Uma obra que me influenciou muito foi La conquête de l'Amérique, la question de l'autre (Paris: Seuil, 1982) de Tzvetan Todorov. Entre outras coisas, Todorov propõe nesse ensaio uma tipologia de relações entre pessoas, comunidades ou culturas que me parece uma ferramenta conceptual muito útil.
Segundo ele, há 3 níveis de relações com o Outro: o nível epistémico – conhecer, compreender / não conhecer, não compreender; o nível axiológico – gostar / não gostar; e nível o praxeológico – agir positivamente / agir negativamente.
Um aspeto essencial da proposta de Todorov é que estes três níveis são independentes entre eles. Quer isto dizer que uma atitude positiva ou negativa a um destes níveis não implica uma atitude positiva ou negativa a outro. Acho que uma observação atenta do mundo nos mostra a pertinência desta teoria. De facto, todas as combinações são não só possíveis como normais. É possível conhecer e gostar, e conhecer e não gostar; é possível conhecer e tratar bem, e conhecer e tratar mal; é possível não conhecer e gostar, e não conhecer e não gostar; é possível não conhecer e tratar bem, e não conhecer e tratar mal; é possível não gostar e tratar bem, e não gostar e tratar mal; é evidentemente, possível, gostar e tratar bem; mas também é possível, por estranho que pareça, gostar e tratar mal: o problema aqui é que aquilo que eu faço por bem, por um lado, nem sempre é considerado bem por aqueles sobre quem eu ajo, e, por outro, nem sempre tem os resultados positivos que eu espero, podendo antes ter resultados perversos, inclusivamente. A cristianização de certas zonas da América do Sul, para usar o exemplo de Todorov, foi feita por missionários que gostavam de facto dos indígenas, mas acabou, em muitos casos por ter efeitos desastrosos não só para a cultura desses indígenas como também para a sua sobrevivência física. E todos sabemos encontrar, nas nossas vidas, exemplos de situações em que o bem-fazer acaba por fazer mal. Tem razão o adágio que diz que de boas intenções está ladrilhado o caminho do Inferno...
Por definição, a discussão moral, incluindo a discussão política, centra-se no nível dos comportamentos. Não é tão óbvio como parece e creio que vale a pena insistir um pouco nisto, porque tenho a impressão de que muitas vezes se vai longe demais no que se critica e longe demais nas áreas onde se quer intervir. O que se sente, desde o ódio ao amor ou à fé, não é moralmente criticável por si, como não é moralmente criticável por si a ignorância, mesmo que cultivada. Criticáveis são as ações – e as intenções que quem age –, porque só as ações afetam o Outro. Como diz um amigo meu, não me interessa para nada se o padeiro me conhece ou não, ou se antipatiza comigo ou com alguém da minha família, ou se acordou mal disposto, enfim; tenho é o direito de exigir que ele me trate como se deve tratar um cliente quando vou comprar pão lá à padaria.
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