Não faço nenhum culto da surpresa, notem. Não vejo o causar surpresa como função importante da escrita – embora ache que faz sempre bem ser surpreendido. Gosto apenas de tentar surpreender, sem mais. E gosto de ser surpreendido. Deixem-me apresentar-vos uma coisa que espero que vos surpreenda como me surpreendeu a mim:
Benjamin K. Tippett, do Departamento de Matemática e Estatística da Universidade do New Brunswick, publicou um trabalho de física chamado “Possíveis Bolhas de Curvatura Espácio-Temporal no Pacífico Sul” (“Possible Bubbles of Spacetime Curvature in the South Pacific”), em que defende, explica ele no resumo, que «todos os fenómenos credíveis que [Gustaf] Johansen descreveu podem ser explicados como sendo as consequências observáveis de uma bolha localizada de curvatura espácio-temporal». «Pode, pois, dizer-se», continua Tippett, «que muitas das suas mais incompreensíveis afirmações (relativas à geometria da arquitetura, e variabilidade do localização do horizonte) têm uma mesma causa subjacente. Propomos um exemplo simplificado dessa geometria e mostramos, usando cálculos numéricos, que as descrições de Johansen não eram, na maior parte, apenas delírio de um lunático. São antes as observações não técnicas de um homem inteligente que não sabia como havia de descrever o que via».
Gustaf Johansen? Mas quem é Gustaf Johansen? De que se está aqui a falar?
Pois bem, a surpresa de que falo não é a possibilidade de haver bolhas de
curvatura espácio-temporal no Pacífico Sul, seja lá o que for que isso quer
dizer. A surpresa de que falo é, na realidade, uma surpresa feita de várias
surpresas. A primeira é esta: Gustaf Johansen é uma personagem de um conto célebre de Howard
Phillips Lovecraft, “The Call of Cthulhu”; mas Tippett não refere no estudo que é de personagens e acontecimentos
ficcionais que se trata:
Em 1928, o falecido Francis Wayland Thurston publicou um manuscrito escandaloso que visa alertar o mundo para uma conspiração global de ocultistas. Entre os documentos que reuniu para apoiar a sua tese, encontrava-se o relato pessoal de um marinheiro de nome Gustaf Johansen, descrevendo a descoberta de uma ilha extraordinária. As descrições de Johansen das suas aventuras na ilha são fantásticas e são muitas vezes consideradas as mais enigmáticas (e, por isso mesmo, a parte mais interessante) da coleção de documentos de Thurston.
A referência bibliográfica de Tippett é à obra ficcional de Thurston (F.W.
Thurston. The call of cthulhu. Wrd. Tls., Feb. 1928), não à de Lovecraft, embora
seja efetivamente uma referência mista, pois Wrd Tls refere obviamente, a
revista Weird Tales onde foi
publicado o conto de Lovecraft em Fevereiro de 1928.
Deixem-me só esclarecer, antes de continuar, que eu de matemática e de
física não percebo nada. Não sei julgar se o estudo de Tippett é trabalho sério
ou puro delírio. Aliás, nem o li – não valia a pena, para quê? Mas, mesmo sem saber nada de matemática e de física, posso pensar o
seguinte: Que importa quem é de facto
o autor das descrições analisadas, se Lovecraft, se as suas personagens? O que
conta é o texto, que é o objeto de estudo, independentemente de quem o tenha
escrito. Até se escusava a referência a um autor, ficcional ou não. Posso
pensar isso e nem me parece mal pensado. Mas há uma segunda surpresa no estudo
de Tippett. Como agente de surpresa, pelo menos, não há dúvida de que é
trabalho muito sério:
Parece-nos improvável que Johansen tivesse feito por acaso uma descrição exata das consequência da curvatura do espaço-tempo, se os pormenores desta história não passassem de resquícios de um sonho febril meio recordado.
Estão a ver? Mas então, na vossa opinião, que probabilidade tem Lovecraft
de ter escrito uma coisa assim com base apenas na sua fértil imaginação, hem? Mas
então… Mas então ?!?!
Surpreende-vos, tudo isto? Espero que sim. E digam-me, se souberem, que eu não percebo nada disto: as curvaturas espácio-temporais têm alguma coisa a ver com o que se
segue?timeRemapExportHD from Adrien M / Claire B on Vimeo.
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