«Si valimos pa trabayar, tamén valimos pa votar.» Compreendem seguramente a frase, mas provavelmente não sabem em que língua está escrita. É asturiano e é uma frase de um cartaz de 1977. Sei que é de 77, porque foi na primavera desse ano que passei a minha única temporada nas Astúrias, nas montanhas de Mieres. Que pena não encontrar o cartaz na Internet, ficava aqui muito bem a ilustrar este texto.
Nunca esqueci esta frase, provavelmente porque é uma proposição que me parece bastante justa. Na altura, se a memória não me falha, era o slogan de uma campanha de reivindicação do voto aos dezoito anos, mas a frase pode ter muito maior abrangência. Bom, longe de mim querer estabelecer uma relação direta entre o direito a votar e o facto de ter um trabalho. Nem se pode estabelecer uma relação simples e direta entre pagar impostos (ou poder pagá-los) e ser leitor/elegível. A questão é sem dúvida um pouco mais complexa; mas não vejo como se pode contornar o velho e mais que justo princípio de «nenhuma tributação sem representação».
Percebo que, por razões de ordem prática, há que definir períodos mínimos de permanência num lugar ou numa instituição para ter plenos deveres e plenos direito. Mas os prazos atualmente estabelecidos são normalmente longos demais. Além disso, como prevalece a ideia de que certos direitos da cidadania decorrem apenas da nacionalidade e a nacionalidade é uma condição quási-imutável, definida apenas pelo local de nascimento e/ou pela ascendência, há direitos que alguns nunca alcançam, por mais impostos que paguem, por mais que trabalhem, participem e se empenhem na comunidade onde vivem. Não faz muito sentido.
É tempo de passar além das noções clássicas de «direito de solo» e «direito de sangue». Pode ser-se — e é-se de facto muitas vezes — membro efetivo de uma comunidade e cidadão efetivo de um país, sem se ter lá nascido e sem fazer parte da(s) etnia(s) do país. É preciso recuperar a essência da ideia republicana de cidadania: quem é membro de facto de uma comunidade é quem nela vive, nela produz e nela consome—em suma, quem dela efetivamente faz parte—independentemente de onde tenha nascido ou de onde tenham nascido e vivido os seus pais e os seus antecessores. Uma visão não etnicista da nacionalidade e em que tampouco seja determinante o acaso do lugar de nascimento é, na minha opinião, a única que em absoluto faz sentido.
É certo que as leis de nacionalidade preveem quase sempre a possibilidade de esta se adquirir. Mas são normalmente processos morosos e algumas vezes efetivamente discriminatórios: pode a lei dar condições diferentes a homens e mulheres, por exemplo, ou exigir ao candidato a nacional garantias de integração ou conhecimentos sobre o país que os nacionais «naturais» não têm de ter — e muitas vezes não têm de facto.
Acabo de receber o boletim de voto para a eleição do parlamento de um país onde não vivo há 22 anos (Portugal) e não tenho direito a votar nas eleições para o parlamento de um país onde sou oficialmente residente há 18 (Dinamarca). Mas, sem nunca ter tido necessidade de trâmites burocráticos nem outras complicações, tenho direito a votar nas eleições autárquicas dinamarquesas; e, também sem que tenha havido quaisquer diligências da minha parte, posso escolher se, nas eleições para o Parlamento Europeu, voto nas candidaturas dinamarqueses ou nas portuguesas. Porque não se alarga, com a mesma simplicidade, o direito de voto dos residentes estrangeiros às legislativas — sem ter de passar pelo processo de aquisição de cidadania? E não só aqui, claro — em todo o lado.
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