apenas quando e quanto te apetece. :)
Helena e Carla, desculpem o atraso e permitam-me que vos junte na mesma resposta (eu sei que vocês não se importam de estar juntas).
Bom, Carla, eu não lhe chamaria ideal perfeito, mas é mais ou menos assim como tu dizes. Mais ou menos - porque há coisas que uma pessoa não pode deixar de fazer. Quer dizer, poder, pode, mas não deve, porque senão qualquer dia não há nada no quintal...
Em relação às macieiras, Helena, o trabalho é podá-las, que por acaso é uma coisa que tem de se fazer agora. Mas não são muitas.
O comentário do filho do caseiro resume perfeitamente o que quero dizer.
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