Há uma ideia que me anda na cabeça há anos, sem eu conseguir escrutinar satisfatoriamente o seu valor de verdade nem desenvolvê-la convenientemente. Ainda assim, ei-la aqui, em rascunho, proposta só de reflexão sem conclusão nenhuma. Muito provavelmente, o tema está mais que debatido em obras que desconheço…
A ideia é que a dominação exclusiva da cena política por dois ou três partidos e/ou a alternância no poder desses dois ou três partidos durante longos períodos podem bem criar ou ser sinal de um défice democrático numa sociedade democrática — sobretudo quando há de facto uma longa tradição de bipolarização partidária.Como a palavra défice se pode entender de várias maneiras, convém, antes de mais, explicar o que quero dizer aqui com défice democrático. Muita gente concordará que há várias formas de democracia, mas penso que é também fácil assentar em que, sob as suas diversas formas, o conceito de democracia é graduável: em cada democracia, enquanto regime, pode haver mais ou menos democracia, enquanto acesso de todos à possibilidade de definir as regras da vida em comum. É neste sentido apenas que falo de défice democrático: não ausência de democracia, mas menos democracia.
A minha ideia assenta, à partida, em duas constatações simples:A primeira é que, como não pode haver tão poucos grupos de opinião diferentes (e verifica-se, nos países onde não há bipolarização, que efetivamente não há), cada partido num sistema bipolarizado encerra em si várias tendências muito diferentes.
Não sei até que ponto isto é um óbice à participação, já que pode ser mais difícil para um(a) cidadão/ã identificar-se com partidos muitos abrangentes, em que certas fações representam as suas ideias e outras fações têm ideias bastante diferentes das suas. Outra questão importante é a de saber se uma discussão entre várias fações internas de um partido muito grande é ou não menos transparente que uma discussão pública entre vários partidos mais pequenos e tem ou não menos possibilidade de chegar a toda sociedade. Uma terceira questão é como jogam entre si a lealdade a projetos políticos específicos, que variam entre os membros de um grande partido, e a lealdade ao próprio partido.A segunda constatação é que, num sistema em que alternam no poder dois ou três partidos grandes, há setores de opinião minoritários que nunca têm expressão política, o que não corresponde à sua importância na sociedade, que, embora mais pequena, não é nula — ou pode estar até longe disso.
A questão é complexa e deveria, provavelmente, ser analisada em conjunto com outras questões, como, por exemplo, as tradições de estabilidade do espetro partidário versus constante surgimento e desaparecimento de partidos influentes. E, evidentemente, pode também argumentar-se, numa perspetiva oposta, que, em sistemas com muitos partidos e em que raramente ou nunca se formam maiorias absolutas*, os partidos pequenos podem ganhar um poder desproporcional à sua votação nas negociações do seu apoio a um partido ou a um grupo de partidos minoritário.* Dos países que conheço, os países escandinavos são exemplo de ausência de tradição de maiorias absolutas (com exceção da Noruega, que teve, ainda assim, 14 governos de maioria nos últimos cem anos). Nos outros países da Escandinávia, no mesmo período, só houve dois governos de maioria na Suécia e não houve nenhum na Dinamarca nem na Finlândia (nem na Islândia, desde a sua independência em 1944).
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