Houve uma senhora chamada Whitney Sorrow que teve a ideia de fazer blogs de romances epistolares diz ela que “em tempo real”. O que isto significa é que as cartas são colocadas no blog na data que têm no romance. Por exemplo, neste momento está a ser publicado Dracula, de Bram Stoker, e hoje foi publicada a entrada de 8 de Maio do diário de Jonathan Harker. Como foi já notado nalguns comentários, a ideia de “tempo real” é um bocado estranha, se não mesmo um bocadinho estapafúrdia, mas, para alguma malta, não deixa de ser uma boa maneira de fazer escorregar a leitura de uns quantos clássicos.
Eu aproveito a boleia, a ver se tem graça ler assim. Dracula é uma obra-prima, e por acaso, foi dos poucos livros que trouxe para Chimoio, não me lembro por quê (acho que o comprei em segunda mão, algures no caminho…)... Mas não me dá jeito ler agora a obra, nem assim ao bocadinhos pequeninos, de maneira que me inscrevi, se posso dizer assim, para Les Liaisons Dangereuses, de Choderlos de Laclos, e hei-de então “receber” a primeira carta de Cécile Volanges a Sophie Carnay a 3 de Agosto. Em Dezembro, há-de aparecer Lady Susan, de Jane Austen, mas não sei como é que a “editora” vai resolver o problema da data, porque as cartas que constituem a novela não têm data, sabe-se só que a primeira é de Dezembro e de antes do Natal. Para se começar a ler Gente Pobre de Dostoiévski, que também está agendado, há que esperar mais um ano, porque a primeira carta, de Makar Dievushkin a Barbara Alexievna, é de 8 de Abril.
A despropósito desta informação, como é meu hábito, uma pequena nota sobre leitura:
Já li uma vez Les Liaisons Dangereuses. (Lembro-me até de que li em fotocópias de uma edição muito antiga, com letras muito grandes e os ss quase iguais aos ff.) Tenho, por isso, uma ideia do que trata o livro, mas não me lembro de quase nada da história propriamente dita. E posso dizer o mesmo de muitos livros que li – de romances, seguramente da maior parte, senão mesmo de todos… E não é nenhum defeito meu. Pode ser que não aconteça o mesmo a toda a gente, mas sei, por muitas conversas que tive sobre a questão, que acontece a muita gente. De centenas de milhares de páginas que lemos ao longo da vida, além do prazer que a leitura nos dá, pouco mais nos fica…
Estou convencido de que o mesmo se passa com as obras que se querem informativas. Ler grandes cartapácios para a escola, por exemplo, é trabalho bastante vão. Talvez se consiga memorizar alguma coisa para um exame, mas fica muito pouco para além disso. Não é que não fique nada, mas o que fica não compensa o tempo investido. Para ficar a saber, é muito mais eficaz ler resumos, estudar listas ou quadros. A não ser que se goste do que se está a ler, porque, é claro, nem só a ficção dá prazer. As 700 e tal páginas de Sociology, de Anthony Giddens, por exemplo, podem ler-se com o mesmo prazer com que se lê Os irmãos Karamazov – a até é natural que nos fique mais da leitura do primeiro do que do segundo… Depende das pessoas, claro está…
Quando Borges afirma que é um “desvario laborioso e empobrecedor (…) compor vastos livros; (…) espraiar em quinhentas páginas uma ideia cuja perfeita exposição oral cabe em poucos minutos”, não pretende, muito provavelmente, depreciar as obras longas, mas dar antes conta do seu projecto literário; é bem possível que não esteja a falar do que pensa da literatura em geral, mas mais de como sente e quer a sua literatura. Seja como for, o que ele diz, independentemente do que pretende ao dizê-lo, é difícil de refutar. E se se aplica à escrita, também se aplica à leitura: para quê ler tanto de que vamos reter tão pouco? Mais vale ler apenas o pouco que conseguimos reter.
Há agora muito quem se inquiete com os hábitos que se estão a criar, sobretudo com a internet, de ler exclusivamente textos pequenos, mas talvez com a nova forma de leitura as pessoas retenham mais do que lêem…Talvez assim aprendam mais… Mais uma vez, não há provavelmente razão para catastrofismos, mas antes para optimismo...
recado para os Dominique Pelicot que andam por aí à solta
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Na semana em que Dominique Pelicot foi condenado a 20 anos de prisão por
ter repetidamente drogado a sua mulher para a violar e a pôr à disposição
de outro...
Há 2 dias
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