14/10/20

Adelheid & Johannes

Quero contar-vos uma história verdadeira e recente, mas, como não tenho autorização dos protagonistas para tornar pública a sua vida, vou omitir todos os pormenores que permitam identificá-los. É uma história de amor. 
Vai agora fazer 31 anos que caiu o muro de Berlim e, com ele, o resto da Cortina de Ferro. Eva, uma amiga minha escandinava, na altura estudante universitária, resolveu nas férias grandes de 1990 dar uma voltinha por alguns países de Leste, para observar de perto como as coisas se estavam a passar.
Na capital de um desses países, conheceu Adelheid, também estudante universitária, de quem se tornou amiga. Voltou a visitá-la no ano seguinte e Adelheid retribuiu-lhe a visita. Eva arranjou-lhe um trabalho sazonal a apanhar fruta na quinta de uns amigos seus, para Adelheid poder pagar a sua viagem. 
Nessa quinta, Adelheid conheceu Johannes, que era amigo de Eva, e apaixonaram-se um pelo outro. Mas foi uma história sem grande continuação. Johannes ainda foi visitar Adelheid à sua terra uma vez, no ano seguinte, mas depois deixaram de se ver e, com o tempo, acabaram também por deixar de se escrever. Cada qual continuou a sua vida no seu país. Casaram-se ambos. Joahnnes teve dois filhos. Adelheid não teve filhos, mas o seu marido tinha dois filhos de um casamento anterior.
Com o tempo, Eva também foi perdendo o contacto com Adelheid. Depois veio o Facebook. Um dia, Eva decidiu procurar Adelheid e encontrou-a. Escreveram umas quantas mensagens entusiasmadas uma à outra, como acontece sempre quando se encontra no Facebook alguém que não se vê há muito tempo, mas depois o contacto foi esmorecendo. No início do presente ano, porém, Eva escreveu a Adelheid dizendo que estava a pensar visitá-la no verão. Claro!, que boa ideia!, tinha uma casa à sua disposição, seria maravilhoso encontrarem-se outra vez — ao fim de quase 30 anos... Mas depois veio a pandemia e Eva cancelou a viagem planeada. 
Quando as fronteiras europeias voltaram a abrir, porém, foi Adelheid que se deslocou à Escandinávia. Uma visita curta, só cinco dias, mas era o que se podia arranjar. Para matar saudades. Adelheid ficou dois dias em casa de Eva. Foram dois dias maravilhosos, em que beberam vinho e recordaram os tempos que tinham passado juntas e contaram uma à outra em pormenor o que tinha acontecido nas suas vidas desde que tinham deixado de se ver. No dia seguinte, Adelheid foi visitar Johannes. Tinha-o contactado e ele tinha-lhe contado que se tinha separado. Também ia gostar muito de o rever! Depois, o plano era que Adelheid voltasse a casa de Eva e aí passasse mais dois dias, antes de voltar a casa. 
Só passou mais um dia. Ao segundo dia de manhã, disse a Eva que Johannes lhe tinha mandado uma mensagem, dizendo que ela se tinha esquecido do passaporte em casa dele. Tinha de o ir buscar. E depois, como a casa de Johannes ainda ficava longe da casa de Eva, já não voltava nessa noite. Ficava lá a dormir e partia no dia seguinte, de volta a casa. Enfim, tinha de ser... Que pena não poderem passar mais um dia juntas. Mas tinha sido tão bom voltarem a encontrar-se!
Passadas duas semanas, Eva recebeu uma mensagem de Adelheid. Pedia muita desculpa de lhe ter mentido: não tinha sido o passaporte que tinha deixado em casa de Johannes, mas sim o coração. Tinha agora voltado à Escandinávia e estava outra vez em casa de Johannes, mas agora não apenas de visita. Tinham decidido viver juntos. Quando se tinham encontrado duas semanas antes, a paixão de juventude tinha renascido com a mesma intensidade e Adelheid não hesitou em pôr fim a 29 anos de casamento e começar uma vida nova noutro país. 
Foi exatamente assim que as coisas se passaram. Para que vejam como é a erupção de um amor latente...
 

Foto: Reencontro de Marina Abramović com Ulay (Frank Uwe Laysiepen), que não se viam há 20 anos. Fotograma deste famoso vídeo, filmado no MoMANa retrospectiva que o MoMA lhe dedicou em 2010, Marina Abramović ficava sentada o dia todo, imóvel e silenciosa, enquanto os visitantes se iam sentando à sua frente. A certa altura, veio Ulay sentar-se em frente a ela e Marina reagiu de forma muito emotiva.  Seis anos depois deste reencontro, Ulay levou-a a tribunal por ela lhe estar a dever royalties das obras criadas em conjunto entre 1976 e 1989. 


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