É difícil lidar com tudo o que ultrapasse a pequenez da nossa percepção ou dos nossos sentimentos. Mas há maneiras de o fazer. De o tentar fazer, pelo menos.
Uma experiência engraçada é tentar resolver um problema geométrico simples: «A um fio com o perímetro exacto do equador, colocado no chão sobre essa linha imaginária, acrescentamos seis metros. Se o imaginarmos agora suspenso no ar de maneira a que forme um círculo (e supondo que o equador é também um círculo perfeito), a que distância ficará do chão ao longo dos seus mais de 40 000 quilómetros?» «Nada que se note», pensamos nós, “numa distância tão grande, seis metros são irrisórios…». Ora a geometria diz-nos que é mais ou menos um metro (não quero entrar em decimais), mas quem é que aceita isso de imediato? Ninguém, porque a percepção humana das dimensões não chega para isso... As nossas capacidades perceptivas não evoluíram para lidar com distâncias tão grandes, com uma espacialidade tão vasta, apenas para nos servirem na nossa sobrevivência quotidiana em espaços sempre restritos – pelo menos relativamente à vastidão da Terra toda. Mas a geometria diz-nos que é mais ou menos um metro; e isso é certo.
Isto vem a propósito da morte, das mortes. Claro, uma morte, à escala do planeta, não é nada. À escala cósmica, então, é sem sentido. Mas as medidas do mundo das pessoas são as medidas da vida de cada uma, nem mais nem menos. À escala de cada um dos seres humanos, uma morte é a catástrofe maior – ou um acontecimento sem qualquer importância, conforme a morte que for. É um exercício vão tentar sentir as mortes de quem não conhecemos como se fossem as de amigos e conhecidos, ou mortes de que, pelo menos, fôssemos testemunhas. Não se consegue. As dimensões da Terra são demasiado grandes também para os nossos pequenos sentimentos.
Mas é precisamente aqui que entra a racionalidade, a tal disciplina zen: da mesma forma que, por muito que a estreiteza dos nossos sentidos nos faça duvidar dela, aceitamos que é correcta a solução matemática do tal problema sobre acrescentar seis metros ao perímetro da Terra, também temos de aceitar assim, sobrepondo a razão ao que (não) sentimos, que todas as mortes são tão importantes como a morte da pessoa de quem mais gostamos. Tornemos matemática a nossa avaliação do mal maior dos seres humanos. E teremos assim uma boa base em que fazer assentar uma moral efectivamente universal. Despida dos nossos limitados sentimentos, muito mais justa do que a nossa compaixão é capaz.
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