No texto
“Futebol e desencontros” do seu blogue A Terceira Noite, Rui Bebiano refere que
George Orwell e Albert Camus, que tinham tantos pontos comuns na sua maneira
de ver o mundo e de estar nele, tinham opiniões muito diferentes sobre o
futebol:
(…) [S]e Orwell chegou a escrever que já existem «suficientes motivos de conflito» entre as pessoas comuns, não precisando nós, portanto, «de lhes juntar mais um, incentivando alguns jovens a darem caneladas uns aos outros, por entre os urros dos espetadores em fúria», Camus, antigo guarda-redes de primeiro plano no futebol da sua Argélia natal, pensava rigorosamente o contrário. Insistiu aliás, por diversas vezes, em que devia «seguramente ao futebol» tudo aquilo que aprendera sobre a essência do sentido ético e do compromisso humano.
Lembrei-me, ao
ler isto, de uma t-shirt que tive. Foi-me oferecida por um amigo que costumava
dizer (já o mencionei aqui)
que o mundo havia de ser um lugar melhor, se as pessoas
dedicassem à política metade do tempo que dedicam ao futebol; mas,
curiosamente, ostentava um
louvor do chamado desporto-rei: «O futebol é um modelo de
sociedade individualista. Exige iniciativa, competição e conflito. Mas é
regulado pela regra não escrita do fair play. Antonio Gramsci.»
Descobri agora que a frase da minha t-shirt é uma adaptação de uma passagem de um texto (“Football e scopone”, in Avanti!, 27 de Agosto de 1918, traduzo eu da tradução inglesa) em que Gramsci critica a mentalidade de desconfiança e trapaça que crê ser a italiana através da comparação do “desporto” nacional de Itália, o jogo de cartas scopone, com o futebol, que ele vê como expressão de uma mentalidade capitalista progressiva:
Observem um jogo de futebol: é um modelo de sociedade individualista. Exige iniciativa, mas uma iniciativa que se mantém dentro dos limites da lei. Os indivíduos são hierarquicamente diferenciados, mas diferenciados em função das suas competências específicas, não das suas carreiras passadas. Há movimento, competição, conflito, mas são regulados por uma regra não escrita – a regra do fair play, que a presença do árbitro recorda constantemente.
Pode suspeitar-se, enfim, ao ler a tão bonita descrição
que Gramsci dele faz (com partidas lealmente disputadas, que nunca acabam, ao
contrário dos jogos de scopone, com “crânios fraturados” e “cadáveres pelo
chão”), que o futebol era, em 1918, muito diferente do que é agora, mas isso é
outra história…
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