No aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, há uma escultura de Charles Pétillon chamada Le Phare, «O farol». De um dos lados da obra, há uma placa com uma frase que, presumo eu, o artista ali quis como complemento da escultura: A Paris, il n’y a pas d’heure pour rêver. Como muitos utentes do aeroporto não falam inglês, pode ler-se, por baixo desta frase, a sua tradução para inglês: In Paris, there is always time to dream.
A frase está, parece-me, bem traduzida. À primeira vista, porém, surpreendeu-me que, sendo todos os elementos que constituem as duas frases diretamente correspondentes, a francesa seja negativa e a inglesa não. Depois de refletir um bocadinho, dei-me conta de que são possíveis, em português, duas frases que correspondem, elemento por elemento, à frase francesa e à frase inglesa: «Em Paris, não há hora para sonhar» e «Em Paris, há sempre tempo para sonhar».
Dos muitos significados que hora pode ter, significa aqui – com a preposição para, note-se! – «tempo específico (para); momento destinado (a); período marcado (para)». Curiosamente, na lógica do português e do francês, «não há hora para sonhar» entende-se imediatamente como «pode sonhar-se a qualquer hora» e não como «não existe nenhum período para a ocorrência de sonho». O mesmo, por exemplo, em «não tenho hora para comer», que se compreende como «não como a uma hora certa» e não como «não tenho nenhum período em que coma». Ou seja, «não há hora para x» significa «x pode dar-se a qualquer hora» e não «x não ocorre em nenhuma hora».
Na frase inglesa, tempo significa de facto «tempo suficiente» ou «tempo livre, disponibilidade». Por muito que, como disse, me pareça bem a tradução, as duas frases não são de facto correspondentes: se as juntarmos (ou as proposições que lhes subjazem, seja, aqui «traduzidas» para português), vemos que a inglesa decorre da francesa, mas não ao contrário. Faz sentido a frase «em Paris, sonha-se a qualquer hora, porque há sempre tempo para tal», mas a frase «em Paris, há sempre tempo para sonhar, porque se sonha a qualquer hora» é de uma lógica muito duvidosa...
São duas as morais desta história: uma é que, ao contrário do que muita gente pretende, a língua tem uma lógica que lhe é própria, sem deixar de ser lógica; outra é que Paris tem sorte em se poder lá sonhar a qualquer hora, de lá haver sempre tempo para sonhar – porque há muitos lugares do mundo em que isso não acontece...
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