Há quem pense que, para definir uma cultura, temos saber o que a distingue de todas as outras: a(s) sua(s) especificidade(s). Mas não sei se isso existirá. Ou melhor: creio ter boas razões para duvidar de que exista. A questão é, obviamente, complexa e não é um blogue o sítio apropriado para a discutir mais a fundo, pelo que aqui fica a versão mais resumida que consigo da minha maneira de ver a questão: Um traço que distingue, suponhamos, a cultura A da cultura Φ, Ø e Y não é exclusivo dessa cultura A, mas comum também às culturas Ж e Ð; e Ж tem, por sua vez, traços que a distinguem de A e que a aproximam de Ø, etc., etc. Dito de outra maneira, a sensação de estarmos perante algo de único resulta apenas do desconhecimento do resto da realidade humana. Isto quer se trate dos ritos funerários andinos ou da importância da ideia de saudade na cultura portuguesa. Não são fenómenos exclusivos dessas culturas, mas podem facilmente parecê‑lo a quem não conheça ritos funerários em culturas em que eles são semelhantes aos da cultura andina ou a quem não conheça uma cultura em que o conceito de saudade mereceu também destaque especial por parte dos intelectuais.
Outra questão é a da proporção de invariabilidade e de especificidade em cada cultura — e, por conseguinte, em cada ser humano. O que é que é comum a todas as culturas, universalmente humano, e o que é que varia de um sítio para o outro? E, na totalidade dos comportamentos, dos saberes e dos sentimentos de uma pessoa, o que é determinado pela especificidade cultural e o que é determinado por invariáveis de humanidade? Que peso relativo têm os dois aspectos? Bom, à medida que vou conhecendo mais gentes e mais lugares, vou-me também convencendo cada vez mais de que as diferenças entre os povos e as culturas são superficiais. A ideia que tenho é que são como a parte de cima de um icebergue, que é obviamente muito mais visível que a parte submersa, mas também incomparavelmente mais pequena!
Isto é como eu acho que as coisas são. Agora, dou um salto para o plano de como eu acho que se deve agir. Chamemos-lhe o plano político. A ideia de pôr em relevo as diferenças e de as louvar foi importante num determinado período histórico como forma de as pessoas tomarem consciência dos muitos preconceitos etnocêntricos que moldavam a sua visão dos outros. Mas tem lá dentro qualquer coisa bastante perigosa, que pode ir dar, por exemplo, ao facto, talvez imprevisível há trinta anos (seria?), de o relativismo cultural se ter tornado a ideologia oficial de uma parte da extrema-direita europeia... É claro, também há gente que não é racista nem xenófoba que continua a insistir em adoptar perspectivas relativistas e em colocar a diferença acima da igualdade. Para mim, no entanto, é o louvor da igualdade que, no contexto actual, é importante retomar. Desapareceram as razões de ordem estratégica para exaltar o particular. A minha proposta é que investiguemos antes, com atenção redobrada, a parte submersa do icebergue — porque é aí, no que somos todos, que está o fundamental de cada um de nós.
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1 comentário:
oh choramingas, p'ra não dizeres que ninguém deixa comentários fica-te que acho que tens toda a razão. no que dizes : que ninguém comenta e que é nos denominadores comuns que a gente se pode grisar com as orelhas uns dos outros sem complexos de culpa bacocos
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