O que está feito já não se pode fazer. É uma evidência semântica, mas pode ser também um ponto de partida para alguma reflexão sobre a satisfação pessoal.
A quem defenda que não há nada que possamos dar por certo na vida a não ser a procura do prazer e a recusa da dor, e que, por isso, não vale a pena arquitectar à volta de nenhum outro bem a procura da felicidade, direi que a procura do prazer não leva nunca à satisfação porque é, por natureza, infindável e, por isso, mesmo, a fonte primeira de insatisfação. Apanhar sol, beber, brincar, comer, conversar, dormir, escrever, fazer amor, jogar, ler, nadar, pensar, rir, ver filmes, acrescentem à lista o que quiserem, são acções que se podem continuar indefinidamente e não podem, por isso, trazer‑nos satisfação. Podemos fartar‑nos de fazer alguma dessas coisas, e ela deixa de ser para nós uma fonte de prazer; ou podemos, se nunca nos fartarmos, continuar a fazê-la a vida toda, sem que o prazer que nos dá culmine alguma vez na satisfação do “estar feito”.
Pode argumentar-se que o que importa não é a satisfação definitiva, mas antes o acumular das satisfações transitórias que esses prazeres nos dão, e que mais feliz será quem tiver vivido mais porções desses prazeres. Não posso recusar completamente o argumento, porque reconheço que o acumular dessas satisfações tem uma função importante na nossa vida. Mas quero contra‑argumentar que isso não basta e que quem baseie só na satisfação dos seus prazeres a sua busca de felicidade terá de suportar depois, na altura ou nas alturas em que, por uma qualquer razão, não os puder desfrutar, o sofrimento da sua ausência, sem a contrapartida de ter uma satisfação estável que compense essa dor.
A satisfação estável que eu sei é a da obra realizada. Do deixar cá algo de si. E sobretudo, na minha opinião, se se deslocar de cada um de nós para os outros o eixo do prazer. Se a obra não for só para mim, mas tiver um alcance mais vasto. A satisfação mais estável de todas é, na minha opinião, a satisfação do dever cumprido. Independentemente de qual consideremos ser o nosso dever, independentemente de o termos forjado nós próprios ou de aceitarmos apenas normas de conduta que nos vêm de fora, do estabelecido. Pouco importa. O que importa é termos cumprido o nosso dever.
Mas enfim, se não for o dever cumprido, pelo menos obra feita. É a velha história de fazer um filho, plantar uma árvore e escrever um livro..., mas essas obras concretas não valem mais do que qualquer outra. Qualquer obra serve, porque o que interessa é que obra feita está feita para sempre e é uma satisfação que nos restará mesmo quando não pudermos gozar nenhum dos outros prazeres. Provavelmente, a única, aliás, que nos pode restar na altura de calcularmos o saldo final…
recado para os Dominique Pelicot que andam por aí à solta
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Na semana em que Dominique Pelicot foi condenado a 20 anos de prisão por
ter repetidamente drogado a sua mulher para a violar e a pôr à disposição
de outro...
Há 2 dias
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