10/10/19

Peros e maçãs

No dialeto da minha região — e não só —, maçã usa-se para referir os frutos das árvores da espécie Malus domestica que têm uma altura claramente menor do que a largura. Quando os frutos das árvores dessa espécie são claramente mais altos que largos, chamam-se peros. Entre os dois tipos, fica uma nomeação indecisa, creio eu. E, bom, há variedades de que encontram as duas designações, mas não sei se de deve à forma essa hesitação. Nalguns casos, é antes o tempo o responsável: o que era antes pero passou agora a maçã, que, provavelmente, acabará por se impor como termo único para designar os frutos da espécie. Até se chama agora Maçã Bravo de Esmolfe, vejam lá vocês!, ao que sempre foi pero-bravo-de-esmolfe — ou «pero-bravo-mofo», como ouvi muitas vezes dizer… Mas está mal, e não só pelas maiúsculas e ausência de hífens: se querem chamar-lhe maçã em vez de pero, chamem-lhe então maçã-brava-de-esmolfe, sim?

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Tirando raras exceções (agora, lembro-me só de figueira, mas sei que há mais...), há, em português, uma relação direta entre o género da planta e o género do seu fruto — planta masculina, fruto masculino, como limoeiro, pessegueiro, ananaseiro, abacateiro, medronheiro, abrunheiro, coqueiro, etc.; planta feminina, fruto feminino, como laranjeira, macieira, ameixeira, nespereira, bananeira, tamareira, amoreira, etc. Pero não é exceção: à árvore que dá os peros chama-se pereiro.

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Note-se que tanto pero como pereiro estão longe de ser termos espúrios ou «populares» ou «dialetais». Têm pedigree e bom pedigree, como se pode ver na breve história de pero que Isabel Maria Fernandes escreveu no blogue Saberes Cruzados). Não faltam, sequer, abonações de escritores consagrados. Por exemplo, Filinto Elísio, usa o termo em matéria épica, a sua recriação do Oberon de Wielend:
Mas ha lá no jardim, junto á marmorea
Fonte, um pereiro, abérto como um léque.
O pedigree é, aliás, justificado pelo antigo nome botânico: antes de se dividirem peros/maçãs e peras em dois géneros, eram ambas as plantas classificadas num único género, Pyrus, e peros/maçãs eram Pyrus malus.

Ilustrações de May Rivers em The Fruit Grower's Guide, de John Wright (1836), digitalmente tratadas por Rawpixel (daqui e daqui)  


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P.S.: Como já aqui disse uma vez, não são só peros e maçãs que, em português europeus, se distinguem uns dos outros por serem os primeiros mais altos que largos e os segundos mais largos que altos—o mesmo acontece com tacho e panela.

2 comentários:

Helena Araújo disse...

O facebook está-me a estragar: estive uns bons 20 segundos à procura do sítio onde carregar para pôr um "gosto" ou um <3
Ora então, por extenso: gostei muito de ler - e aprendi ainda mais.

V. M. Lucas Lindegaard disse...

Pois é, blogspot não tem likes... Mas vais ver que, um dia destes, ainda acrescentam um dispositivo qualquer. Fica registado o like por extenso e muito obrigado!